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Crônica da Cidade

Correio Braziliense
postado em 22/02/2020 04:07
Dores expostas

O ato de dor e desespero de uma mãe australiana foi uma das matérias mais lidas ontem no site do Correio. Sem saber o que mais poderia fazer para aliviar o sofrimento do filho de 9 anos, que por causa do nanismo, um distúrbio do crescimento, sofre bullying diariamente na escola, Yarraka Bayles decidiu filmá-lo aos prantos. No vídeo, que ganhou as redes sociais, o pequeno Quaden chora e, furioso, faz um pedido espantoso de se ouvir de uma criança: “Me dê uma faca, eu vou me matar”. Adiante, suplica: “Eu quero que alguém me mate”.

 Apontando o celular para o filho, Yarraka explica por que decidiu filmá-lo em um momento tão doloroso. “Eu quero que as pessoas, pais, educadores saibam que é isso que o bullying provoca. Por favor, eduquem seus filhos, sua família, seus amigos. E vocês se perguntam por que as crianças estão se matando”, diz. “Esse é o impacto que o bullying tem sobre um garoto de 9 anos que só quer ir para a escola, aprender e se divertir. Mas todo dia algo acontece. Mais um episódio, mais um bullying, mais um xingamento”, prossegue.

 Em determinado momento, Quaden mira o celular, encarando a mãe, e a acusa de não fazer nada para resolver sua situação. Nesse instante, Yarraka não se contém e chora com o filho. “Eu quero que as pessoas saibam o quanto isso está machucando a minha família”, consegue dizer, com a voz embargada.

 Na hora em que Quaden mira o celular, sem saber, volta seu olhar de ódio para todo o mundo. Um mundo construído de forma a tornar sua vida um inferno e deixar sua mãe impotente diante de tanta injustiça, preconceito e perseguição. O gesto do menininho apenas reforça o pedido da mãe. O de que todos se sintam responsáveis pelo bem-estar daqueles taxados de diferentes e que, por isso, são perseguidos e humilhados.

O gesto de Yarraka me lembra o de outra mãe, esta geograficamente mais próxima de nós. Também impotente diante do sofrimento do filho Vitor, diagnosticado com síndrome de Dandy Walker e malformação de Chiary, a servidora pública Luciana Bezerra compareceu a uma audiência no Senado, em agosto de 2014, munida de um vídeo.

Durante audiência na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, Luciana exibiu a cena de uma das convulsões que o filho, então com 21 anos, sofria frequentemente. Ao notar que alguns parlamentares tinham dificuldade de assistir à filmagem, ela disse: “Olhem, não desviem o olhar. Vocês estão assistindo a 15 segundos de algo que durou 38 segundos”.

Luciana sabia que um remédio podia melhorar a vida do filho, mas é extraído da maconha, e o canabidiol era proibido no Brasil. A servidora tinha conseguido importar o remédio e tratava o filho havia 16 dias, percebendo a redução considerável das crises. Passados menos de cinco anos, o canabidiol está legalizado no Brasil. Expor a dor do filho foi a forma que Luciana encontrou para ajudá-lo. Como Yarraka. Que o vídeo do choro de Quaden seja sua salvação.



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