Cidades

"Ele era um entusiasta, um comunitário", diz amigo de professor assassinado

Familiares, amigos, colegas de trabalho e alunos do professor, assassinado a facadas durante assalto em parada de ônibus de Taguatinga, se despediram do jovem de 26 anos. Dor e revolta com o crime marcaram a cerimônia

Correio Braziliense
postado em 10/03/2020 06:00
Todos acompanharam o enterro, no Campo da Esperança, em Taguatinga, inconsoláveis: lembrado por inteligência e profissionalismo“Ele foi assassinado justamente por ser o tipo de pessoa que acreditava poder ajudar.” A constatação do cenário contraditório que levou à morte do professor Herbert Silva Miguel, 26 anos, é de Francisco de Assis, 37, coordenador pedagógico da Escola Municipal Machado de Assis, no Novo Gama (GO) — a cerca de 40km de Brasília — onde o docente trabalhava havia um ano. Nesta segunda-feira (9/3) à tarde, familiares e amigos dele se reuniram no Cemitério Campo da Esperança, em Taguatinga, para dar adeus ao jovem.

Nascido em Brasília, Herbert passou a infância no Setor M Norte, em Ceilândia. Perseverou contra uma deficiência cerebral e formou-se em história. O jovem morreu no sábado, vítima de latrocínio. Ele foi esfaqueado na segunda-feira passada, enquanto esperava o ônibus em uma parada, no Pistão Sul, sentido Recanto das Emas, para ir trabalhar. Enquanto aguardava o coletivo, um homem o abordou, o ameaçou e exigiu o celular. Mesmo sem reagir, Herbert foi atingido com seis facadas.

O jovem professor não tinha filhos. No entanto, para amigos, colegas de trabalho e alunos, Herbert deixa órfã a educação brasileira, que perde um professor admirado e reconhecido pelo comprometimento para além da sala de aula. “Esse era o segundo ano letivo dele. Recém-formado, iniciando a profissão. Muito profissional e comprometido. Mesmo em início de carreira, ele já tinha um perfil que a maioria de nós demora anos para ter, no enfrentamento da dura realidade da rede pública de ensino”, afirmou Francisco de Assis.

“Estamos em uma comunidade carente e, muitos de nós, depois de um tempo, acabamos perdendo um pouco as esperanças. O Herbert, não. Ele era um entusiasta, um comunitário. Apesar de jovem, lembrava aquele velho professor, da sala de aula, com disciplina aliada a conteúdo. Sem falar sobre a intelectualidade dele. Ele era leitor ávido e politizado”, recorda o companheiro de profissão.

Homenagens


O velório de Herbert Silva começou às 15h desta segunda-feira (9/3). A Capela 1 ficou pequena para as pessoas que chegavam com o objetivo de se despedir do rapaz. Ao longo da tarde, cerca de 200 pessoas estiveram no local para prestar as últimas homenagens.

Repetidas vezes, uma longa salva de palmas ecoou pelo local. “Nesse lar tão feliz, lá no céu, nunca o mal poderá penetrar. Só há glória, pureza e prazer, onde os salvos por Cristo hão de entrar. Lá no céu… Nesse lar tão feliz, lá no céu!”, dizia um dos cânticos entoados pelos presentes. Entre uma oração e outra, a música consolava alguns. Outros, inconsoláveis, saíam pela porta da capela aos prantos. A tristeza diante da morte era choro nos olhos de todos: das crianças, dos alunos, dos familiares e dos colegas de profissão.

João dos Santos, 13, era um dos diversos alunos que se despediram de Herbert nesta segunda-feira (9/3) e relatou o medo que sentiu ao saber que o professor havia sido esfaqueado. “Fiquei muito abalado. Deu uma dor no coração e eu fiquei receoso de perdê-lo. Infelizmente, foi o que aconteceu. As aulas dele eram muito legais. Perdemos um grande professor, que estava nos formando para o futuro”, lamentou.

Superação


Ao nascer prematuro, Herbert desenvolveu uma deficiência cerebral com a qual conviveu por toda a vida. A condição refletiu em aspectos físicos. Desde criança, mancava de uma das pernas. O que o fez alvo de preconceito logo na infância. Herbert se tratou até os 12 anos no Hospital Sarah Kubitschek. “O tempo todo disseram que ele não conseguiria. E ele só foi vencendo barreiras. Tinha dificuldades para andar, mas foi caminhando. Terminou os estudos e depois ingressou na faculdade. O sonho dele sempre foi ser professor”, contou Daniel de Paula, 40, tio de Herbert.

Daniel se lembra, com orgulho, da conduta do sobrinho e da influência que ele exercia sobre as pessoas. “Ele já tinha tirado pessoas do mundo das drogas, só pelas aulas que ministrava. As classes dele eram mais cheias e mais interessantes, pela linguagem que usava. Era uma pessoa sem nenhum preconceito. De raça, de opção sexual, de nada. Ele amava o que fazia”, disse o vendedor.

O acusado de cometer o crime tem 29 anos e foi detido em flagrante, cerca de duas horas depois de esfaquear o professor e, em seguida, foi encaminhado à 12ª DP (Taguatinga Centro). Policiais militares o encontraram na QDS 8 de Taguatinga Sul e localizaram uma faca com sangue. No dia seguinte, durante audiência de custódia, a Justiça converteu a prisão em preventiva. O acusado tem passagens por furto e cumpria pena domiciliar.

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