Cidades

Amigos de jovem morto relatam 'arrastão' em bloco no Museu Nacional

Matheus Barbosa Magalhães, 18 anos, foi assassinado com duas facadas em bloco na área externa do Museu Nacional da República. Colegas da vítima relatam arrastão no evento. Polícia registrou ainda uma tentativa de homicídio

Correio Braziliense
postado em 10/02/2020 06:00
Matheus Barbosa, 18 anos, foi atingido por diversas facadas durante bloco do pré-carnaval no sábado (8/2)O carnaval de Brasília nem começou, mas as dificuldades na segurança pública já apareceram. Um jovem de 18 anos morreu após ser esfaqueado no bloco pré-carnavalesco Quem chupou vai chupar mais, na área externa do Museu Nacional da República. Matheus Barbosa Magalhães foi atingido por duas facadas, uma no tórax e outra na cabeça, durante um arrastão, segundo informou a Secretaria de Segurança Pública. A vítima chegou a ser transportada pelo Corpo de Bombeiros ao Hospital de Base, mas não resistiu aos ferimentos e morreu na noite de sábado.

A Polícia Civil apura ainda uma tentativa de homicídio de um homem de 20 anos. Segundo investigações, a vítima também estaria no bloco Quem chupou vai chupar mais e teria levado uma facada na altura do pescoço. O suspeito acabou sendo preso por policiais militares na Rodoviária do Plano Piloto por estar portando drogas e um canivete. Em seguida, ele foi encaminhado para a 5ª Delegacia de Polícia (Área Central) e reconhecido por uma testemunha como o autor do crime.

Os bombeiros atenderam 12 ocorrências no bloco, das quais seis foram de pessoas vítimas de arma branca. De acordo com a Polícia Militar, foram registradas cinco ocorrências por porte de arma branca e cinco, por uso e porte de drogas. A corporação apreendeu ainda tesouras, facas, canivetes, armas artesanais e mais de cinco mil garrafas de vidro durante a festa.

O Correio conversou com amigos de Matheus Barbosa que estavam com ele no bloco. O estudante Yuri de Oliveira, 18, conta que, quando chegou à festa, encontrou Matheus acompanhado de outro grupo de colegas. “Não havíamos combinado nada. Ficamos um tempo com ele e, por volta das 18h, peguei o metrô e fui embora. Quando cheguei em casa, às 21h, comecei a receber vídeos no celular de brigas que estavam tendo no bloco, mas só recebi a notícia de que ele estava morto hoje (neste domingo — 10/2) de manhã”, relatou.

Segundo Yuri, por volta das 22h, mais de 20 homens chegaram abordando a multidão, recolhendo celulares e carteiras. O estudante diz, contudo, que a vítima não estaria envolvida em nenhum dos casos. “Eles abriram uma roda com várias pessoas e virou uma muvuca. Daí, os colegas que estavam com o Matheus se perderam e cada um foi para um lado. O que soube é que a maioria dos criminosos estava com faca. Ele (Matheus) não estava com o celular, então desconfio que o tenham atingido por isso”, detalhou.

Yuri mantinha uma amizade de mais de quatro anos com Matheus. Os dois moravam na mesma rua nos Jardins Mangueiral. “Chorei muito pelo que aconteceu. Ele era uma pessoa muito alegre, animado e gostava de brincar. Era esforçado e não media esforços em trabalhar para ganhar o próprio dinheiro.”

Dedicado

Matheus Barbosa era jogador de handebol e lutador de jiu-jitsu havia mais de dois anos. Nas redes sociais, esbanjava publicações sobre competições. Tinha o sonho de se tornar lutador profissional, conforme relatou o amigo Humberto Rodrigues, 18.  “Ele sempre gostou muito de esporte e levava a modalidade a sério”, disse.

Humberto também estava com a vítima no dia do bloco. “Depois que começou a confusão, todos se dispersaram e ninguém conseguiu se encontrar depois. Fui para casa e só recebi a notícia hoje (neste domingo — 10/2) pela manhã.” Humberto tem um canal no YouTube e, momentos antes de o grupo se dispersar, gravou um vídeo para publicar na rede social. Na filmagem, dois jovens aparecem dançando e Matheus encontra-se ao lado dos amigos esbanjando alegria. “Ele sempre fazia a gente sorrir, contava histórias engraçadas e não tinha tempo para tristeza”, contou Humberto.

Matheus morava com a mãe, a avó e o irmão de 12 anos. Ele trabalhava como barbeiro havia pouco mais de dois meses em um salão da Asa Norte e, nos horários vagos, prestava os atendimentos na própria casa, nos Jardins Mangueiral. “A família está abalada. A avó está sob efeito de remédios e a mãe não consegue nem falar. Ninguém está acreditando no que aconteceu”, destacou Humberto.

Tio da vítima, Antônio Carlos Magalhães, 55, foi quem reconheceu o corpo. Ao Correio, ele relatou que Matheus havia contactado a família antes de sair do local de trabalho, na Asa Norte. “Ele nos avisou que iria trabalhar até o fim da tarde e, depois, iria ao bloquinho. Por volta das 23h30, recebi a ligação de um agente da 5ª DP, comunicando que meu sobrinho tinha sido esfaqueado e encaminhado ao Hospital de Base. Ao chegar na unidade, me deparei com um cenário de guerra. Havia vários pais preocupados com os filhos, que também foram machucadas durante o arrastão”, afirmou.

Para Antônio, Matheus deixará a lembrança de um jovem esforçado e guerreiro. “Toda a família mora em um condomínio aqui nos Jardins Mangueiral. Eu fiquei responsável praticamente por toda a parte de criação dele. Ele passava o dia trabalhando e estava feliz por ganhar o próprio dinheiro. Até tinha planos de comprar uma casa. À noite, fazia a Educação de Jovens e Adultos (EJA), iria completar o ensino médio e estava no melhor momento da vida”, lamentou.

O velório de Matheus Barbosa será nesta segunda-feira (10/2), das 12h às 16h, na Capela 9, no Cemitério Campo da Esperança. O sepultamento está marcado para as 16h30.

Segurança

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, no sábado, foram empregados 350 policiais para atuar na segurança do bloco Quem chupou vai chupar mais, além dos seguranças particulares contratados pela organização do evento. A festa atraiu, conforme os organizadores, mais de 90 mil foliões e estava prevista para encerrar às 22h, mas encerrou às 21h, devido às confusões. A PMDF informou ainda que o levantamento geral das ocorrências relativas aos blocos de pré-carnaval do fim de semana só será divulgado nesta segunda-feira (10/2).

Em nota oficial, a organização do bloco esclareceu que contratou 240 seguranças privados, 60 brigadistas, seis UTI’s móveis e dois postos médicos. “Toda a área do evento foi cercada para que ocorresse revista de todos os foliões que adentrassem o local. Mesmo assim, tivemos algumas ocorrências. Ao saber da morte do folião, a equipe de produção se deslocou para o Hospital de Base. A qualquer sinal de confusão, o som do trio era cessado e a segurança, acionada. Todos os envolvidos com o bloco estão profundamente tristes com o ocorrido e mantêm o compromisso da diversão com segurança e responsabilidade para os LGBTQI%2b e simpatizantes.”

A vítima

Matheus Barbosa Magalhães

18 anos

Morador dos Jardins Mangueiral

Trabalhava como barbeiro

À noite, cursava o ensino médio na EJA

Trens depredados

Após as festas pré-carnavalescas, oito trens do Metrô foram depredados na noite de sábado, segundo informou a Companhia Metropolitana do Distrito Federal (Metrô-DF). O saldo do vandalismo foi: vidros de uma janela e de uma porta trincados; sete luminárias quebradas; pichação em dois trens; um extintor de incêndio furtado; e quatro borrachas da janela de emergência arrancadas. Em nota oficial, o Metrô informou que "vai solicitar maior apoio da Polícia Militar do DF nas plataformas e trens durante todo o período do Carnaval".

Memória

Agressões  recorrentes
 
pessoas brigando

Os casos de violência durante o carnaval são recorrentes em Brasília. No ano passado, ao menos doze pessoas foram esfaqueadas. Em 3 de março, os blocos Raparigueiros e Baratona se uniram no Eixo Monumental, aumentando a quantidade de público. Nesse dia, a Polícia Militar registrou 12 ocorrências de agressões de perfuração, incluindo policiais que trabalhavam para conter as brigas nos blocos. No dia seguinte, mais dois jovens, um de 17 anos e outro de 16, foram esfaqueados no bloco Encosta que cresce, no Estádio Mané Garrincha.

Em 5 de março, um jovem de 18 anos foi baleado no rosto por um vigilante da estação do BRT de Santa Maria. O rapaz voltava do bloco Pega ninguém, no Setor Comercial Sul, com um grupo de amigos. Ao descerem do ônibus, houve um tumulto e algumas pessoas quebraram o vidro da janela de emergência com um martelo. O segurança se assustou e disparou com um revólver calibre 38, usado para o trabalho, atingindo o rosto da vítima.

Além das agressões, o carnaval de 2019 registrou diversos casos de depredações em veículos do transporte público. Mais de 30 ônibus das empresas Pioneira, Piracicabana, Marechal e Urbi foram quebrados. Em um dos casos, o motorista do ônibus que fazia o trajeto Rodoviária do Plano Piloto até o Recanto das Emas precisou parar o veículo após ouvir um grito de socorro de um passageiro. No metrô, 12 trens foram depredados.

Em 2018, foram 58 ônibus vandalizados durante o carnaval. No bloco Raparigueiros, um homem foi atendido com ferimento por faca pelo Corpo de Bombeiros. Em 2017, o repórter fotográfico do Correio Minervino Júnior flagrou o momento exato em que um homem desferiu facadas durante os desfiles dos Raparigueiros e da Baratona. As fotos divulgadas pelo jornal ajudaram a Polícia Militar a identificar o autor.

Ocorrências

Casos registrados pelo Corpo de Bombeiros, no sábado, no bloco Quem chupou vai chupar mais

6: feridos por arma branca

2: agredidos e com cortes na cabeça

2: apresentando lesões corporais (luxações)

1: com sinais de embriaguez alcoólica

1: com corte na região do rosto

Palavra de especialista  

Blocos precisam reforçar segurança 
 
Por Leonardo Sant'Anna, especialista em segurança pública e privada, da Total Florida International 
 
Esse fenômeno de criminalidade nos blocos carnavalesco não é novo. As pessoas vão para essas festas para se divertir e levam o celular, seja para pedir uma ajuda, se comunicar e até solicitar um motorista de aplicativo. Contudo, não tivemos uma mudança de comportamento de quem organiza esses blocos. Em outros estados, como na Bahia, os responsáveis contratam cordeiros, aqueles homens que seguram uma corda e são responsáveis pela segurança do evento de alguma forma. Mas o que temos visto são os organizadores jogando a responsabilidade apenas para o Estado. Não adianta promover um atrativo de qualidade e não colaborar com outros itens que são primordiais, como a segurança dos foliões.

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