Correio Braziliense
postado em 18/02/2020 06:00
Trança para lá, corte para cá. As mãos rápidas de Adama Djalo, 29 anos, não podem parar. O trabalho da cabeleireira de Guiné-Bissau atrai clientes de vários lugares. Há sete anos, ela e o esposo camaronês comandam o salão afro Ouro Negro, em Taguatinga. Eles empregam quatro funcionários e ajudam a movimentar a economia do Distrito Federal. Adama veio para o Brasil com a intenção de estudar economia na Universidade de Brasília (UnB). Contudo, logo engravidou e precisou mudar os planos. “Trabalhei em vários salões, depois atendia na sala de casa”, lembra. Sem ter com quem deixar o filho pequeno, ela e o marido resolveram abrir o próprio negócio.
Não demorou para o empreendimento cair no gosto do público. No salão, ela faz tranças, rastafári, apliques, escovas, corte e luzes. “Os brasileiros são muito acolhedores. Não tenho do que reclamar. Tenho muitas clientes fiéis que só querem fazer o cabelo comigo”, comemora. Boa parte chega por indicação. É o caso da assessora Ana Kelly Leão, 30 anos, que aproveitou o tempo livre para colocar tranças. “Sou do Ceará e vim passar uns dias em Brasília. Estava em uma roda de samba e uma menina com o cabelo lindo disse que tinha feito com a Adama, então eu vim também”, afirma.
Assim como a guineense, imigrantes e refugiados de diversos países chegam a Brasília e empreendem. Pesquisa feita pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur/ONU) em 2018 entrevistou 500 pessoas nessas condições no país, e 79,3% delas afirmaram que têm disposição para a área. Dessas, 22% já estão em atividades empresariais.
O oficial de Informações Públicas do Acnur no Brasil, Luiz Fernando Godinho, explica que quem chega traz, além da bagagem cultural, as atividades de trabalho do país de origem, que permitem a geração de renda aqui. “Todos os indicadores que a gente tem é de que essa é uma população com alta capacidade de empreendimento, conhecimento e vontade de contribuir com a economia”, pontua.
Vontade não falta para o bengalês Imam Hossain, 30 anos. Ele chegou ao Brasil há cerca de quatro anos e, apesar de ainda falar pouco português, trabalha de segunda a segunda no verdurão da família, em Taguatinga. “No meu país tinha muito problema, foi melhor vir para cá. Não tenho vontade de voltar, pelo menos não agora”, ressalta. Ele e os quatro irmãos revezam-se no atendimento aos consumidores. “O idioma eu vou aprendendo falando. As pessoas chegam aqui, falam de cursos de português, e eu gosto da ideia. Quero fazer.”
Experiência
Em janeiro de 2018, o venezuelano Filermo Trovar, 42 anos, chegava ao Brasil como refugiado. Há um ano e seis meses, ele, a esposa e dois filhos mudavam-se para Brasília. Formado em engenharia mecânica e com experiência na área, ele começou a trabalhar em empresas de instalação de portões elétricos. Contudo, o dinheiro era pouco e, então, em outubro, decidiu ser independente e fundou a Upata, oferecendo serviços desde a instalação de câmeras de segurança até a manutenção de aparelhos de ar-condicionado.
O histórico profissional ajudou a conduzir os negócios. “Na Venezuela, empreendi em dois negócios: um lava a jato e uma empresa de instalação de serviços de segurança. Esses conhecimentos me serviram para o que estou fazendo aqui”, destaca. Ele se cadastrou como microempreendedor individual e deu início aos trabalhos. Aos poucos, tem conquistado clientes. “Fui surpreendido com a amabilidade do povo brasileiro. Ninguém me olhou mal, nem à minha família. Aqui as pessoas são muito respeitosas e há uma aceitação muito grande. Estou grato a Deus e às pessoas por essa oportunidade”.
Renata Malheiros, especialista em cultura empreendedora do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), explica que idioma e barreiras culturais são os maiores obstáculos que essas pessoas enfrentam para trabalhar. “Muitas vezes, elas vêm de uma situação de precariedade nos países de origem, mas são muito qualificadas. Então, trazem para cá inovações, diferentes formas de fazer e ver as coisas. É um benefício para o Brasil”, argumenta.
Ela acrescenta que o setor de alimentos e bebidas é o mais procurado pelos migrantes, e orienta que, além de buscar cursos de formação, essas pessoas procurem parcerias com brasileiros. “Muitas vezes, a gente vê preconceito, porque as pessoas acham que eles vão roubar trabalho, mas, na verdade, aí está a possibilidade de prosperar ainda mais. E, para o empreendedorismo, sem dúvida é algo promissor.”
Dicas para empreender
O Sebrae sugere dicas comportamentais para quem quer comandar o próprio negócio» Buscar oportunidades e ter iniciativa: parta das preferências dos clientes, e não das próprias opiniões para construir negócios;
» Planejamento e monitoramento sistemático: colocar os objetivos por escrito aumenta em 60% as chances de sucesso;
» Buscar informações: tenha disposição de agir pessoalmente, vontade de aprender, e busque fontes de informação profundas e completas;
» Estabelecer metas: aí está todo o comprometimento com resultados dentro de prazos estipulados;
» Correr riscos calculados: avalie as informações disponíveis e aja de forma a controlar o risco, tanto para aumentá-lo, como para minimizá-lo;
» Exigência de qualidade e eficiência: busque aperfeiçoamento, acompanhe de perto e interfira pessoalmente nas atividades que fazem com que seu produto seja desenvolvido e entregue ao consumidor;
» Persistência e comprometimento: padrão de conduta que surge a partir de metas e objetivos motivadores, definidos com clareza;
» Persuasão e rede de contatos:
as relações são parte do dia a dia dos empreendedores de sucesso, tanto em compras e vendas,
como em negociações;
» Independência e autoconfiança: busca por autonomia; poder decidir de acordo com as
próprias convicções.
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