Cidades

Construído pelo povo

Correio Braziliense
postado em 09/02/2020 04:07
A turma que ajudou a erguer o palácio: Ahilton Guimarães, Josué Ferreira da Silva, Miguel Pereira da Cunha (o Miguilim), Antonio Evi Teixeira e José Donaldo Bittencourt


Era o centro das decisões do poder, mas também era um lugar cercado pela simplicidade e por almas candangas. Para Luiz Humberto de Faria, 71, esse era um pouco do cenário representativo do Catetinho. Escritor, professor e jornalista, ele chegou à nova capital ainda antes da inauguração, em 1957. “Brasília me adotou. São 63 anos que moro aqui, me sinto em casa. Nasci em Uberlândia (MG), mas meu pai veio com a família, para abrir uma loja de eletrodomésticos no (Núcleo) Bandeirante. Então, tenho o Catetinho como um lugar especial”, detalha.

Foi esse o prédio que deu aos brasilienses as primeiras impressões sobre como seria a arquitetura da cidade, por exemplo. “O desenho dele (do Catetinho) é o ponto de partida de Oscar Niemeyer. O pilotis, que é fundamental para Brasília, foi colocado lá. É o modelo clássico, com traços retos e muito simples, quase como um acampamento de operário de obra”, descreve. Outra característica que torna o espaço algo simbólico, segundo ele, é a força da população. “A iniciativa de construir o Catetinho não foi política, foi espontânea. A vontade popular que edificou esse local. A partir daí, ele se incorporou ao mundo oficial. Ou seja, um prédio idealizado pelo povo acabou inaugurando a realidade da construção de Brasília”, afirma.

Fatos como esse inspiraram Luiz a escrever o livro A bailarina empoeirada, que apresenta a história da capital por meio de relatos de pessoas comuns, que foram essenciais para o sucesso dos planejamentos de Juscelino Kubitschek. “Percebi que muita da nossa história é contada pela versão oficial. Então, o termo ‘bailarina empoeirada’ é um eufemismo para retratar a população que veio para cá, tomou poeira e não fazia parte dos relatos”, explica. As pesquisas de Luiz mostraram ainda que o palácio de tábuas representava a força do plano de construção de Brasília, que enfrentava ataques constantes.


“O Catetinho foi colocado de pé muito rapidamente porque, se não fosse assim, não daria para construir nada. A pressa do Juscelino era muito justificável. Ele enfrentava uma oposição muito severa, que considerava a nova capital um delírio. As resistências à mudança eram muito grandes”, lembra. Por isso, o escritor também ressalta que o atual museu é cercado de simbolismo. “Quem visita o Catetinho pode ver como se constrói uma nação nova, como que um sonho pode mudar a vida. Sem sonhar, ninguém vai a lugar nenhum. Estamos vivendo uma época em que a utopia está sendo criticada. Mas, com ela, se muda o mundo”, diz.

Passado e presente

Um museu diferente. Lembrando o passado rico, é assim que Artani Granjeiro começa a explicar o presente do Catetinho. Gerente do espaço há um ano, ela conta que a tarefa de definir o local é difícil, porque cada pessoa tem um sentimento distinto ao entrar na antiga moradia de JK. “Para cada um, ela é algo diferente. Recebemos recentemente uma senhora de 89 anos. Ela estava maravilhada. Perguntei do que ela havia mais gostado, ela disse que era ‘estar aqui’. Ou seja, para ela, bastava estar presente. Museu é isso, um lugar a que a gente vai e depois sai diferente. Não importa como, mas diferente, renovando a percepção”, reflete.



Artani descreve com carinho a estrutura do espaço. “Temos uma ambiência de 1956 que faz aquele resgate do mobiliário, dos objetos, além desse clima de casa de fazenda. Também estamos em uma área de proteção ambiental. Temos um cerrado preservado, uma mata de galeria, área com uma nascente. Isso faz parte da história de todos, não só de Brasília, mas da nossa nação. Por isso, as pessoas sempre ficam muito emotivas quando visitam”, detalha. Além do resgate histórico que possibilita aprendizados, o Catetinho é um ponto privilegiado de Brasília para uma tarde de paz.

Cercado de verde, o ponto turístico é frequentemente utilizado para piqueniques, brincadeiras ao ar livre ou até mesmo para contemplação. “Há um clima de tranquilidade. Às vezes, as pessoas vêm só para ficar no banco de madeira, aproveitando o dia. Alguns falam que é um lugar para se energizar. Até para mim é especial. A gente trabalha ouvindo os passarinhos, nós estamos em uma reunião e passa um tatu. Isso tudo é prazeroso demais”, conta. Uma trilha natural também permite o acesso à Casa Velha, outro espaço histórico.


Atendendo aos pedidos de brasilienses que consideravam o Catetinho um ponto muito distante e pouco atrativo, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal providenciou mudanças recentes. Em conjunto com o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), por exemplo, foi feita uma nova via de acesso ao centro, por dentro do Brasília Country Club, encurtando o trajeto em cerca de 7km. Segundo Artani, o movimento de visitantes no ano passado cresceu 34% em relação a 2018, e a meta é intensificar. “Temos oito projetos selecionados para ações culturais no Catetinho em 2020. Teremos teatros, shows, exposições, oficinas. Tudo isso já foi aprovado e vamos começar a divulgação”, adianta.




Visitação
Terça a domingo das 9h às 17h



Aviões
A Casa Velha é a antiga sede da Fazenda Gama. A residência, atualmente com mais de 150 anos, servia de apoio para o Catetinho e teve grande participação na história da construção do Palácio de Tábuas. “Foi um dos primeiros lugares visitados pelo JK e depois serviu como uma espécie de aeroporto. Ali, ainda funcionou um radioamador que controlava os pousos dos aviões. Virou um centro de comunicação na época”, afirma o arquiteto João Luiz Batelli, que trabalhou na restauração do espaço. A casa centenária fica a menos de 1km do Catetinho e hoje está aberta à visitação.



Água de beber

» Além da nova capital, o Catetinho ainda foi palco do nascimento de duas obras clássicas da MPB. Tom Jobim e Vinicius de Moraes ficaram hospedados no Palácio de Tábuas durante 10 dias, em 1960, a convite de JK, para compor a Sinfonia da Alvorada. Durante a estadia, um diálogo com trabalhadores do local rendeu ainda a icônica Água de beber.

» Conta a história popular que quem transitava pelo espaço tinha muito apreço pela bica d’água que ficava atrás do Catetinho. Certo dia, um vigia disse a Tom: “É aqui que tem água de beber, camará”, dando origem à música que diz ainda: “A minha casa vive aberta / Abri todas as portas do coração”. No livro Samba falado, Vinicius de Moraes explicou que o espaço do Catetinho fica “junto a um capão de mato onde brota um lindo olho d’água”.

» O livro revela também que a Sinfonia da Alvorada nasceu com a concepção de uma bela festa cultural. “A ideia não era nova. Cerca de dois anos e meio antes, Oscar Niemeyer me falara do assunto, e sonhamos juntos a possibilidade de criar um espetáculo ‘Som e luz’ para Brasília, à maneira dos que se fazem na França, em Versailles, Fontainebleau e outros castelos”.




Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags