Cidades

Delegado sobre morte de professor: ''vamos montar o quebra-cabeça''

Análises dos institutos de Medicina Legal e de Criminalística encontraram a substância proibida aldicarbe, um raticida, na corrente sanguínea e roupas de Odailton Charles. Polícia ouve possíveis envolvidos, mas não os trata como suspeitos

O professor Odailton Charles de Albuquerque Silva, 50 anos, morreu após ser envenenado pela substância proibida aldicarbe, encontrada em raticidas, como o chumbinho. A confirmação veio após análises de amostras de sangue e das roupas do docente, usadas em 30 de janeiro, dia em que ele começou a passar mal. Os exames foram realizados por equipes dos institutos de Medicina Legal (IML) e de Criminalística (IC). Agora, investigadores da 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte) buscam elucidar quem estaria envolvido no caso. O docente morreu na terça-feira e, nesta quinta-feira (6/2), foi sepultado no Cemitério Campo da Esperança da Asa Sul.

Especialistas do IML começaram a analisar as duas ampolas de sangue de Odailton Charles na segunda-feira, antes da morte dele. Os materiais foram extraídos em 30 de janeiro e no último sábado por profissionais do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), onde o professor ficou internado em estado gravíssimo por cinco dias.

A suspeita inicial de médicos do Hran era de que Odailton Charles teria sido envenenado por um tipo de organofosforado, substância presente em inseticidas, agrotóxicos e em veneno de rato. No entanto, o uso do composto foi descartado. “O professor estava com as pupilas dilatadas, diarreia, salivação excessiva e perda de consciência. Assim, chegou-se à possibilidade de envenenamento. Analisamos as duas amostras, e a do dia 30 de janeiro deu positivo para aldicarbe, substância usada em raticida e que tem venda proibida, justamente pelo efeito letal. Uma pequena dose dela pode levar ao óbito de forma rápida”, explicou a diretora do IML, Márcia Cristina dos Reis.

De acordo com Hugo Ricardo Valim de Castro, diretor adjunto do IML, a amostra sanguínea de 1º de fevereiro não tinha traços do aldicarbe. “Mas a variação é esperada, uma vez que a própria literatura (médica) estabelece que pelo menos 90% da substância é eliminada do organismo de três a quatro dias. Portanto, isso não interfere no resultado da primeira análise”, destacou.

Um segundo exame, realizado por peritos do IC, também corroborou para o resultado de envenenamento. A análise foi feita nas roupas usadas por Odailton Charles em 30 de janeiro, as quais foram entregues pela companheira dele, Priscilla Santana de Lima Albuquerque, 39, à 2ª DP.

Suco de uva

Um ponto crucial na investigação do caso é o relato que Odailton Charles fez para uma amiga, por meio de áudio do WhatsApp. Em uma primeira mensagem, com mais de dois minutos, ele disse ter sido recebido de forma hostil por uma colega de trabalho no Centro de Ensino Fundamental (CEF) 410 Norte. “Quase que ela não me deixou entrar na escola. (...) A mulher estava com ódio nos olhos. Depois, ela me chamou na salinha para assinar a folha de ponto e me deu uma garrafinha de suco de uva. Levei até um susto. Eu não ia tratar ela mal, não. Não ia ser deselegante. Fiquei meio receoso, mas tomei. Agora, estou sentindo uma dor de barriga. (...) Estou com medo”, narrou o professor.

Poucos minutos depois, Odailton Charles mandou uma nova mensagem, mas com uma suspeita mais grave quanto à servidora pública: “Será se ela me envenenou? Ela esperou todo mundo sair para almoçar. Sinceramente, estou até com medo de ligar para a minha mulher e deixá-la apavorada, coitada. Estou passando mal mesmo. Ela colocou algum purgante aqui”.

Segundo o diretor do IC, Emerson Pinto de Souza, os exames deram positivos para a presença de aldicarbe e de um relaxante muscular. “Também buscamos vestígios de suco de uva na roupa, mas não encontramos. Mas isso não quer dizer que Odailton Charles não consumiu a bebida”, afirmou.

A perita-criminal Flávia Pine Leite destacou que “não tinha como fazer a relação do vômito nas vestes com um alimento ou bebida específica”. “Não havia restos alimentares ou líquidos nas vestes. Era um vômito mais líquido, o que é comum. Mas a presença da substância no vômito indica que Odailton poderia ter ingerido o aldicarbe por via oral”, pontuou.

Para o delegado Laércio Rossetto, chefe da 2ª DP, a falta de prova técnica do suco de uva nas roupas do professor não afasta a possibilidade de ele ter consumido o líquido. “O próprio Odailton relatou a uma amiga, antes de morrer, que teria ganhado essa garrafa de suco. Levamos muito a sério esses áudios e estamos apurando a informação a fundo”, frisou.

Possíveis envolvidos

Laércio Rossetto afirmou investigar possíveis envolvidos no caso. A servidora citada por Odailton Charles, em áudio, prestou esclarecimentos na 2ª DP duas vezes. “Nós a ouvimos e ela foi firme em dizer que não ofereceu suco ao professor. Testemunhas escutadas até o momento também afirmaram não terem visto Odailton tomar a bebida. Isso não quer dizer que ele não tenha bebido. As investigações continuam, muitas pessoas ainda serão ouvidas”, salientou.

Para o investigador, as provas científicas dos institutos de Medicina Legal e Criminalística, assim como a narrativa de pessoas que estavam no CEF 410, é de que o envenenamento ocorreu na instituição. “A tese é de que teria ocorrido no ambiente escolar. Uma pessoa o viu ir ao banheiro e, ao retornar, já estava passando mal. Depois, a situação se agravou, até ele ser socorrido ao Hran”, explicou.

“Vamos montar o quebra-cabeça. Estamos investigando possíveis envolvidos, mas ainda vamos escutar mais pessoas, incluindo três policiais militares, que por um acaso estavam na escola quando Odailton chegou, e os bombeiros que atuaram no socorro. Até o momento, temos o celular da vítima apreendido e de mais uma pessoa”, acrescentou o delegado.

Rossetto irá pedir à Justiça liberação para analisar os aparelhos telefônicos, a fim de buscar novas provas. O investigador também destacou que, caso veja necessidade, irá realizar a apreensão de outros celulares.

Cronologia

30 de janeiro
Odailton Charles vai ao CEF 410 Norte para entregar a gestão dele como diretor. Ao chegar, reúne-se com uma servidora. Ele teria recebido uma garrafa de suco de uva da colega e consumido o produto, segundo narrou em áudio a amigos. Em seguida, passa mal e é levado ao Hran. Médicos analisam o quadro e acionam a PCDF. A mulher do professor, Priscilla Santana, registra ocorrência na 2ª DP.

31 de janeiro
Priscilla retorna à delegacia para prestar depoimento e entrega uma bolsa térmica com gelo, contendo as roupas usada pelo marido quando ele passou mal. A mulher também mostra os áudios enviados por Odailton Charles. 

1º e 2 de fevereiro
Odailton Charles continua internado em estado grave no Hran. Agentes da 2ª DP escutam testemunhas do caso e solicitam que peritos do IML coletem material biológico do professor para fazer um exame toxicológico.

3 de fevereiro
As amostras de sangue de Odailton Charles são entregues pelo Hran ao IML. Peritos começam a analisar o material. Especialistas também fazem um exame toxicológico do professor. Peritos do IC começam a examinar as roupas do docente.

4 de fevereiro
O professor morre no Hran e o corpo é encaminhado para necropsia. Investigadores da 2ª DP solicitam imagens de câmeras de segurança da escola.

5 de fevereiro
Peritos do IC acompanham agentes da 2ª DP até o CEF 410 Norte. Fica confirmado que as câmeras de vigilância não estavam funcionando havia algum tempo. IML finaliza a coleta para a necropsia.

Despedida marcada por emoção

Amigos e familiares de Charles esperam que ele não tenha sido assassinado. Nesta quinta-feira (6/2), durante o velório, o servidor público Daniel Santana, 41, cunhado do professor, foi o porta-voz da irmã, Priscilla Santana de Lima Albuquerque, 39, esposa do educador, que estava muito abalada e não conseguiu conversar com as equipes de reportagem. “Deus fala para amarmos e nos importarmos com o próximo. Por isso, a gente quer acreditar que tenha sido uma morte natural", defendeu.

A cerimônia fúnebre em homenagem ao professor começou por volta das 9h, na Igreja Adventista de Águas Claras, e terminou às 16h, no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul, onde o corpo foi sepultado. Segundo Daniel, Charles era uma pessoa muito dedicada ao trabalho. “Ele prestava muito apoio às pessoas com quem convivia. Sei que, como profissional, ele era rígido, mas, ao mesmo tempo, era como um pai para as crianças. Estamos todos tristes com essa situação”, lamentou.

Colegas de trabalho também compareceram ao velório. A professora Maria das Graças Rodrigues, 47, conheceu Charles em 2018, quando entrou no CEF 410. “Enquanto colega de trabalho, era uma pessoa muito acolhedora, sempre com um sorriso no rosto e um abraço para nos receber. Sempre estava do lado dos professores”, reforçou. De acordo com ela, uma das maiores preocupações do homem era com a segurança e a disciplina dos alunos: “Tive o presente de virar amiga dele. Compartilhei vários momentos com a família. Então, perdi um colega de trabalho e uma pessoa próxima”.

Após a morte de Charles, Graça pediu transferência da unidade de ensino. “Quando ocorreu o fato, não havia condições de ficar na escola. Ali, aconteceu essa fatalidade. Não conseguiria me sentir bem naquele ambiente”, contou. Ela reforçou que outros três colegas de trabalho também solicitaram a mudança.

Comoção

Na igreja que Charles costumava frequentar, os presentes cantaram hinos religiosos durante a celebração de um culto. O pastor que conduziu a cerimônia, Wesley Avelar, tentava consolar o público enquanto descrevia o amigo. “Era uma pessoa muito prestativa, alegre, inteligente e fiel”, comentou. Durante o velório, Priscila e a filha dela com o educador, de 7 anos, não saíram do lado do caixão.

Por volta das 15h, dezenas de veículos deixaram o templo religioso e seguiram para o cemitério. Nesse momento, uma forte chuva se formou e despencou sobre os carros. O sepultamento de Charles aconteceu por volta das 16h e durou poucos minutos. Apenas o som de pessoas chorando rompia o barulho da chuva enquanto o caixão era levado ao túmulo.

Antes de ir embora, um sobrinho de Charles conversou com a reportagem do Correio. “Todo mundo está destruído. Ninguém esperava isso, algo trágico desse jeito”, afirmou Luiz Henrique Albuquerque. De acordo com ele, o tio estava vivendo um dos melhores períodos da vida. “Ele estava muito bem, veio de férias agora e estava alegre”, acrescentou.