Cidades

Mulheres nada invisíveis

Mais respeito, qualidade de vida, igualdade de gênero e um serviço público de saúde digno são alguns desejos de trabalhadoras ouvidas pelo Correio no dia em que se celebra o poder feminino

Correio Braziliense
postado em 08/03/2020 04:07
Mais respeito, qualidade de vida, igualdade de gênero e um serviço público de saúde digno são alguns desejos de trabalhadoras ouvidas pelo Correio no dia em que se celebra o poder femininoInstituído em 8 de março de 1908, o Dia Internacional da Mulher destaca muitas causas femininas conquistadas ao longo dos últimos séculos. Mais do que um dia de celebração e de receber agrados de amigos e familiares, a data também é uma oportunidade para alertar a população sobre os graves problemas de gênero que ainda persistem na sociedade, como a desigualdade de renda e de direitos, a violência, o machismo e o preconceito. O Correio saiu às ruas para saber das mulheres — de diferentes profissões, classes sociais e idades — o que elas mais desejam para esse dia tão especial. Confira os depoimentos:



Midian de Sousa Targino, 23 anos, trabalha há três como frentista em um posto de gasolina no Setor de Indústrias Gráficas (SIG) para sustentar as duas filhas, de 8 e 2. Moradora do Recanto das Emas, ela está no segundo semestre do curso de estética e afirma que o sonho é concluir a faculdade para trabalhar na área.

“Espero que as mulheres tenham mais qualidade de vida no futuro, que possam ingressar na carreira que almejam. Eu, por exemplo, quero trabalhar na área de beleza para ajudar a melhorar a autoestima das pessoas. Com isso, espero ganhar um bom salário para dar o melhor para as minhas filhas e poder colocá-las em uma escola de qualidade. Infelizmente, muitas mães sofrem com a educação pública precária de Brasília. Minhas filhas estudam em uma escola bem longe de casa, em outra quadra, porque não consegui vaga para elas em um colégio próximo. Precisamos de mais escolas para as nossas crianças. A população, em especial as mulheres, precisa ser mais respeitada e valorizada. Aqui (posto de gasolina) ainda sofro com o preconceito de alguns clientes. Existem motoristas agradáveis e que me tratam bem, mas há outros que dispensam nosso atendimento, porque acham que somos fracas, tanto na personalidade quanto nos afazeres.”



Kátia Ferreira Dias, 25, mora em Planaltina e trabalha há cinco anos como balconista e auxiliar gerencial em uma padaria no Sudoeste. Mãe de um menino de 5 anos, ela sonha ser promovida no trabalho e ter mais tempo para a família.

“Para as mulheres, eu desejo um mundo sem preconceito e mais valorização no ambiente de trabalho. Na padaria, enfrento os julgamentos de clientes e até dos funcionários. Quando vou ajudar os padeiros, eles resistem e me tratam com indiferença, só pelo fato de eu ser mais nova e por ser mulher. Acham que sou inexperiente e frágil para auxiliá-los. O que mais me impressiona é que estamos em um século avançado e ainda temos que nos deparar com uma sociedade que desrespeita, maltrata e mata uma mulher, simplesmente por ser mulher. Essa realidade precisa mudar.”



Agda Oliver, 39, é proprietária da Oficina Meu Mecânico, em Ceilândia. Criado em 2010, o estabelecimento é destinado especialmente ao público feminino. A ex-bancária conta que a ideia de empreender sempre foi um sonho, mas teve de enfrentar as represálias de amigos e familiares. Mesmo assim, Agda se diz realizada profissionalmente por servir de espelho para outras mulheres.

“Nós, mulheres, precisamos ter mais confiança em nós mesmas. Sabemos do que somos capazes e não devemos dar ouvidos às falácias. Precisamos acreditar no que buscamos. Certa vez, uma pessoa entrou na rede social da minha oficina e disse que a empresa era apenas fachada e que não tinha relevância. Tentei não absorver o comentário maldoso porque, se alimentamos, acabamos acreditando. Isso nos leva ao fracasso. Mesmo assim, por mais que estejamos em uma era de preconceito, me acho uma mulher fora da caixinha e vitoriosa por abrir mão da função de bancária, em que todos os meus amigos e parentes me admiravam, para me tornar mecânica. O que precisamos é de cidadãos que tenham a capacidade de ajudar e colaborar na construção de uma boa sociedade e, acima de tudo, reconhecendo que as oportunidades são para todos.”



Fernanda Herval, 33, mora no Núcleo Bandeirante e é soldado da Polícia Militar há cinco anos. Mãe, esposa e dona de casa, ela tenta conciliar a rotina com o trabalho policial.

“A classe feminina ainda tem muito o que ser respeitada pela sociedade. Temos que colocar na cabeça que somos fortes o suficiente para dominar qualquer atividade. Para o Dia das Mulheres, desejo que o povo reconheça e valorize o nosso papel. Eu, como policial, ainda encaro grandes desafios, principalmente na rua. No quartel, dividimos os mesmos papéis com os homens e somos submetidas ao mesmo tratamento. Mas, quando estamos de ronda, sinto que a população ainda olha para as militares com indiferença, achando que não somos capazes e até nos desrespeitando.”



Adriana Ribeiro, 41, é cabeleireira e proprietária de um salão especializado em cabelos cacheados no Riacho Fundo I. O estabelecimento, fundado há oito anos, tem o objetivo de incentivar e valorizar a beleza negra, além de elevar a autoestima de mulheres e crianças afrodescendentes.

“Hoje, aos 41 anos, me considero uma mulher vitoriosa pela vida que tenho e pelos lugares aonde cheguei. Para todas nós, mulheres, desejo que, no futuro, possamos entender que podemos chegar aonde desejamos e que o estudo e a dedicação são as chaves das portas do sucesso. Almejo um futuro mais digno, em que possamos ter direito à educação de qualidade e que não seja preciso esperar por um leito na UTI para evitar a morte. O sistema de saúde deve ser preventivo, para que tenhamos uma vida de qualidade, na qual as políticas públicas estejam voltadas a quem realmente precisa.”



Sebastiana Custódio de Souza, 51, mora no Itapoã e trabalha com serviços gerais na Rodoviária do Plano Piloto há um mês. Na região onde mora, ela reclama da falta de segurança para com as mulheres.

“Desejo mais segurança, cuidado e consideração com as mulheres. Às vezes, a mulher apanha do marido e decide prestar queixa na delegacia. Mas, se ela não comprovar a denúncia, mostrando um hematoma ou mensagens ameaçadoras, não consegue registrar o boletim de ocorrência. Se não prova, não denuncia e isso fica impune. Falta apoio do Estado em garantir mais segurança para nós. O governo deveria promover mais campanhas contra a violência, ir de casa em casa alertando sobre a importância de denunciar, elaborar pesquisas e não esperar pela morte de mais uma mulher.  Precisamos de paz.”



Damiana Pereira de Carvalho, 30, mora em Planaltina e trabalha como cobradora há quatro anos. Mãe solteira de dois filhos, de 7 e 5 anos, ela admira a área em que atua.

“Queria muito que parassem de matar as mulheres. Quando uma mulher morre, não são só os filhos que sofrem, mas todas nós. Colocamo-nos no lugar uma das outras e sofremos por termos uma Justiça tão falha, que solta o assassino em poucos dias e tudo fica como se nada tivesse acontecido. Mas, ali, foi uma mãe, um ser humano e uma guerreira que morreu.”



Eliane Pereira Moraes, 43,
mora em Planaltina de Goiás e trabalha com o marido em uma copiadora. Mãe de cinco filhos, de 25, 22, 20, 7 e 3 anos, ela sonha com um emprego melhor.

“Quero que as vagas de trabalho sejam também ofertadas ao público feminino, na mesma facilidade em que são para os homens. Ainda me deparo com situações de preconceito nesse meio. Certa vez, fui chamada para uma entrevista e estava praticamente tudo certo para a minha contratação, mas me perguntaram se eu tinha filhos, e o gestor disse que me ligaria depois. O ruim é saber que isso não acontece só comigo, mas com a maioria das mulheres que precisam sustentar a família.”



Ana Guedes Sales, 73, é costureira nos tempos livres e mora em São Sebastião. A aposentada sofre com problema na visão e tenta marcar uma consulta há mais de um mês no hospital. Ela critica o descaso da saúde pública.

“Desejo mais saúde para as mulheres. Infelizmente, o serviço de atenção primária da rede pública, especialmente às mulheres idosas, é precário. No hospital, se você é atendido nas consultas, não consegue ter atendimento nos exames, então o problema não resolve. Precisamos de mais médicos nas unidades de saúde para que tenhamos um atendimento digno. Não adianta querer acabar com o feminicídio se não tivermos um apoio das políticas públicas, principalmente de uma rede de apoio para o público feminino. É preciso nos unir, dar as mãos e pensar em formas de fazer isso.”



Júlia Charles da Rocha, 17,
é estudante de alemão no Centro Interescolar de Línguas (CIL) e pretende seguir a carreira da docência, ministrando aulas de alemão e de português.

“O que desejo para as mulheres é que possamos andar nas ruas sem ter medo de sofrer um ato de violência sexual ou sermos vítimas de piadinhas e de assédio verbal, o que é constrangedor. Vivemos em um mundo que nos oprime. Então, é preciso ter coragem para lidar com os preconceitos da sociedade e enfrentar o desrespeito das nossas decisões. Às vezes, a mulher opta em não ter filhos, por exemplo, mas é hostilizada por ter essa escolha.”



Larissa Ribeiro, 21, é estudante de educação física. Moradora de Samambaia, sonha em ser técnica de ginástica rítmica e acredita que, para chegar lá, é preciso esforço, estudo e dedicação.

“Acredito que o respeito é a base de tudo. Se a sociedade começar a respeitar as mulheres e a tratá-las com dignidade, poderemos acreditar em um futuro melhor, sem violência e sem medo. Mas ainda enfrentamos uma barreira enorme de desigualdade salarial entre os gêneros, o abuso sexual, o feminicídio. São problemas que precisam ser solucionados o mais rápido possível.”



Natália Barbosa Alves, 24, é diarista e trabalha também como ambulante na Rodoviária do Plano Piloto para complementar a renda. Ela mora com a irmã no bairro Arapoanga.

“A proteção do Estado para defender as mulheres vítimas de violência ainda é muito falha. Conheço muitas amigas que apanharam do companheiro, pediram medida protetiva na Justiça, mas não conseguiram e continuam sofrendo, sendo submissas ao marido por causa do medo. Infelizmente, essa é a realidade. Não têm apoio e, por conta disso, muitas estão sendo mortas. Até quando vamos ter que aturar esses assassinatos?”



Wanderléia Oliveira, 29, trabalha há oito anos como servente em uma escola pública da Asa Sul. Feminista, a moradora do Riacho Fundo 1, luta pela igualdade de gênero.

“Como feminista, almejo que as mulheres se impunham na luta pela valorização do nosso papel. Este é o momento de nos unirmos em movimentos sociais, que envolvam o público masculino e feminino adeptos da causa. Abrir os olhos e entender que não se deve desmerecer ninguém. As mulheres são desvalorizadas em diversos ambientes, não podemos nos vestir como queremos, pois somos hostilizadas. Então, acredito que o feminismo seja o ponto da mudança. Merecemos respeito, até porque, dentro de casa, somos as coordenadoras, o braço forte da família.”

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