Cidades

Crônica da Cidade

Correio Braziliense
postado em 21/02/2020 04:17
Moral com a macacada

Estava na varanda de minha casa procurando um tema para a crônica, quando ouvi um barulho vindo do alto das árvores e, em um átimo, o assunto apareceu de olhos arregalados, pulando de galho em galho, em acrobacias e micagens. Era um grupo de macacos-pregos que ainda sobrevivem nos arredores de Brasília.

Moro em um condomínio horizontal, que faz fronteira com uma mata de galeria, de árvores frondosas e copas altas. É um instante muito mágico o da chegada dos macacos. Você ouve um barulho de mato se mexendo, só que é um alvoroço aéreo, revelado abruptamente aos olhos. Eles fazem acrobacias de deixar os ginastas do Circu du Soleil no chinelo. Já vi um macaquinho desfilar tranquilamente ao longo de uma cerca de arame farpado como se estivesse no topo das árvores.

Eles têm toda uma estratégia militar de abordagem. Primeiro, o chefe se aproxima desconfiado e sonda o território, alertando sobre os perigos e instruindo a tropa. Gostam muito de frutas e vêm para chupar mangas, goiabas e pitangas.

O Cerrado possui algo de deserto e abriga toda uma legião de animais subterrâneos e aéreos que parecem surgir misteriosamente do nada. Mesmo no Plano Piloto, com o adensamento da população, o barulho dos carros e o frenesi das luzes, eles dão o ar de sua graça.

E, um pouco mais longe do Plano, apesar do crescimento caótico da cidade, algumas áreas permanecem preservadas quase que milagrosamente. Por isso, nas cercanias da capital do país, é possível flagrar os macacos-pregos em plena luz do dia. Os seus integrantes só pegam o que precisam para se alimentar, no entanto, algumas vezes derrubam frutas verdes.

Durante as férias, resolvi botar ordem no terreiro e passei a controlar as suas incursões e jogar as mangas que eles derrubavam, no intuito de evitar que desperdiçassem frutos. Eles são simpáticos, mas muito bagunceiros.

Todavia, quando eu já estava botando moral na macacada, me deparei com uma cena insólita. Ouvi um rumor nas árvores e, no instante em que me preparava (com uma manga na mão) para enxotar o intruso, vi desenhar-se diante dos meus olhos uma imagem que me paralisou a ação saneadora. Era uma macaca de duas cabeças. Seria mesmo verdade o que os meus olhos viam? Não, uma mãe carregava o filho no pescoço, em um enlace tão perfeito para se equilibrar nos galhos que parecia que os dois bichos eram um.

Aquela imagem da mãe à procura de comida para o filhote minou-me a resistência e liquidou com a minha moral perante a macacada. Agora, os macacos estão fazendo a festa nas mangueiras. Como diz aquele insigne filósofo: mãe é mãe.




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