Correio Braziliense
postado em 16/02/2020 04:06
Sem imaginar, da aposta entre um presidente Bossa-Nova e um poderoso dono de um conglomerado de jornais e rádios de um Brasil do fim dos anos 1950, começava a ser escrita a história de um homem completamente anônimo, sem faixa, sem poder, sem nada. A aposta era esta: se Juscelino Kubitschek transferisse a capital do país para o Planalto Central, Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, inauguraria um jornal e uma TV nesse novo lugar. Um lugar que, em meados dos anos 1950, não passava de uma miragem.
Lá em Belo Horizonte, um mineirinho de Conceição do Mato Dentro, partiu para Brasília. Ele e mais outros poucos operários. Recém-casado, contava 25 anos, e deixou o trabalho na extinta TV Itacolomi (do grupo dos Diários Associados) para chegar à futura capital. A mulher ficou em Belo Horizonte. Ele partiu. Era 29 de dezembro de 1959, três dias antes do ano que seria o marco para mudança do próprio país. Zé João, como passou a ser chamado, tinha uma missão: ajudar a construir a sede de um novo jornal. E lá veio ele, pelejando quatro dias, na boleia de um caminhão, entre a capital mineira e o meio do nada. Era preciso desbravar a mata para que os jipes e caminhões passassem.
Era preciso coragem para começar do nada. Além das seriemas, das onças, dos veados e do cerrado sem-fim, só havia sonho. José João, o candango desconhecido, veio. Ele sabia que só teria emprego aqui por 100 dias. Sem imaginar, ele começava a escrever a melhor história da sua vida. A que justificou toda a sua trajetória. A que o faz chorar, como menino, quando começa contar. E, ainda sem imaginar, José João nem adivinharia que ia ficar para sempre por aqui.
Na tarde chuvosa da última terça-feira, o Correio Braziliense foi à casa de José João, no Riacho Fundo. Logo na entrada da casa de dois pavimentos, ainda na garagem, numa prateleira de madeira, as imagens de três Nossas Senhoras. O principal operário da obra veio até o portão. Passos lentos, mas ainda firmes, aos 85 anos, José João é o contador da saga dessa obra. Na verdade, mais do que uma obra. Uma odisseia de 100 dias, quando tudo era improvável.
E pequenos feitos, no começo, eram comemorados como provas de resistência. Como tomar café, junto aos outros operários, companheiros de luta e de suor, quando a primeira parede ficou pronta. A primeira parede que as chuvas daquele rigoroso janeiro de 1960 deixaram ficar em pé. “A gente construía, vinha a chuva e derrubava tudo. A primeira parede em pé foi motivo de muita alegria.”
Um caminhão trazia o material de Belo Horizonte —- todo o maquinário —- pela estrada inacabada. Cimento, tijolos, fiação e massa eram comprados na Cidade Livre, Núcleo Bandeirante. E assim, dia após dia, a obra tomava forma. “Faltava tudo. Até água, para beber e para a construção. Todos os operários moravam em alojamentos dentro da obra. A gente pegava água numa fonte perto daqui e trazia num caminhão. Foi uma luta, meu filho. Mas o doutor Edilson Cid Varela, o doutor Ari Cunha, o engenheiro Antônio Honório e o Jairo Valadares, o gerente da construção, estavam sempre atentos.”
Água de beber
Ari Cunha, na sua Coluna Visto, Lido e Ouvido, em 21 de abril de 1976, escreveu: “Desde o primeiro tijolo, aqui estivera o José João, até hoje nosso companheiro. Era ele que acompanhava tudo da obra”. Na sua casa no Riacho Fundo, o principal operário desse assombro de construir um jornal no meio do nada relembrou aqueles dias: ”Eu descobri uma fonte de água potável bem perto do jornal, coloquei um cano e a gente puxava água. Era a água que matava a nossa sede, quando tudo faltava”.
Construir um jornal exige gente. Era preciso operários para que a obra ficasse pronta até o dia da inauguração da nova capital. “As necessidades de urgência praticamente nos fizeram dobrar, a cada mês, o número de operários. Em fins de janeiro tínhamos 100 candangos; em meados de fevereiro, 200 e em março, mais de 300. Até 21 de abril chegamos a contar com mais de 500 candangos, vivendo na obra e trabalhando de 16 a 18 horas por dia. Os suprimentos acompanharam o ritmo da construção: 4 milhões (de cruzeiros novos) em março; 9 milhões, em abril, e, finalmente, 2,6 bilhões, em maio, para saldar os compromissos finais”, revelou o jornalista Edilson Cid Varela, numa entrevista ao Correio Braziliense, cujo título foi O nascimento de um jornal predestinado, em 21 de abril de 1976, quando a cidade completava 16 anos.
Indiferente a cifras, valores, empréstimos, José João, o mestre de obras, comandava os seus operários com olhos de lince. Era o seu ofício. “Além da obra, eu tomava conta dos acampamentos. Era muito novo, mas tinha muita responsabilidade. Era preciso ter.”
José João contou a aventura de construir a sede do principal jornal da nova capital como se contasse capítulos da própria vida. “Minha história se mistura com a história do Correio.” E pediu desculpas por não esconder as lágrimas. “Você me desculpa, meu filho, mas é porque tudo de bom na minha vida eu vivi ali. É a história de toda a minha permanência em Brasília. É a minha casa. Eu vim emprestado do grupo dos Diários Associados, em Minas Gerais, para ajudar na construção do jornal e da TV. Depois dos três meses, eu teria que voltar. Nunca mais voltei.”
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