Cidades

Em busca de acolhimento

No Distrito Federal, refugiados tentam estabilidade ao deixar os países de origem por vários motivos, como perseguição política, pobreza ou guerra. Aqui, instituições oferecem programas de amparo e auxílio para a adaptação

Correio Braziliense
postado em 12/02/2020 04:28
Lieska e Joana: dificuldades parecidas no país natal as obrigaram a fugir

Dormir no chão, pedir esmola e viver dias de sofrimento sem um teto sobre as cabeças. Essa é a realidade de milhares de migrantes que buscam refúgio no Brasil e chegam sem conhecer nada nem ninguém. Dados do último levantamento feito pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram que, em 2019, até novembro, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), recebeu 82,9 mil solicitações de refúgio no Brasil. Ao todo, 870 foram analisadas e, dessas, 160 estão deferidas, sendo 31 para o Distrito Federal.

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur-Onu), o Brasil tem cerca de 48 mil pessoas reconhecidas como refugiadas pelo Estado brasileiro. A maioria, 37 mil, é de venezuelanos — 749 no DF. O fluxo, é o maior êxodo da história recente da América Latina.

Para quem chega, é preciso lidar com a barreira do idioma, preconceitos e choques culturais. Não foi fácil para Joana Rios, 27 anos. Em 2018, ela e o marido deixaram para trás a Venezuela, família, amigos e um filho de apenas 1 ano. “Passávamos muita fome, se ficássemos lá, seria pior”, recorda. Primeiro, o casal foi para Boa Vista, onde ficaram cinco meses dormindo nas ruas e precisando tomar banho em um rio que passava pela capital de Roraima.

Com a ajuda da Cáritas Brasileira, instituição ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), conseguiram passagem e hospedagem em uma casa de São Sebastião. Em Brasília, Joana tem trabalhado esporadicamente como babá e faxineira, e o esposo é repositor de mercadorias em um mercado. A maior parte do dinheiro que conseguem vai para a família, no país de origem. “Sonho em trazer meu filho para morar comigo. Não o vejo há quase dois anos. Quero conseguir um emprego fixo e seguir adiante com a minha vida.”

Joana passou três meses em uma residência alugada pela Cáritas, com outras quatro famílias. A iniciativa, batizada de “casas de passagem” é uma forma de oferecer o apoio necessário a essas pessoas durante o período de adaptação. Wagner Cesário, assessor nacional para área de migração e refúgio da instituição explica que 10 casas são alugadas por ano. Em cada quarto, eles alocam uma família. No ano passado, 180 migrantes receberam a ajuda no DF.

Além disso, a Cáritas criou a Casa de Direitos, um espaço onde os refugiados recebem orientação jurídica e trabalhista, apoio psicológico e encaminhamento para equipamentos públicos, como hospitais e escolas. “A gente achava que não existia tanta diversidade, mas, à medida que começamos o trabalho, foram surgindo pessoas em busca das atividades na Casa de Direitos”, destaca Wagner.

A venezuelana Lieska Márquez, 40, conheceu Joana na casa de passagem. No país vizinho, ela trabalhava como pedagoga, mas, diante das dificuldades que vivia, ao lado do marido e dos dois filhos, embarcaram rumo a Roraima. “Lá, nós fazíamos barracos de sacolas e papelão. Não havia uma noite em que eu não chorasse. Via meu filho deitado no chão e pensava ‘meu Deus, quando esse sofrimento vai acabar?’ Foi duro”, lamenta.

Em Brasília, ela trabalha como diarista, e o marido é pedreiro. O filho mais velho precisou deixar os estudos em tecnologia de petróleo, para trabalhar e ajudar a família a se sustentar. “Minha sogra tem câncer, meu marido trabalha para mandar dinheiro para ela. Eu cubro o aluguel e também envio o que posso para que eles tenham o que comer. Eu gosto muito daqui. As pessoas nos ajudam e nos recebem de braços abertos.”



O idioma

Para encontrar emprego, um dos maiores obstáculos enfrentados pelos recém-chegados é a língua portuguesa. Para ajudar, universidades desenvolvem projetos de ensino do idioma, com a ajuda de voluntários. O Centro Universitário Iesb criou, em 2017, o Observatório de Direitos Humanos, em que alunos do curso de relações internacionais e voluntários interessados dão aulas gratuitas de português.

A idealizadora, professora Francisca Gallardo, destaca que, até hoje, 170 pessoas, de nove países, foram beneficiadas. As aulas são oferecidas em três unidades diferentes. “Escuto muitas histórias (dos alunos). Eu sou chilena e me sinto identificada com eles”, afirma. O venezuelano Andrés Ferrer, 22, é um dos estudantes. Com a filha Freydimar Ferrer, 1, no colo, ele escuta atento às orientações da professora. “Eu não sabia nada de português, mas, agora, entendo bem melhor. Quero construir a minha vida aqui.”

Um dos professores voluntários, Luiz Cláudio da Silva, 55, explica que se impressiona com a força de vontade dos migrantes e refugiados. “Tenho um aluno de Gana que trabalha com coleta de lixo. Ele sai do trabalho e vai direto para a aula. Não perde um dia. É de um comprometimento sem igual”, elogia. “É maravilhoso poder ajudar um pouco. Vejo aqui uma chance que eu gostaria de ter se fosse eu em outro país.”

A Universidade de Brasília (UnB) tem também o ProAcolher, que ensina português, além de oficinas de cultura, legislação e orientações sobre a prova de proficiência na língua. Idealizado pela professora Lúcia Barbosa, em 2013, ajudou cerca de 2 mil imigrantes e refugiados de 23 países diferentes. “O curso acaba sendo voltado mais para a inserção laboral, que eles necessitam. Chamo isso de agir no mundo e, para isso, precisam da língua-cultura” explica Lúcia.

Ao todo, são três semestres de estudos, cada um com 60 horas de aula. Quem completa ao menos dois, pode levar o certificado na Polícia Federal e conseguir a naturalização brasileira. Ao menos 200 voluntários participaram do ProAcolher. “Sempre me emociona vê-los colocados na vida. Quando vou a um lugar e encontro algum ex-aluno do projeto, eles já se apresentam, lembram-se das aulas e agradecem. É impressionante.”
 
 
 
Amparo

Em Brasília, o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) também acolhe esse público. Segundo a diretora, a irmã Rosita Milesi, são oferecidas bolsas de subsistência em casos de vulnerabilidade, doações de alimentos, e encaminhamento para programas sociais e serviços públicos. Além disso, o instituto auxilia na obtenção de documentos e trabalha na capacitação de jovens e busca por vagas de emprego.

Em 20 anos, o IMDH atendeu a mais de 20 mil pessoas, de 120 países. Irmã Rosita explica que, na chegada, as dificuldades são ilimitadas. “As pessoas necessitam de tudo e do que é mais básico e essencial para se alimentar, estabelecer e recomeçar a organização de sua vida.” Ela garante, no entanto, que os maiores obstáculos, após o primeiro momento, é a obtenção de emprego e moradia. “Os migrantes e refugiados chegam com histórias de sofrimento e perdas, mas carregados também de esperança e de boa vontade para uma presença positiva e construtiva no país que os acolhe.”

"Os migrantes e refugiados chegam com histórias de sofrimento e perdas, mas carregados também de esperança”
Irmã Rosita, do IMDH

82,9 mil
Número de pedidos de refúgio no Brasil em 2019 (até novembro)

31
Pedidos foram concedidos para o DF em 2019 (até novembro)

48 mil
Número de refugiados no Brasil



Serviço

Casa de Direitos — Cáritas
Local: Conic, edifício Venâncio 2 — salas 101 a 104
Horário de funcionamento: de segunda a quinta-feira, de 9h30 às 12h e de 13h30 às 16h30.

Observatório de Direitos Humanos
Núcleo Bandeirante
Local: CEM Urso Branco
Horários: sábados, de 15h às 17h

Riacho Fundo 1
Local: CED 02
Horários: sábados, de 16h às 18h

Paranoá
Local: Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá (CEDEP)
Horário: sábados, de 16h às 18h

ProAcolher
Local: Universidade de Brasília - Campus Darcy Ribeiro (Asa Norte)
Horário: segundas, quartas e quintas-feiras, de 19h às 21h
e-mail: proacolher.unb@gmail.com



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