Correio Braziliense
postado em 05/02/2020 04:27
Transmitir amor e cuidado por meio de linhas e fios. Uma atitude singela e repleta de significados representa o trabalho que mulheres brasilienses têm realizado há pouco mais de três anos: repassar carinho em costuras de quadrados de crochê. Aos poucos, cada nó em lã transita por diferentes mãos e dá forma a um cobertor que, no fim do processo, passa a aquecer quem precisa. Em sua maioria, pessoas que estão em situação de vulnerabilidade emocional ao aguardar por um tratamento médico em hospitais, ou que vivem em abrigos e casas de repouso.
Tudo começou quando três amigas conheceram uma iniciativa que era feita em São Paulo. Apaixonadas por costura, Rizia Alves, Simone Poty e Soraya Lima decidiram fazer parte da ação que leva o nome Quadradinhos de Amor. Na época, elas produziam mantas inteiras e as enviavam pelos Correios para fazerem parte das doações do grupo paulista. Até que pensaram em criar um ponto do trabalho em Brasília, iniciando, em 2017, doações para centros de apoio da capital. De lá para cá, quase mil mantas foram doadas a 35 instituições.
“Todas nós somos apaixonadas pelo crochê. Então, juntamos as três e começamos a nos reunir. Trouxemos o projeto para cá e passamos a receber muitas doações. O foco é entregar em instituições mais carentes, principalmente asilos, porque sabemos que os idosos sentem muito frio”, conta a fundadora Rizia Alves, 39 anos.
O grupo recebe doações que vão de novelos de lã e quadrados costurados a mantas prontas. O material recebido, em todas as etapas, é transformado em um cobertor de 1x1m. “É um tamanho para colocar nas costas ou no joelho. Não é tão grande, mas é um bom tamanho, e o objetivo é levar carinho com ele”, acrescenta a funcionária pública.
Uma das voluntárias que se uniu ao projeto desde o início é a dentista aposentada Jane Akemi, 59. Ela conta que acumulou muitas experiências sociais ao longo da vida devido ao trabalho que realizava, mas que encontrou no projeto com cobertores uma relação especial. “É muito emocionante. Quando a gente vai fazer uma doação, geralmente a pessoa que recebe está fragilizada e quando vê o presente, até questiona: ‘é para mim?’. E é por isso que a gente continua fazendo. Penso que se Deus é bom para mim, eu tenho que devolver isso para outras pessoas”, compartilha.
Apesar de o trabalho não sair barato — a produção de cada manta custa, em média, R$ 80 — a voluntária garante que a experiência em todo o processo compensa. “Já me questionaram o motivo de não comprarmos cobertores no atacado, por ser mais barato e assim conseguir fazer mais doações, mas a finalidade é outra. Tem questão de energia. Você para, faz um quadradinho e pensa em quem vai presentear. A maioria das mantas são feitas de quadradinhos de muitas pessoas e tem a energia de todas elas. Então é totalmente diferente de comprar algo e doar”, declara Jane.
A hora da entrega, segundo as voluntárias, é um momento especial. Alguns dos locais que já receberam os cobertores foram o Hospital de Base e o Hospital Universitário de Brasília (HUB), além de creches e locais de apoio a idosos e pessoas com necessidades especiais, como o Lar Esperança, que fica em Ceilândia. O local, que atende pessoas com deficiência, recebeu doações do grupo no fim de 2019, e o dia ainda traz boas memórias às crocheteiras. “Eles chegaram achando que estávamos vendendo as mantas e, quando dissemos que eram para eles, ficaram super felizes. Os olhos até brilhavam. Alguns pediram para enrolar em bonecas e teve uma menina que também gostava de fazer crochê. Ela ficou animada quando recebeu. Quis mostrar os que ela fazia e disse que ia copiar a costura da manta”, relembra uma outra participante do projeto, a professora de ciências Silva Galvão, 43.
Retorno
De acordo com as voluntárias, a iniciativa propicia um benefício mútuo entre quem doa e quem recebe, sendo a proporção maior para quem está no projeto, pela soma do trabalho manual, do convívio entre mulheres e do sentimento de contribuição social. “Nossos encontros funcionam como uma roda de terapia, em que conversamos e falamos sobre tudo. A gente conversa muito sobre problemas, depressão e crises de ansiedade. Vimos no projeto essa oportunidade de juntar o útil ao agradável para ajudar”, diz Rizia. “Temos pessoas em depressão que se curaram no projeto. Que eram tristes, mas quando começaram a se doar, ficaram mais alegres. É uma rede feminina que acaba ajudando muito e também ajuda o próximo”, complementa Jane.
Entre as ações de convívio do grupo estão encontros semanais, que ocorrem às sextas-feiras na sorveteria Giolatto, em Águas Claras, e outros periódicos, na Asa Norte. “Tentamos fazer grandes encontros pelo menos de dois em dois meses para conhecer as voluntárias. Muitas pessoas surgem e querem bater papo. Também aproveitamos para ensinar a fazer as costuras para quem ainda não sabe e nos juntamos para emendar os quadrados e terminar mantas”, afirma Rizia. O grupo tem aproximadamente 120 colaboradoras e é aberto para quem quiser participar, inclusive homens.
*Estagiária sob supervisão de Fernando Jordão
Faça parte
As organizadoras garantem que qualquer pessoa interessada, independentemente da idade, pode contribuir e participar do projeto, seja nas atividades de crochê — produzindo pequenos quadrados ou mantas –, seja entregando novelos de lã. O grupo conta com pontos de suporte em Águas Claras e na Asa Norte. Para mais informações, entre em contato com as atuais coordenadoras: Rizia Alves (99303-6490) ou Jane Akemi (99906-1054). Para ver um pouco mais do que já foi feito e saber sobre os encontros, há o Instagram do grupo: @quadradinhosdeamorbsb.
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