Cidades

Faça como eles... Não faça como eles

Correio Braziliense
postado em 25/02/2020 06:00

Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 23 de janeiro de 1998 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram

A capa do Correio de 23 de janeiro de 1998No primeiro dia de vigência do Código de Trânsito Brasileiro, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi o mais ilustre infrator das regras que o Congresso aprovou e ele mesmo sancionou há quatro meses. Às 9h45 de ontem, ao chegar ao Palácio do Planalto, o carro que levava o presidente entrou na contramão.

A irregularidade, considerada gravíssima, é punida com multa de R$ 172,99. Mas Fernando Henrique Cardoso não foi a única autoridade a dar mau exemplo. Acompanhado pela deputada federal Marta Suplicy (PT-SP), o governador Cristóvam Buarque atravessou a rua próxima ao Palácio do Buriti fora da faixa de pedestres — infração punida com multa de R$ 24,00. 

 

Cheques no valor de 24 reais, assinados pelo então governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque, para pagamento de multa por atravessar avenida fora da faixa de pedestre (foto acima)No Congresso, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Antonio Carlos Guimarães (PFL-BA) e Michel Temer (PMDB-SP), chegaram em seus carros oficiais sem o cinto de segurança. Uma irregularidade de R$ 76,88. Por todo o país, o Código de Trânsito provocou muita confusão, discussões e irritação em pedestres e motoristas que começaram a ser penalizados pelas novas regras. Em Brasília, um motorista bêbado foi preso por provocar um acidente. A partir de hoje, 200 policiais se revezarão em turnos de seis horas para fazer valer as novas regras. 

 

Novo código para o mesmo trânsito

Empresário foge depois de bater em dois carros. Falta de cinto de segurança e estacionamento indevido foram infrações

 

Os motoristas abusaram da sorte no primeiro dia de validade do novo Código de Trânsito Brasileiro. O que se viu nas ruas de Brasília foi um verdadeiros festival de irregularidades. Motoristas sem o cinto de segurança, fazendo ultrapassagens perigosas, acelerando fundo, veículos em péssimo estado de conservação, carros estacionados nas calçadas e pedestres pondo a vida em perigo ao atravessar bem longe da faixa.

 

Os soldados do Batalhão de Trânsito (BPTran) registraram, ontem, o primeiro crime de trânsito no Distrito Federal. O empresário Gilvan Amarante Campos, 58 anos, não conseguiu frear a caminhonete F-1000, provocando o engavetamento de dois outros veículos na via N2 (ao lado do Conjunto Nacional). A passageira do Santana Quantum, um dos carros envolvidos no acidente, Cléudia Martins dos Santos Feitosa, 31 anos, ficou levemente ferida.

 

Assustado, o empresário deu marcha a ré e fugiu, mas foi localizado por policiais alguns metros à frente. Acompanhado de um advogado, foi conduzido à 2ª Delegação de Polícia (Ana Norte), onde prestou depoimento, mas evitou falar com a imprensa. Gilvan vai ser enquadrado no artigo 305 do novo Código de Trânsito que trata da evasão do local do acidente para fugir à responsabilidade civil ou penal. A pena para esse caso é de seis meses a um ano de prisão ou multa determinada pela Justiça;

 

Se ficar comprovada a lesão corporal em Cléudia Martins, o empresário ainda pode se enquadrado no artigo 303 (lesão corporal culposa) e pegar de seis meses a dois anos de prisão. O delegado Adauri da Silva Gomes aguarda o resultado do exame de corpo delito. Se nada ficar comprovado, o motorista será liberado e responderá apenas pelos danos materiais.

 

Sem cinto

No cruzamento da 503 Sul, seis pessoas foram flagradas conduzindo veículo sem o cinto de segurança em pouco menos de 10 minutos. A sorte delas é que não havia nenhum guarda de trânsito por perto. A pena para esse tipo de infração é de R$ 115,33. “Hoje esqueci”, justificou Andréia Bicalho. A motorista defendeu uma campanha de esclarecimentos sobre o novo Código de Trânsito.

 

 

 

Os motoristas também desrespeitaram as placas de proibido estacionar e fizeram a festa nas calçadas da W3 Sul. Na frente das muitas pousadas, localizadas ao longo da avenida, uma verdadeira frota de veículos em cima da passagem dos pedestres. “Aqui não tem estacionamento. Se a polícia vier multar não sei aonde vamos guardar os carros”, reclamou Ralf Mohn, dono da Pousada 47 na 703 Sul.

 

O comandante do Batalhão de Trânsito (BPTran), coronel Renato Azevedo, comentou que em um primeiro momento, os olhos estão voltados para os carros em movimento. “Esses são os que matam”, justificou. Segundo o coronel, os estacionamentos irregulares serão combatidos, mas é preciso discutir a falta de vagas que afetam alguns setores, como o Comercial e o Bancário. Pelo novo Código, a multa para quem parar em local proibido é de R$ 115,33. 

 

Na W3 sul, em frente a Igreja Dom Bosco, o funcionário público Manoel Nazário Filho estava com o carro estacionado em cima da calçada. “O freio de mão travou”, alegou. Nazário contou que ao parar no sinal puxou o freio de estacionamento que travou. Para não atrapalhar o trânsito, decidiu colocar o carro na calçada. “Já mandei providenciar o socorro”, afirmou.

 

O funcionário público também reclamou da falta de informações sobre o novo Código de Trânsito. “Será que numa emergência como essa seria multado?”, questionou. Nazário disse que as autoridades de trânsito precisam explicar melhor o que os motoristas podem ou não fazer nas ruas “É só continuar a respeitar o código antigo que estará dentro da lei”, aconselhou o coronel Renato Azevedo.

 

O problema da falta de estacionamento atinge também as entrequadras mas Asas Sul e Norte. O número reduzido de vagas força os motoristas a estacionaram em fila dupla. É o que fez o proprietário de um Alfa Romeu na 306/7 Norte. O dono do carro não foi localizado pela equipe do Correio. Nas tumultuadas comerciais também é possível ver diariamente caminhões descarregando todo o tipo de produtos, quase no meio da rua, causando mais confusão.

 

Faltou cartilha para orientar

Por pouco o governador Cristovam Buarque não ficou sem cartilhas do Novo Código de Trânsito Brasileiro para distribuir entre os motoristas que passavam pelo Eixão Sul. Até o início da manhã, apenas 400, das 200 mil cartilhas encomendadas foram entregues. O secretário de Transportes, Henrique Luduvice teve de ir correndo à gráfica para garantir alguns exemplares.

 

Mas foram poucos os motoristas que conseguiram ter acesso a uma das cartilhas impressas pelo GDF. Os policiais militares responsáveis pela fiscalização do trânsito no Eixão Sul e Norte ficaram de mãos abanando. Não foram enviadas cartilhas suficientes para distribuir à população nas barreiras policiais.

 

O secretário de Transportes, Henrique Luduvice, garantiu que até a próxima semana pelo menos 10 mil cartilhas serão distribuídas. “Todos os motoristas vão receber um exemplar nos próximos dias”, garantiu.

 

Apesar da gafe, o governador Cristovam não perdeu a animação. “Estamos mostrando que o Distrito Federal está preparado para cumprir o novo Código. Demos os primeiros passos para isso há mais de um ano com o lançamento da campanha Paz no Trânsito”, comemorou.

 

A antecipação também pegou de surpresa o Batalhão de Trânsito (BPTran). Os soldados ganharam um exemplar do novo código, mas ainda não receberam o Manual do Agente de Trânsito contendo os códigos numéricos correspondentes às infrações e as orientações de conduta. “Por enquanto, as multas serão aplicadas com base nos artigos do código”, informou coronel Renato Azevedo.

 

O BPTran também não recebeu os recibos usados para notificar os motoristas com veículos irregulares — carros que trafegavam sem os componentes de segurança (os chamados equipamentos obrigatórios), como extintor de incêndio, triângulo, estepe e chave de roda. “Vamos usar os antigos recibos”, informou o coronel Azevedo.

 

O coronel Renato Azevedo reuniu, ontem pela manhã, todos os soldados do Batalhão de Trânsito no auditório da Polícia Militar. Uma aula de última hora para esclarecer as dúvidas dos comandados. 

 

Os soldados foram instruídos a observar dez itens, dentre eles, excesso de velocidade, preferência aos pedestres na faixa, uso do cinto de segurança, carros em mau estado de conservação, transporte de crianças (até 10 anos) no banco dianteiro dos veículos e condução de menores (até 7 anos) em motocicletas. “Estou convencido que Brasília mais uma vez dará um exemplo de cidadania”, afirmou o coronel Azevedo.

 

O Batalhão de Trânsito vai realizar algumas blitzen, durante todo o dia de hoje, em vários pontos da cidade para multar motoristas que cometerem infrações. A Estrada Parque Indústria Gráfica (Epig) é um dos alvos. o BPTran conta com 200 policiais em cada turno de seis horas.  

 

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  • A capa do Correio de 23 de janeiro de 1998
    A capa do Correio de 23 de janeiro de 1998 Foto: Arquivo/CB/D.A Press
  • Foto: Arquivo/CB/D.A Press

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