Estas matérias foram publicadas originalmente nas edições de 21 de janeiro de 2007 da Revista do Correio e 10 de janeiro de 1978 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
Em 9 de janeiro, Maria Aglaide Neves, 75 anos, tornou-se a primeira mulher a se divorciar em Brasília. Ela viveu 11 anos desquitada do primeiro marido até ter direito a assinar o nome de solteira e casar-se novamente. Também em um dia 9 de janeiro, a pedagoga Cleonice Pires Maciel, 28 anos, repetiu o feito. Mas com uma naturalidade impensável em outros tempos. Separada há dois anos, gastou nada mais do que meia hora no Cartório de Notas de Planaltina. Cleonice foi a primeira mulher a se divorciar por meio de uma escritura pública no Distrito Federal.
Três décadas é a lacuna entre os dois divórcios. Tempo que abriga várias conquistas sociais, entre elas a criação da Lei 6.515, que permitiu a separados casarem-se novamente. Prestes a completar 30 anos, o divórcio está mais moderno e flexível do que quando foi oficializado, em dezembro de 1977. A facilidade com que a pedagoga Cleonice divorciou-se é prova disso. Para o advogado Cristian Fetter Mold, do Instituto Brasileiro de Direito de Família, as mudanças no Judiciário, muitas vezes, surgem por uma demanda da sociedade. No caso da criação de uma nova lei, para facilitar a decisão já acordada entre o casal. E para não perder o humor, mesmo tratando de assunto sério, ele brinca: “Agora é mais fácil divorciar do que casar”.
Depois de duas fugas sem sucesso e vestida de preto, Maria Aglaide Neves não teve saída. Casou-se forçada e só não usou a roupa de protesto porque o pai mandou arrancar-lhe os trajes e fazê-la uma noiva como mandava a tradição. A primeira mulher a se divorciar em Brasília, hoje com 75 anos, tem uma história pouco comum nos dias atuais. Ela é da época em que o namoro era pra valer, muitas vezes, nem acontecia: o marido era conhecido no altar ou, quando muito, poucos meses antes da celebração. Rejeitar o noivo era hipótese inexistente. Nesse mesmo tempo, a índole e a moral da mulher descasada ou desquitada eram colocadas em xeque. “Meu pai não deixava as mulheres da casa terem amizade com a mulher do padeiro, porque eles viviam juntos, mas não eram casados”, lembra a cearense.
Maria Aglaide dedilha a história do primeiro casamento, as idas e vindas do relacionamento até o divórcio, o segundo matrimônio, o segundo divórcio como uma boa contadora de causos. Esmiúça os dois mais longos dias de sua vida, a véspera e o dia do casamento. O pai lhe avisou da cerimônia no dia anterior, depois que soube da astúcia da filha, na época com 15 anos. Arranjado o noivo, Aglaide enviou uma carta para o rapaz desfazendo o compromisso. E o pai, para honrar sua palavra, apressou o matrimônio para o dia seguinte à descoberta da tal carta. A cearense tentou a todo custo não chegar ao altar. Escondia-se em casas de conhecidos até o pai encontrar seu rastro.
Se, naquela época, não havia liberdade para se casar, imagina para se separar. Há poucos dias, o divórcio ficou mais fácil do que nunca. Pelo menos para alguns casos. A nova lei, a 11.441, é uma espécie de presente de aniversário antecipado, já que no final do ano comemora-se 30 anos do divórcio no Brasil. Desde o dia 5 de janeiro, casais sem filhos menores ou maiores dependentes, e cuja decisão do divórcio é consensual, poderão realizá-lo em Cartórios de Notas, aqueles mesmos onde são autenticados documentos e reconhecidas firmas.
Duelo
Para Aglaide, porém, não houve qualquer facilidade. Ela levou 15 dias até ser “desposada” pelo marido. Nesse período, dormia em tudo quanto era canto, menos no quarto do casal. “Só aceitei meu marido porque o meu futuro sogro desafiou meu pai para um duelo. Disse que ele e o filho tinham sido enganados por minha família”. O casamento parecia fadado ao fracasso. E estava. Mas rendeu-lhe muitos números: 19 anos de desunião, oito filhos, inúmeros conflitos em família, quilômetros de estrada nas inúmeras tentativas de fugir do marido, que não aceitava a separação.
O divórcio também foi o motivo que a trouxe para Brasília. Em 1963, Aglaide resolveu deixar o interior mineiro, onde morava desde criança, e enfrentar a capital. Julgava ser mais fácil conseguir a separação numa cidade maior, onde a Justiça não estivesse a serviço de poucos. Mal sabia o marido que o plano de mudança passava pelas eternas desavenças do casal. Aqui, finalmente, ela conseguiu o desquite, em 1966. Maria Aglaide se divorciou em 1978, 15 dias depois de promulgada a Lei 6.515. Os 11 anos como desquitada lhe conferiu uma antecipação: não sofrer preconceito depois do divórcio. “Toda discriminação que sofri aconteceu assim que me separei. Mas nada pior do que a vida que eu levava”.
Professora primária, a cearense alfabetizou os próprios filhos e sempre trabalhou para não depender do marido. Orgulha-se dos amores que teve depois de desquitada, dos filhos — três de outros relacionamentos — e do desejo de se casar sem a imposição da família. Já distante desse passado, ela confessa: “Compreendi que aquele casamento era o meu destino, mas não deixei de lutar”
Uma lei em metamorfose
Passo importantíssimo na legislação brasileira no que se refere à organização da família, o divórcio passou por metamorfoses nos últimos 30 anos. Para os especialistas, as mudanças acolhidas pelo Judiciário só ocorrem porque a sociedade se modifica e exige o mesmo dos poderes. Para se ter uma idéia, a primeira divorciada de Brasília, Maria Aglaide Neves, passou 11 anos desquitada, sem direito a novo casamento e sofrendo preconceito porque era “descasada”, criava os filhos sozinha e tinham namorados. Foi assim até o presidente Ernesto Geisel assinar a Lei do Divórcio, proposta pelo então senador Nelson Carneiro, em 1977.
O advogado José Antônio de Lima, 67 anos, responsável pela petição do divórcio de Maria Aglaide, lembra o episódio como uma verdadeira luta. “A gente ficava de plantão no cartório, porque havia muitos pedidos. Os próprios colegas de profissão competiam”, recorda. Além disso, ele pegou um caso difícil, que envolvia sérios conflitos familiares, riscos para os filhos e para a mulher. Não que a separação não fosse possível. Sobre isso, o advogado Cristian Fetter Mold, do Instituto Brasileiro de Direito de Família, faz questão de alertar. “Em geral, as pessoas acham que a separação e o divórcio dependem da assinatura do dois cônjuges. Essa idéia é falsa. Se um dos dois quer, a separação acontece.”
Passados quase 30 anos, o primeiro divórcio em cartório de Brasília, permitido após sanção da Lei 11.441, levou apenas 30 minutos. “Foi maravilhoso, mais rápido do que eu pensava”, comemora Cleonice Pires Maciel. Ao contrário de Aglaide, todo o processo de separação dela foi sem dificuldades. A pedagoga já estava separada de fato há dois anos, depois de sete anos de relação, e daria entrada ao processo de divórcio na Justiça, até assistir na tevê à notícia de que uma nova lei havia sido sancionada. “Liguei para o meu advogado e disse que preferiria fazer no cartório”. Sem filhos nem discussão de bens, não houve dúvida. O divórcio custou R$ 58,75. Para Cleonice, quanto mais rápida a separação, mais coerente ela é com a decisão firmada entre o casal.
Um outro aspecto importante da Lei 11.441 é a redução de demandas para os juízes que até então deveriam avaliar e assinar toda e qualquer separação. O divórcio feito em cartório não é encaminhado para o Judiciário. Agilidade para a Justiça, que significa rapidez para a sociedade.
10 de janeiro de 1978 - Pedido o 1º divórcio no DF
Ontem, às 12h40min, deu entrada no Tribunal de Justiça a primeira petição de divórcio do Distrito Federal. O advogado José Antônio Lima (OAB-453/A-DF) foi quem encaminhou o pedido de Maria Aglaide Neves, desquitada, 43 anos e residente na Quadra 13, conjunto B, casa 16, Shis Central, no Gama.
Maria Aglaide é natural de Barbalho, Ceará, é aposentada pelo INPS, é mãe de 7 filhos e desquitada (processo nº 10.121) de Odemiro de Souza Neves, atualmente residente em São Sebastião de Poções, município de Montalvânia, Minas Gerais.
O advogado José Antônio de Lima, 38 anos, gaúcho de Pelotas (RS), disse que “estava apenas à espera da reabertura do Fórum para dar a entrada na petição inicial”. Às 11h, ele dizia que “daqui a pouco” vou pagar as taxas judiciais, ou seja, o que acho de direito. A OAB determinou os valores do serviço para a orientação do “quantum” que os advogados podem cobrar, mas, independemente de saber se vai ser cobrada ou não a taxa pelo físico, eu acho bom por bem recolhê-la para maior garantia.
Posteriormente, ou seja, após ter pago as taxas, o advogado, por volta de 13h30min, entregou ao distribuidor a petição do divórcio com o pedido verbal de encaminhamento imediato à 1ª Vara de Família, onde foi homologado o desquite em 1974. Segundo informações colhidas junto a uma agente arrecadadora do Tribunal de Justiça, quem fará essa distribuição será a juíza de distribuição da 3ª Vara de Família, Lila Pimenta Duarte.
O advogado José Antônio de Lima está cobrando Cr$ 6 mil de honorários.
José Antônio de Lima diz que esse caso veio parar sem suas mãos “por acaso”. “Eu fui efetuar uma cobrança no dia 6, lá no Gama. A cobrança era para o filho de D. Aglaide, do qual, inclusive, sou advogado: fui então à casa de D. Aglaide e almoçamos juntos: conversamos a respeito do divórcio. Foi logo depois dessa conversa, que ela me pediu que eu encaminhasse o seu pedido de divórcio. Imediatamente, eu abri a minha pasta e fiz uma procuração e um termo de serviço: ela assinou e levei ao cartório local para o reconhecimento de firmas. Depois, ao chegar no meu escritório, fiz a petição e fiquei esperando o término do recesso no Tribunal de Justiça, para dar a sua entrada”.
A segunda petição
Quase que simultaneamente, outro advogado estava no Tribunal de Justiça com outro pedido de divórcio. Cobrando Cr$ 1 mil como honorários, o advogado Raul Queiroz Neves (OAB - SDF 734) encaminhou aos canais legais competentes o pedido de divórcio de Maria Dalva Loureiro Ibiapina, comerciante, residente na superquadra Sul 211, bloco “H”, aptº. 206, no Plano Piloto: por mútuo consentimento, ela se desquitou, em 30 de agosto de 1962, de Alberto Freire Ibiapina, atualmente residente em Manaus.
Esse processo de divórcio deverá demorar um pouco mais do que os outros, porque ele deverá se realizar através de uma precatória, ou seja, o juiz local deverá enviar um pedido ao juiz do foro de Manaus no sentido de que o deprecando cumpra o que o deprecado pede.
A agente arrecadadora do Tribunal de Justiça, Floriza Maria de Souza, confirmou que realmente o primeiro pedido de divórcio foi realizado pelo advogado José Antônio de Lima.
Maria Aglaide Neves
Residindo numa bela residência no Gama, a primeira candidata ao divórcio no Distrito Federal recebeu ontem a tarde o repórter e falou sobre a sua situação.
A respeito da instituição do divórcio disse o seguinte: “Claro, eu acho maravilhoso. Ele consegue dissolver uma relação matrimonial que é totalmente impossível”. Aglaide diz que vive atualmente com um rapaz de 25 anos, Anísio Soares Franco. Bastante bem humorada, ela disse que “ele ainda está em fase de observação. Se ele topar casar comigo, é claro que toparei. Eu vivo há dois meses com ele. A princípio, fiquei com dúvidas a respeito do amor que ele me declarava, mas depois resolvi aceitar o jogo, afinal tenho o meu romantismo… Tenho ainda nove anos para ganhar filhos… Nunca amei… Olha, sou uma mulher igual a uma menina de 14 anos, isto é, sou uma mulher sem uso…”
Falando sobre Anísio, Aglaide disse que “ele é bonitinho. Maravilhoso!”. Eufórica com a perspectiva de uma breve solução do seu processo de divórcio, Aglaide dizia: “Como nunca amei de verdade, quero agora saber amar!”.
Com relação ao processo de desquite com o seu ex-marido, ela declarou que dispensou a partilha, “ficando apenas no processo a obrigação dele me dar as devidas pensões, mas eu nunca as utilizei, nesses onze anos em que vivemos separados”.
Aglaide é dona de uma escola de datilografia e de uma escola de inglês no Gama. Foi professora primária durante 16 anos.
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