Correio Braziliense
postado em 04/03/2020 04:08
A persistência, a coragem e o planejamento são artifícios para quem deseja decolar e se superar na carreira profissional. Aos 17 anos, Helen Ramalho de Oliveira se via nesse contexto. Focada e objetiva, o sonho dela era ajudar na renda da família. A aprovação no concurso público do Corpo de Bombeiros, em 1992, veio como um milagre. Helen seria a primeira mulher a ingressar na corporação no Distrito Federal.
De família humilde, a ex-moradora de Brazlândia, hoje com 44 anos, se dedicou aos estudos durante a juventude para tentar aprovação em concursos públicos. “À época, ainda não tinha nada em mente sobre a profissão que eu queria seguir, mas precisava ajudar na renda de casa e garantir um emprego”, conta.
Helen chegou a ser aprovada no concurso da Câmara dos Deputados, mas abriu mão da vaga após receber uma ligação na mesma data de aniversário do chefe do Corpo de Bombeiros, em 5 de novembro de 1992. A notícia era de que ela tinha passado no concurso da corporação. “Eram apenas três vagas para a primeira turma de mulheres. Quando fiz a prova, havia tantas meninas estudiosas, que cheguei a duvidar da minha capacidade. Seria um desafio pela frente, mas não pensei duas vezes em tomar posse”, relembra.
Para ela, seguir carreira como militar era algo distante, mas havia paixão. “A gente sempre admira um bombeiro, mas eu nunca tive contato. A cidade em que eu morava mal passava uma viatura.” Das três vagas disponíveis para o sexo feminino, apenas Helen garantiu a classificação. Contudo, trabalhando em um local propriamente masculino, as dificuldades para se adequar ao ambiente começaram a surgir. “A gestão do quartel entendia que, se eu entrasse sozinha, provavelmente não conseguiria suportar as pressões. Era difícil, mas, depois de um tempo, outras duas mulheres entraram na turma. Eram 42 pessoas, sendo que 39 eram homens, e muitos deles não entendiam o porquê de estarmos ali. Teve um instrutor que chegou a falar: 'Vim dar aula porque eu tenho a missão de fazer as meninas desistirem'”, lembra.
Carreira
Os impasses, no entanto, não a fizeram desistir. Além de ser a primeira mulher a ingressar no Corpo de Bombeiros do DF, ela também foi a primeira mulher a ser subcomandante de área. Dentro da corporação, Helen começou a carreira como instrutora no sistema de ensino. Em 1998, coordenou a primeira companhia independente feminina. “Estar nesse cargo foi motivo de orgulho. Lá, eu tive a oportunidade de dar a devida atenção às mulheres, porque os homens não sabiam lidar com essa questão. Por exemplo, quando alguma militar engravidava, eles não tinham noção do que fazer, se a dispensava ou se a mandava para casa. Então, todos esses impasses foram solucionados e conseguimos instituir a conduta de respeito para com a mulher”, afirmou.
Ainda nessa função, um dos feitos que a tenente considera mais importante foi a luta pela igualdade de funções. “Conseguimos corrigir uma injustiça. Os soldados, por exemplo, poderiam chegar à patente de capitão. Por outro lado, a mulher soldada só alcançava até a função de subtenente. Acabamos com isso e permitimos que as mulheres pudessem cumprir as mesmas missões”, contou.
Mesmo após ter passado por vários setores na corporação, a tenente-coronel se encontrou no ramo da perícia em incêndios. “Depois do curso, comecei a entender como começa o fogo. E isso foi de extrema importância, porque a partir daí trabalhamos melhor na prevenção e no estabelecimento de técnicas e equipamentos melhores”, explica.
Nos quartéis, Helen não passa despercebida. É cumprimentada, admirada e respeitada por todos em sua volta. “Todos os militares têm orgulho de ter uma comandante chefe que é uma pessoa perfeita, dedicada, inteligente e sabe o que faz”, elogia o amigo e capitão Wilson Souza, 53.
“Inspiro-me em mim mesma. Todos os dias eu me olho no espelho e me desafio a ser uma pessoa melhor. Não para mostrar para os outros, mas para me superar. Daqui a quatro anos, quando eu me aposentar, vou guardar cada instrução que dei para as turmas, cada atividade, simulado e palestra. São recordações inesquecíveis”, diz a tenente-coronel.
Mãe
Uma interrupção na carreira por um tempo. O motivo não poderia ter sido melhor: a chegada dos filhos. Helen é mãe de quatro crianças: Thais Ramalho, 11, os gêmeos Miguel e Marcos, 9, e Flávio, 7. “Foi uma loucura. Ser mãe de primeira viagem não é fácil. Quando engravidei do Flávio, me bateu aquele medo e angústia de ter quatro bebês em casa”, recorda.
Segundo ela, a experiência da maternidade só reforçou a necessidade de ser mais cautelosa no ambiente profissional. “Todas as vezes que saio de casa para uma missão, eu os beijo, sem saber se vou ter condições de voltar. Tenho muita esperança em Deus, que se acontecer algo de ruim comigo, eles estarão bem”. A rotina, no entanto, é árdua. Helen tem de se desdobrar para conseguir lidar com a casa, com os filhos e com a profissão. “Aqui em casa tem de ser organizado como um quartel. Tenho preocupação com o tipo de adulto que eles serão. Então, os ensino a arrumar o quarto e a bagunça. Apesar de tudo, eu sou uma pessoa feliz, e meus filhos me fazem feliz”, completou.
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