Correio Braziliense
postado em 06/02/2020 06:00
As prisões brasileiras apresentam a quarta maior população carcerária feminina do mundo, com cerca de 42 mil mulheres presas, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Na capital, a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia, abriga 635 detentas, com capacidade para 1.028 vagas. Ainda que o local não sofra com a superlotação, há falhas, como na distribuição de itens básicos de higiene, feita precariamente pelo Estado. Para amenizar a situação, o projeto Absorva Carinho arrecada absorventes, sabonetes, hidratante, xampus e condicionadores. A próxima entrega está marcada para a próxima segunda-feira.
O Absorva Carinho surgiu em 2016 por iniciativa de três jovens, a partir de um trabalho escolar. À época, Gabriele Lassance, 19 anos, Ana Beatriz, 18 e Victoria Dors, 21, estavam no 2° ano do ensino médio, na Escola das Nações. “A ideia era desenvolver um projeto comunitário, e a nossa professora nos incentivou a sair da zona de conforto. Lemos o livro Presos que menstruam, da jornalista Nana Queiroz, e nos inspiramos”, explicou Gabriele. Atualmente, ela estuda química forense no Rio Grande do Sul, mas vem a Brasília frequentemente para ajudar as colegas nas entregas.
Segundo Ana Beatriz, no começo, a meta era obter 1 mil absorventes em três meses, mas o número excedeu, e o trio recebeu mais de 6,7 mil pacotes. “Fazíamos divulgação com cartazes e explicávamos para as pessoas do que se tratava. Depois da primeira arrecadação, nos apegamos à ação e decidimos continuar. Conseguimos uma autorização judicial para entrar na Colmeia e entregamos os produtos pessoalmente a elas. Foi uma sensação incrível. Tivemos a oportunidade de conversar com as detentas, e elas relataram que até recebiam itens de higiene do governo, mas não eram suficientes. Essa é uma parcela da população que as pessoas não prestam muito a atenção e ignoram. Mas queríamos inovar”, contou Ana Beatriz.
Quatro anos após a criação do Absorva Carinho, as amigas expandiram o projeto e passaram a arrecadar outros produtos, como hidratante, xampu, condicionador e sabonete. As doações podem ser feitas em dois locais, e as entregas ocorrem na Penitenciária Feminina mensalmente. “As pessoas nos ajudam bastante, mas tudo depende da direção da Colmeia. Temos dificuldade em contactá-la. Sempre há um obstáculo. Ou eles não atendem o telefone, ou demoram para agendar a nossa visita. Mas não desistimos. É uma luta nossa”, explicou Gabriele.
De acordo com a diretora do presídio, Rita de Cássia Gairo, uma vez por mês, são distribuídos três pacotes de absorvente, dois sabonetes e dois rolos de papel higiênico para cada presidiária. “Os familiares que visitam as internas podem trazer mantimentos, entre eles um pacote de absorvente. Tem muitas mulheres que não recebem visitas; então, quando chegam as doações, tentamos privilegiá-las”, afirmou. Contudo, não consta na cartilha de visitante da Secretaria de Segurança Pública a permissão de entrada de absorventes na unidade.
Reintegração
Para especialistas, embora o problema não seja a superlotação, a falta de políticas públicas específicas para as detentas dificulta a ressocialização e colabora para o aumento de reincidência. “Quando falamos em sistema carcerário feminino, notamos que há uma violação dos direitos humanos. É impossível pensar em ressocialização de internas quando há tentativas tímidas do Estado para implementar iniciativas de apoio a elas”, destacou Rafael Mesquita, professor de direito e especialista em direitos humanos e ciências criminais do Centro Universitário Iesb.
Segundo ele, é preciso investir em capacitação profissional dentro do próprio, a fim de auxiliar a reintegração. “Muitas mulheres, quando ingressam no regime semiaberto, se deparam com as portas fechadas no trabalho formal e, na maioria das vezes, recorrem ao crime. O uso excessivo do encarceramento não é solução e só agravaria uma superlotação. É preciso investir em educação e trabalho”, alertou.
A diretora da Colmeia detalhou, ainda, as condições do complexo. “A nossa estrutura é composta por quatro blocos, sendo que dois deles são prédios novos. Trabalhamos com os servidores e exigimos a devida disciplina das agentes, promovendo a dignidade. Conseguimos dar um tratamento diferenciado às detentas e buscamos sempre inserir a interna nas atividades promovidas pela penitenciária, como o coral”, ressaltou Rita de Cássia.
Mercado de trabalho
Dentro do sistema, uma das formas de ressocialização é por meio do trabalho. Internas que alcançam a semiliberdade ganham a chance de emprego ofertada pela Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap). Das 635 presidiárias alocadas na Penitenciária Feminina, 130 trabalham externamente. Há cargos de copeira, serviços gerais e auxiliar administrativo, entre outros.
Quem cumpre pena no regime fechado também ganha o direito de trabalhar na prisão. No entanto, são 50 internas nessa situação. No total, a Funap mantém 79 contratos com órgãos do GDF e cinco com empresas privadas. “Muitos empregadores ainda desconhecem o trabalho da fundação. Mas estamos divulgando o serviço e tentando fechar contratos com essas empresas. O nosso maior impasse são as detentas do regime fechado. Há uma fila grande de mulheres que aguardam por uma vaga”, disse a diretora executiva da Funap, Deuselita Martins. As presidiárias que trabalham recebem bolsa ressocialização no valor de R$ 779. Aquelas que têm emprego externo ganham vale-transporte e vale-alimentação.
A cartilha
» Alimentos permitidos
» Frutas, como banana, mamão, goiaba, maçã e pera (no máximo, seis unidades ao todo);
» Biscoitos, em embalagem transparente, somando, no máximo, 500g. É proibida a entrada de biscoitos recheados e caseiros de qualquer tipo
» Material de limpeza e higiene
» Dois rolos de papel higiênico de cor branca
» Um sabão em barra na cor branca
» 500g de sabão em pó em saco plástico transparente
» Um creme dental branco em embalagem plástica transparente
» Um desodorante do tipo bastão ou roll-on em embalagem plástica transparente
» Dois sabonetes brancos
» Duas ceras frias para depilação em embalagem transparente
» A entrada dos itens é feita de 14 em 14 dias
» Vestuário permitido, mediante autorização
» Três bermudas nas cores branca ou azul, em tecido comum ou jeans
» Quatro camisetas com manga na cor branca (proibida regata)
» Três calças brancas ou azul-clara em tecido comum ou jeans com bolso costurado
» Dois casacos brancos, sem capuz ou zíper
» Dez calcinhas brancas
» Três pares de meias brancas
» Um par de sandálias “tipo avaianas”, com solado fino, brancas
» Dois lençóis de solteiro brancos, sem elástico
» Duas toalhas brancas
» Seis sutiãs brancos sem bojo e sem aro
» Um pijama com manga
» Um cobertor de solteiro na cor clara tipo manta
» Um balde em cor clara sem alça
» Um conjunto de moleton (sem capuz ou zíper)
Palavra de especialista
Educação como base
“Atualmente, o maior problema que envolve as apenadas são as relações com o parceiro, que, muitas vezes, as obrigam a traficar drogas por pensarem que há uma menor abordagem pelo fato de serem mulheres. O primeiro passo é desenvolver políticas para evitar que existam reincidências. A educação deve ser a base principal para que elas criem um pensamento social. Depois disso, a recolocação profissional é essencial para que haja o afastamento do ciclo criminoso. O trabalho ajuda a evitar o retorno para a criminalidade. Entretanto, temos problemas econômicos, sociais e educacionais que precisam ser sanados.”, Leonardo Sant’Anna, especialista em segurança pública e privada da Total Florida International.
Onde doar
Asa Sul
SCLS 306, Bloco A, Loja 30
De segunda a sábado, das 10h às 20h
Asa Norte
SCLN 310, Bloco C, lojas 14 a 20
De segunda a sábado, das 10h às 20h
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