Correio Braziliense
postado em 02/02/2020 08:00
É neste local onde a fé ganha contornos de beleza sublime. É uma experiência única adentrar pelo túnel da igreja e se surpreender diante de tanta energia e religiosidade. Os vitrais em branco, azul e verde — criados pela artista francesa Marianne Peretti — dão a ideia de algo vivo e em movimento. No teto, anjos parecem voar. A Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, ou somente Catedral de Brasília, teve a estrutura finalizada em 1960. Desde a inauguração oficial, em 1970, milhões de brasilienses e brasileiros de diversos cantos passaram pela igreja e deixaram admiração pelo projeto de Oscar Niemeyer. O diálogo entre passado e presente desse templo é tema da nona matéria da série Brasília Sexagenária.
A beleza histórica, carregada de simbolismos, faz com que muitos se apaixonem pela Catedral à primeira vista. Foi assim com Rayane Arvellos, 26 anos, e Richard Arvellos, 29. O casal sempre morou em Brasília, mas só em 2013 teve a oportunidade de conhecer de perto a igreja. E, logo na primeira visita, decidiram ali parte importante do futuro. “Estávamos observando tudo de dentro, e eu fui sozinho até a secretaria perguntar como fazia para casar lá, porque nós dois éramos noivos. Voltei e avisei a ela que tinha marcado a data do nosso casamento”, contou o empresário. A escolha teve de ser rápida, só havia uma data disponível quando Richard fez a consulta. “Não pensei duas vezes. E foi tudo muito especial, porque era o dia do aniversário do meu pai também, em 6 de dezembro”, explica.
A notícia pegou a publicitária de surpresa. “Primeiro, foi o baque, aquele susto. Mas, depois, me veio uma felicidade enorme, porque eu tinha mesmo vontade de casar na Catedral”, lembra. Além de toda a plenitude religiosa do local, o projeto da igreja era querido por Rayane pela estética. “Para nós dois, que somos católicos, ela é um marco da religião. Carrega um significado muito grande. Sem contar que a arquitetura me chama muita atenção de fora. De dentro, é outro espetáculo com os vitrais, anjos e as obras de arte, coisas que nunca imaginei antes de conhecer de perto”, detalha.
O casamento ainda foi uma oportunidade para a família do casal conhecer a Catedral. Boa parte dos parentes mora em Sobradinho, e não havia entrado no templo antes do dia especial. “A maioria dos nossos convidados não tinha noção de como era lá. No fim, todos disseram que ficaram encantados, porque viram a beleza do nosso casamento e da igreja. Quando vimos as fotos e assistimos ``a filmagem, percebemos isso. Todo mundo com olhar de contemplação!”, recorda Rayane.
Aquele 6 de dezembro de 2014 ficou marcado para os dois de uma maneira que só a Catedral pode proporcionar. O sonho foi realizado, e eles se orgulham de fazer parte de um pedaço do contexto desse símbolo da capital. “O sentimento é de satisfação, por poder participar disso. Brasília e a Catedral têm histórias bonitas, de união de pessoas de vários locais, fé e prosperidade. As pessoas que chegaram aqui, em 1960, foram construindo isso, e é um marco ter me casado nesse espaço”, emocion-sea a publicitária.
A obra
A Catedral Metropolitana de Nossa Senhora Aparecida teve a pedra fundamental lançada em 12 de setembro de 1958. A estrutura ficou pronta em 1960, com as 16 colunas e a área circular de 70 metros de diâmetro. O monumento estava previsto no edital do concurso nacional para o projeto do Plano Piloto, segundo o arquiteto e urbanista Frederico Flósculo, da Universidade de Brasília (UnB). “No edital, independentemente do urbanista, ele precisava prever o local da Catedral,e Lucio Costa projetou logo na Esplanada. A Catedral é invenção da comissão, presidida por Israel Pinheiro, que elaborou o edital”, comenta. O edifício foi inaugurado em 31 de maio de 1970, com os vidros externos.
Um dos principais projetos de Oscar Niemeyer, a Catedral de Brasília tem suas particularidades. Para Frederico, a prova da genialidade de Oscar e do calculista Joaquim Cardoso. Enquanto no subsolo as pessoas se encantam com o templo redondo, claro e cheio de obras de arte, do lado de fora o que encanta são as colunas da cobertura. Elas se encontram na parte superior em volta de um anel de compressão, o que, para Frederico, é fundamental para a sustentação da estrutura. “É um truque que o Niemeyer usou com muita propriedade. Nenhuma daquelas colunas conseguiria ficar em pé sozinha, mas, quando você faz o feixe de forma central, você tem uma estrutura muito forte”, ressalta.
Frederico acrescenta que o projeto é cheio de detalhes. Segundo o arquiteto, as esquadrias foram escolhidas com muito cuidado, para poder sustentar a estrutura diante da dilatação. “Quando o Sol aquece, a estrutura se expande, e, no esfriamento, ela retrai. Todo dia, a Catedral sobe desce uns seis centímetros, então precisava ter uma esquadrilha que acompanhasse esse movimento”, detalha.
Encanto
Quem visita a Catedral afirma que não há outra como ela em lugar nenhum do país. Bela por dentro e por fora, um dos diferenciais para o arquiteto Frederico é a entrada, que, para ele, lembra uma catacumba. Para ingressar na Catedral, as pessoas passam por uma rampa escura que esconde, até certo ponto, o interior do monumento. Mas, ao se aproximar, elas encontram a luz do interior da igreja. “Chamamos isso de efeito Gestalt. Ele está associado à forma e à percepção da forma. É uma coisa muito delicada e tem tudo a ver com a religião”, destaca.
Do lado de fora, a torre do sino e as esculturas de três metros dos evangelistas — Mateus, Marcos, Lucas e João — de Alfredo Ceschiatti compõem o espaço. No interior, estão diversas obras de arte, como um pilar pintado por Athos Bulcão, as esculturas de três anjos suspensos por cabos de aço, além dos vitrais inseridos entre os pilares em triângulos projetados por Marianne Peretti, em 1990, e os quadros da Via-Sacra de Di Cavalcanti.
Turismo
A beleza misturada com a história da capital atrai turistas de diversos estados e países. São, em média, 3 mil visitantes por semana, segundo a Arquidiocese de Brasília. A fisioterapeuta Micaela Rocha, 28, veio do Piauí conhecer a cidade e ficou encantada com a estética dos prédios. “Tudo é muito interessante, principalmente em relação à arquitetura. A Catedral foi o monumento de que eu mais gostei. Por dentro, ela é bem diferente”, comenta.
Quem mora em Brasília também não deixa de apreciar o monumento e faz questão de trazer amigos e familiares para conhecerem tudo de perto. A estudante Gabriela Amorim, 20, trouxe a amiga Thais Fernandes Guimarães, 20, que veio do Pará. “Eu achei linda, por dentro e por fora. Tudo aqui é muito bonito, aberto e espaçoso”, comentou a estudante paraense.
» Conjunto de fatores
A demora de dez anos para a inauguração da Catedral é fruto de complexidades de arquitetura, política e até saúde de Niemeyer, como explica o especialista Frederico Flósculo. “Primeiro, temos que lembrar que havia um problema grande, que era a colocação das esquadrias. Elas precisavam ser muito bem estudadas, porque a igreja tem um padrão de dilatação extraordinário, que nunca havia se visto em nenhuma outra estrutura. Em determinados momentos do dia, quando o sol aquecia, era como se a Catedral fosse um bolo crescendo”, detalha. Outros fatores externos também contribuíram para a demora. “Nesse período, Niemeyer teve problemas de saúde gravíssimos. Junto a isso, tivemos o período da ditadura militar, que causou um colapso político e atrapalhou construções complexas, como também a do Teatro Nacional”.
Marcada na pele
Uma história de amor que nasceu antes mesmo da concepção dos dois atores principais. É essa a relação entre Brasília e Lilian Osório, 39 anos. Os laços entre eles começaram quando a família da bancária chegou à nova capital, em 1959, deixando o Rio de Janeiro. Servidor da Câmara dos Deputados, o avô materno encontrou terra e mato para todo lado, e chegou até a negar o terreno que recebeu no Lago Norte, quando não tinha noção do que a cidade poderia se tornar. Já o pai chegou mais tarde, em 1970, quando saiu do Ceará e resolveu cursar administração em Brasília. Ali se iniciava o segundo ato da paixão de Lilian, que ainda nem havia sido concebida. Naquele mesmo ano, foi inaugurada a Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, construção hoje tatuada na pele da brasiliense.
“Nasci na década de 1980 e, ainda pequena, me apaixonei por Brasília. A área verde é incrível, temos parques ótimos. Era só descer do elevador do prédio e estávamos em um campo livre, andando de bicicleta, brincando de pique esconde nos pilotis. E algo que me marcou muito foi uma visita à Catedral, quando tinha dez anos. Entrei por aquela passagem escura e me encantei com os vitrais. Minha mãe foi me explicando todos os detalhes da igreja e eu com os olhos brilhando. Parecia um lugar tão simples, mas, ao mesmo tempo, com uma complexidade tão grande”, conta Lilian. A garota de dez anos cresceu, mas não perdeu o fascínio pela obra de Niemeyer. Pelo contrário, ela foi cada vez mais criando conexões com a igreja e os monumentos que a cercam.
“Temos um museu de arte à céu aberto na nossa capital. Oscar Niemeyer tem um traço perfeito e percebemos isso em várias construções. A Catedral é minha preferida, porque é um desenho leve, mas com muito conteúdo. Os vitrais, os anjos pendurados, o túnel escuro indo de encontro àquela luz natural. Isso tudo é muito particular e especial para mim”, avalia. O templo de Brasília não o único que ela conheceu, mas segue sendo o mais querido. “Estive em Barcelona e conheci a Sagrada Família. Ela é enorme, cheia de detalhes, mas o impacto de entrar na nossa Catedral continua sendo grande”, define.
Símbolo
O simbolismo do lugar também enche Lilian de orgulho: “Os arcos ilustrando mãos que seguram uma cruz, tudo que isso representa, me arrepia”, confidencia. O projeto sagrado de Niemeyer representa muito para Lilian. Olhando para ele, a bancária lembra da vinda do avô, da chegada do pai, da construção da história da família e de Brasília. Também é lá que ela se sente mais próxima de Deus e reafirma a fé. Ainda é na Catedral que ela encontra obras de arte que admira. Esse conjunto de fatores fez com que a brasiliense não tivesse dúvidas sobre qual seria a sexta tatuagem. “Eu queria algo muito especial, que falasse de mim, da minha infância, remetesse aos meus filhos e fosse ligado ao futuro. Quando penso em Brasília, a Catedral é minha primeira opção. É onde levo as pessoas que vêm de fora, é onde gosto de ir”, afirma.
Ela contou ao tatuador, conhecido como Markin, e ele começou a trabalhar em uma arte que mesclasse tudo isso. “No final, tatuei a Catedral, que tem todos esses significados, e a Ponte JK, que remete ao futuro, a passagem de um lugar ao outro. Também juntamos os ipês, que cada vez mais nos encantam, obras de Athos Bulcão e o primeiro esboço do Plano Piloto, todos com traços muito finos”, detalha. Com as tatuagens, Lilian chegou a entender um pouco como a Catedral “se sente”. O espaço desenhado é motivo de admiração de quem olha, que até pede para fotografar. “Sempre tem gente que vê e elogia, fica encantado. Uma vez, no supermercado, um homem me parou, pediu para ver de perto e até chamou a esposa, que estava em outro caixa, para contemplar também. Isso é muito bacana”, conta.
» Curiosidades
» Ao falar próximo a uma das paredes curvas da Catedral, no interior, é possível ouvir o som do outro lado, como um telefone sem fio. Segundo o arquiteto Frederico Flósculo, isso é um fenômeno de ressonância, possível devido a simetria, homogenia e tamanho do diâmetro do espaço.
» A cruz no topo da Catedral foi colocada em 1968, depois de ter sido
abençoada pelo Papa Paulo VI
» Dentro da cruz há duas relíquias: um fragmento da cruz de Cristo e a cruz Peitoral do primeiro arcebispo de Brasília, dom José Newton de Almeida Baptista.
» O espelho d’água tem a função de umidificar o ambiente. Os vitrais estão afastados cerca de 50 cm para que, por essa fresta, entre ar úmido do espelho.
» À esquerda de quem entra na Catedral está a cruz que foi plantada no solo na primeira missa oficialmente programada para a inauguração de Brasília, em 1957. Para a cerimônia, a cruz foi colocada a 1.173 metros de altitude, onde hoje está o Memorial JK.
Fontes: Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida e arquiteto Frederico Flósculo
Programe-se
A Arquidiocese de Brasília também completa 60 anos em 2020. Para celebrar, a instituição encerra, hoje, o ano jubilar, iniciado em 2019, em comemoração à data, com uma missa solene na Catedral.
O quê: Missa de encerramento do Ano Jubilar da Arquidiocese de Brasília
Quando: Hoje, às 10h30
Onde: Catedral Metropolitana de Brasília
Confira
Construções que cercam a Catedral e os significados
» Campanário: criado por Niemeyer para ser a Torre da Catedral, foi inaugurado em 1977, por dom José Newton de Almeida Baptista, então Arcebispo de Brasília. Mede 20 metros de altura e suporta quatro sinos de bronze, doados pelo governo da Espanha. Três deles — Santa Maria, Pinta e Nina — lembram as Caravelas de Cristóvão Colombo na descoberta da América. O quarto — Pilarica — é uma homenagem à Nossa Senhora do Pilar, muito cultuada naquele país. Desde 1987, controlados eletronicamente, os sinos tocam às 6h, às 12h e às 18h.
» Cúpula do Batistério: construção de concreto armado, de forma ovoide, que protege e complementa o interior da Capela, onde se realizam os batizados. Uma escada de mármore liga a parte externa do Templo ao Batistério, o que permite acesso direto a este, sem que seja necessário passar pela nave da igreja.
» Cúria Metropolitana: obra de Niemeyer, foi inaugurada em 2007 e abriga os diversos órgãos administrativos da Arquidiocese, como a Chancelaria, as comissões e os departamentos. Localiza-se na área de 3 mil metros quadrados posterior ao Batistério e se comunica internamente com a Catedral.
» Estátuas dos Evangelistas: esculpidas por Alfredo Ceschiatti e Dante Croce, quatro estátuas de bronze, cada uma com três metros de altura, estão posicionadas à esquerda e à direita da entrada principal do templo. Representam os quatro evangelistas — Mateus, Marcos, Lucas e João —, e o pergaminho que trazem à mão os identifica como os primeiros registradores da história de Jesus Cristo na Terra.
Fonte: Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida
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