Sistema preocupa candidatos

Convocação para a UnB preocupa candidatos do último Enem que tentaram uma vaga na universidade. Motivo seria distorção na seleção por meio de plataforma adotada pela instituição, que resultou em 48% de vagas em aberto após a primeira chamada

Correio Braziliense

postado em 09/03/2020 04:36

Candidatos que prestaram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2019 estão preocupados com o processo de convocação dos aprovados na Universidade de Brasília (UnB). A apreensão resulta do fato de a instituição de ensino ter adotado um mecanismo novo para inscrição no lugar do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). A plataforma, no entanto, não leva em conta as matrículas dos concorrentes em outras universidades ou o ingresso deles na UnB por meio de outros processos seletivos, como o Programa de Avaliação Seriada (PAS).

A demanda no Acesso Enem UnB recebeu inscrições de mais de 38 mil pessoas, na expectativa de conseguir uma das 2.112 vagas destinadas a participantes do exame nacional do ano passado. No caso do curso de medicina, por exemplo, nenhum dos nove candidatos pelo sistema de ampla concorrência homologou a matrícula. Um levantamento efetuado pelo estudante Endel Willik, 20 anos, e pelo Colégio Pódion mostra que todos os convocados de outras unidades da federação não completaram o registro. Oito haviam passado em outras instituições de ensino, e um estava inscrito na UnB pelo PAS.

As aulas começam hoje, mesmo dia em que sai a lista com os nomes dos candidatos que homologaram a matrícula após a terceira chamada. A UnB informou que todas as chamadas devem acontecer enquanto houver inscritos com a nota mínima para ingressar nos cursos. Além disso, o processo seletivo não deve prejudicar os estudantes no que diz respeito ao limite de 25% de faltas.

Para fazer o levantamento, Endel Willik conferiu o resultado dos 50 primeiros colocados no curso de medicina da UnB, incluindo os 12 primeiros candidatos do DF, todos aprovados na Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs). De acordo com o jovem, segundo lugar na lista de espera da Escs, os seis próximos a serem chamados confirmaram que, se convocados pela UnB, abrirão mão da vaga.

Para Endel, ao adotar um sistema próprio, a universidade deixou de lado um “fator crucial” do Sisu: a impossibilidade de o candidato passar em outra instituição de ensino. “Com o (sistema) da UnB, aconteceu de uma pessoa que escolheu outra universidade no Sisu se inscrever no Acesso Enem UnB e ser chamada sem custo algum para a vaga dela. Pessoas de outras unidades federativas viram a oportunidade de usar a nota do Enem para passar em mais de um lugar, sem importar se iriam (ingressar) ou não (na UnB)”, observou.

Restrição
O fato de mais de mil inscrições não terem sido homologadas (veja Processo seletivo) chamou a atenção de Endel. Ele verificou que outros cursos concorridos, como engenharia elétrica e mecatrônica, além de direito diurno tiveram poucas vagas preenchidas na primeira chamada. Nesses três casos, assim como aconteceu com os candidatos de medicina, aqueles que não se matricularam na UnB após a convocação ou eram de outras unidades federativas ou do próprio Distrito Federal, mas já aprovados pelo PAS.

Endel considerou positivo o fato de a universidade antecipar a terceira chamada no mesmo dia em que divulgou a lista das inscrições homologadas na convocação anterior. “O problema não foi a UnB ter deixado o Sisu, foi não ter colocado restrição para pessoas de fora sem colocar uma opção de manifestação de interesse, para as pessoas em lista de espera avisarem que querem mesmo”, comentou.

Professor da Faculdade de Educação da UnB, Remi Castioni lembrou que a instituição de ensino divulgou o calendário de adesão à plataforma em 12 de novembro, antes de os candidatos conhecerem as notas do Enem. “Como o sistema da UnB não dialoga com o Sisu, a universidade chamou pessoas que já estavam matriculadas em outras instituições de ensino e que foram aprovadas pelo PAS. Mas ela está convocando às cegas, o que ocasionou uma ociosidade de 48% na primeira chamada”, calculou Remi. “Isso é algo que alertei lá atrás”.

O advogado Franklin Rodrigues chegou a entrar com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) alertando para os prejuízos aos candidatos do Distrito Federal. “Diante da situação de que havia um descompasso entre o número de vagas em aberto e a ausência de candidatos para preenchê-las, isso sugere que deve ter havido alguma distorção na forma do sistema de ingresso. Demos notícia ao MP para que faça uma avaliação”, explicou.

A representação encontra-se em análise no 2º Ofício de Cidadania, Seguridade e Educação da Procuradoria da República (PRDF). “O prazo é de 30 dias para deliberar sobre a representação, ou prorrogar, a contar da data que chegou ao gabinete. Esse caso chegou no dia 2 de março”, informou o MPF/DF. A UnB ainda não foi informada oficialmente sobre a representação.




"Como o sistema da UnB não dialoga com o Sisu, a universidade chamou pessoas que já estavam matriculadas em outras instituições de ensino e que foram aprovadas pelo PAS”
Remi Castioni, professor da Faculdade de Educação da UnB



Processo seletivo

1ª chamada

Convocados: 2.092
Inscrições homologadas: 1.085

2ª chamada

Convocados: 1.004
Inscrições homologadas:358

3ª chamada

Convocados: 588
Inscrições homologadas: resultado sai hoje
Faltam preencher: resultado sai hoje




Quatro perguntas para

Sergio de Freitas, decano de ensino de graduação da UnB

Até quando deve durar o processo de convocação de aprovados?
Não temos como prever, porque fazemos chamadas e, à medida que ocorrem, vamos registrando os alunos. Temos o maior zelo para que os que ingressarem não tenham prejuízo acadêmico. Vamos fazer quantas chamadas forem necessárias para atender a sociedade. Caso haja alguma que não seja preenchida, levamos para nosso processo de vagas remanescentes, com chamada específica e edital publicado no segundo semestre. Não temos ociosidade porque preenchemos todas. Quando sobram, elas são destinadas para esse processo.

O que pode ter levado a essa taxa de 48% de vagas não preenchidas na primeira chamada?
É algo que estamos averiguando. Tipicamente, há uma lista de candidatos por curso e por sistema de seleção. Pode ser que você tenha chamado candidatos de determinado curso e não tenha mais candidatos aprovados para serem chamados. Teria de ver por curso, por turno. É muito detalhado o processo. Quando você vai analisar curso por curso, sistema por sistema, você pode se deparar com momentos em que não houve candidatos aprovados a depender da nota e de outros critérios. E todos os nossos critérios, de imparcialidade, impessoalidade e transparência, são regidos por um edital. Se acontecer de as vagas não serem preenchidas, elas serão usadas em um segundo momento, em um vestibular de vagas remanescentes.

Depois disso, houve alguma medida para acelerar o processo de convocação?
A universidade está fazendo o registro (acadêmico) de forma eletrônica a partir deste ano. Esse processo é para garantir que cada uma das fases de entrada — (apresentação de) documentação, (interposição de) recurso — ocorra de forma tranquila. Precisamos de tempo para analisar a documentação de todos os candidatos que enviaram. Começamos com um dimensionamento para 2.112 (vagas). Na segunda (chamada), tínhamos só a metade. Na terceira, menos candidatos. Com isso, o tempo de análise diminui. Foi feito encurtamento para fazermos mais chamadas e agilizarmos o processo seguindo os trâmites legais, para não prejudicar ninguém.

Há chance de haver mudanças no Acesso Enem UnB para o próximo ano?
O processo, desde a saída do Sisu até a criação do Acesso Enem, durou mais de dois anos, discutindo, avaliando, fazendo testes e ensaios. E a instituição faz continuamente essa avaliação. As observações feitas são pertinentes, interessantes e serão levada para serem analisadas pelas comissões responsáveis, para serem avaliadas. Verificando-se que se traduzem na melhoria do atendimento, (a plataforma) vai ser melhorada, mas isso depende da avaliação técnica.