Correio Braziliense
postado em 20/02/2020 04:08
O que mais estarrece no episódio da fala revoltante do presidente da República sobre a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, com insinuações sexuais, ao questionar suas apurações sobre o disparo em massa de mensagens, durante a campanha eleitoral, é a normalização de aberrações.
Façamos a transcrição literal do que ele disse: “Olha, a jornalista da Folha, tem mais um vídeo dela aí. Eu não vou falar aqui porque tem senhora do meu lado. Ela falando eu sou ‘tatata’ do PT. Tá certo? E o depoimento do Hans River foi no final de 2018 para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele. Ela queria um furo. Ela queria dar um furo a qualquer preço contra mim”.
Eu ouço jornalistas comentarem: “É o jeito do presidente, aos poucos, a gente vai se acostumando e se adaptando”. Mas, com isso, se legitima a falta de decoro. Não se trata de questão partidária, mas da dignidade profissional e humana. Um presidente tem todos os holofotes sobre a sua figura. Tudo o que fala ou faz repercute para o bem e para o mal. Em toda a história do país, nunca se viu fala tão grosseira de um presidente. Não agrediu apenas a uma jornalista, mas ao jornalismo, às mulheres e aos brasileiros.
Que país será possível construir com esses valores? Quando foi eleito, o presidente prestou juramento de defender a Constituição. Não foi eleito para fazer o que lhe desse na veneta, mas, sim, para cumprir um mandato. O presidente está cruzando, perigosamente, a fronteira da dignidade. Rebaixa-se e, ao rebaixar-se, degrada o cargo que ocupa. Em 130 anos de República, nenhum presidente agiu conta tanta falta de compostura.
A credibilidade é algo que se conquista ao longo de muitos anos a fio. Hans River é um deflagrador de fake news; Patrícia Campos Mello, uma jornalista competente. Hans acusou e não provou. Em quem acreditar? Chama a atenção, também, que uma declaração falaciosa e ofensiva seja alvo de riso da claque do presidente. A maneira como rimos é bastante reveladora de nossos valores, de nossa visão e de nosso caráter. Não há nada para rir em uma situação vexaminosa como essa.
Os presidentes do Senado e da Câmara desconversam: um diz que isso é página virada; o outro afirma que falou sobre o problema. Falam em nome de algo maior, as reformas que criarão milhões de empregos, segundo eles. E que se dane a democracia, a imprensa e o respeito à dignidade humana.
Isso só acontece porque as instituições que deveriam zelar pela democracia se omitem clamorosamente. Como diz o padre Vieira, a omissão é o pecado que se faz não se fazendo. Mas, de omissão em omissão, de jeitinho em jeitinho, o país se deteriora a cada dia. Qual será o limite?
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