Correio Braziliense
postado em 08/02/2020 04:16
É, carnaval
Minha carne nunca foi de carnaval, mas, em Brasília, aprendi a gostar da festa — um pouco por culpa dos bloquinhos que celebram a Tropicália. Meu eu adolescente deve se revirar, caso, de algum multiverso, tenha a capacidade de me espionar com um punhado de glitter na cara arriscando umas balançadas no corpo. Peço desculpas. Ou não. Quero acreditar que ele (eu mesmo novinho) era mais chato do que sou hoje.
Minha carne nunca foi de carnaval, mas, em Brasília, aprendi a gostar da festa — um pouco por culpa dos bloquinhos que celebram a Tropicália. Meu eu adolescente deve se revirar, caso, de algum multiverso, tenha a capacidade de me espionar com um punhado de glitter na cara arriscando umas balançadas no corpo. Peço desculpas. Ou não. Quero acreditar que ele (eu mesmo novinho) era mais chato do que sou hoje.
Lembro num combo de vergonha e bom humor meu comportamento naquele tempo. Lá no interior, o carnaval costuma ser na praça. Um palco meio descompensado faz as vezes de trio elétrico — estacionado — e disputa a atenção com a Igreja da Matriz. A trilha sonora foca nos axés e suas variáveis (bem, disso eu continuo sem gostar). O pessoal da velha guarda reclama da falta de marchinhas. “Ah, a folia do meu tempo”, num saudosismo entediante.
Eu era um adolescente rock and roll. Tinha minhas camisas surradas, espinhas na cara e um cabelo maltratado na altura dos ombros. Ouvia Iron Maiden e bandas de metal melódico. Tinha um único amigo com gostos parecidos entre os 2,8 mil habitantes do distrito em que morava. Éramos dois instrumentistas iniciantes, bitolados em guitarras hiperdistorcidas, baterias de bumbo duplo e vocais agudos.
De modo que, é óbvio, detestávamos as festas de fevereiro. Apesar disso, a adolescência é época de hormônios demais para ficar tantos dias em casa. “Que fazer? Meu pensamento está preso àquele carnaval”, eu poderia cantar, se já fosse fã do “antigo compositor baiano”.
Nossa solução era simples: vestíamos nossas camisas de banda, íamos para a praça e sentávamos no banco mais distante do palco. A pauta era uma só: “como odiamos o carnaval”. Anos depois, me divertindo ao som de Tom Zé, Caetano e Gil no Divinas Tetas, só pude pensar: que bobagem.
À parte a soberba da adolescência, sempre tive dificuldade em entender a felicidade do carnaval. Sou dado à melancolia, e alegrias gratuitas nem sempre fazem muito sentido para mim. Uma conversa entre gênios, no entanto, me iluminou uma resposta sobre isso.
O compositor Sérgio Sampaio, um dos meus ídolos, nunca entendeu por que Eu quero é botar meu bloco na rua, o maior sucesso dele, era tão tocado em carnavais, mesmo sendo uma canção triste, e reclamava disso. O poeta Waly Salomão deu uma resposta certeira ao capixaba: “E quem disse que carnaval é alegre?”.
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