Correio Braziliense
postado em 13/02/2020 04:07
Esta absurda tentativa de censurar 43 livros de grandes escritores nacionais e internacionais, em mais uma manifestação do nazismo jeca que assola o país, reacendeu a lembrança de um projeto que acalentei logo depois de me formar em jornalismo, aos 22 anos.
Apesar de ler a Bíblia desde a infância, pois meu pai era pastor presbiteriano, sentia muitas lacunas na formação. Então, decidi fazer o que chamei de mapeamento da minha ignorância. Em que consistia isso? Elaborei uma lista com 100 livros que precisaria ler no período de dois anos.
Além da Bíblia, meu pai lia literatura brasileira e universal, revistas científicas e livros de ciências sociais. Amava tanto a leitura que chegava a bradar: “Eu tenho raiva de quem não lê”. Mas, logo lembrava-se que era pastor presbiteriano, havia transgredido as leis cristãs, e retificava a frase: “Ou melhor, tenho compaixão de quem não lê”.
Quer dizer, não posso reclamar da falta de estímulo. Mesmo assim, na adolescência, a gente é muito perdido, se dispersa e consome o tempo com coisas irrelevantes. Como diz o poema de Rimbaud: “Ninguém é sério aos dezessete anos”.
Bem, voltemos ao mapeamento da minha ignorância. Fiz um levantamento rigoroso de quais obras relevantes precisava ler nas áreas da ficção, da crítica cultural, da história, da sociologia, da antropologia, da ciência, da filosofia e do direito.
Elaborei a lista e fixei a lista na parede com o título que tinha me motivado à ação: mapeamento da minha ignorância. Em seguida, passei a fazer uma varredura por livrarias e sebos em busca das obras selecionadas e a encarar os livros.
Foi muito bom ler porque fiz muitas descobertas por conta própria. Sempre ouvia falar que Gilberto Freyre era o ideólogo da democracia racial brasileira. Mas, fiquei esperando, o livro terminou e constatei que ele não usa tal expressão nenhuma vez, sequer nas notas de rodapé. Era pura ficção sociológica.
Li a lista dos livros em pouco mais de dois anos. Suponho que aprendi algo. Mas, para minha surpresa, não senti que tivesse sanado a minha insciência. Pelo contrário: vi que precisava saber muito mais. Moral da história: o saber aumenta a consciência sobre a nossa ignorância e nos recomenda calçar as sandálias da humildade.
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