Correio Braziliense
postado em 12/03/2020 06:00
Muros, cercas elétricas, câmeras de segurança. O cenário restrito reflete a realidade atual de igrejas no Distrito Federal. Com casos de violência recorrentes, as paróquias e seus fiéis vivem cercados pelo medo. Furtos, tentativas de assalto e até morte invadiram a rotina de quem busca, nos templos, o sagrado. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do DF, 47 ocorrências de furto em templos religiosos foram registradas no primeiro bimestre deste ano. Em 2019, houve 246 casos.
A Paróquia Nossa Senhora da Saúde, na 702 Norte, é uma das que carregam as marcas da violência. Em setembro do ano passado, o padre titular da igreja, o polonês Kazimierz Wojno, 71 anos, foi estrangulado depois de um assalto à paróquia. Conhecido como Casemiro, o religioso deixou os fiéis órfãos. Com a sua morte, vieram diversas medidas para aumentar a segurança no local.
Pároco atual da igreja, o padre Rafael Souza dos Santos, 34, vive na mesma casa, nos fundos da igreja, onde Casemiro morava e foi morto. O receio do padre é que o passado recente, marcado pela barbaridade cometida contra seu antecessor, se repita. “É triste que um lugar de conforto e de acolhida fique famoso por uma coisa tão bárbara. Não sinto medo pelo que aconteceu, tenho receio do que pode vir a acontecer”, disse.
O religioso, no entanto, acredita que a violência não deve fazer com que as pessoas tornem-se reféns. “Vamos buscar sempre tomar as medidas cabíveis, mas não estou de acordo que vivamos com medo, senão, acabamos nós ficando presos”. A liberdade, entretanto, foi condicionada para maior segurança dos frequentadores da unidade paroquial. “Fizemos algumas mudanças técnicas e táticas para amenizar isso”, conta o padre.
O portão do fundo, que chegou a ser a entrada principal da igreja, agora fica fechado em tempo integral. Agora, somente o portão frontal (de frente para a via W3 Norte) permanece aberto. A secretária foi remanejada para a frente da igreja, onde possibilita-se uma visão do portão de entrada. Anteriormente, a sala da funcionária também ficava aos fundos da paróquia.
Além das mudanças logísticas, igreja e fiéis investiram em sistemas de segurança. “Estamos instalando câmeras, portões elétricos, alarmes e o monitoramento”, explica padre Rafael. Quem trabalha na igreja também teve que se adaptar à nova rotina. “Antes, todos os funcionários estavam aqui no mesmo horário. Agora, intercalamos, de modo que um entre pela manhã e outro pela tarde. O que chega por último, fica até o momento em que fechamos os portões”, conta.
A recepcionista Marta Maria da Costa, 41, costumava frequentar a Paróquia Nossa Senhora da Saúde. Ela não retornava à igreja desde a morte de padre Casemiro, e esteve no local na tarde de ontem. “Eu trabalhava aqui perto. Todos os dias, na hora do almoço, eu vinha aqui rezar. Mas, infelizmente, nem local que é santo os bandidos respeitam mais”, lamentou a moradora de Santa Maria.
Asa Sul
Titular da Paróquia Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora das Mercês, na 615 Sul, Frei Rogério Soares é mais um religioso que convive com a contradição entre o sagrado e a violência. “Chegamos a um nível que nos dá medo, porque antes as igrejas eram mais respeitadas. Não tínhamos notícias de que entravam para arrombar e assaltar. O sagrado tinha mais respeito. Isso me traz uma reflexão no sentido de que agora tudo pode”, lamenta.
O pároco chegou a colocar cadeado em um filtro da paróquia, que foi furtado, em abril de 2019. No entanto, a medida não impediu que, em novembro do mesmo ano, bandidos entrassem no local e roubassem um laptop da igreja. “Nos sentimos vulneráveis”, diz o frei.
A igreja agora conta com câmeras de segurança, cerca elétrica e cães de guarda, que são soltos à noite. Segundo Frei Rogério Soares, aos sábados e domingos, cerca de 2 mil pessoas passam pelo local. “É muito movimentado. Temos vários encontros, além dos grupos jovens. É uma paróquia muito viva e dinâmica. Muitos cursos acontecem aqui também. Então, é um centro onde circula muita gente”, explica.
Frei Rogério foi um dos religiosos que se reuniram com o cardeal arcebispo de Brasília, Sérgio da Rocha, em novembro do ano passado, para avaliar a segurança nas igrejas da capital e propor medidas preventivas. Na ocasião, o clero contou com a orientação de um especialista em segurança.
Paranoá
Para além do centro de Brasília, as igrejas das regiões administrativas também sofrem com a violência. Morador do Itapoã, um jovem de 19 anos, que preferiu não se identificar, lembra do dia em que foi assaltado nas dependências da Paróquia Santa Maria dos Pobres, no Paranoá. “Eu fui para a reunião de jovens e, quando estava saindo do banheiro, o rapaz me abordou e me empurrou para dentro do banheiro. Ele queria o celular. Só que eu reagi mais rápido do que ele imaginava. O empurrei e saí correndo. Ele fugiu e, na saída da paróquia, assaltou uma mulher. Um outro rapaz esperava por ele, no portão da da igreja. Em função da paróquia ser um local público, muitas pessoas entram para tomar água e ir ao banheiro. Então, aparecem pessoas estranhas por lá”, conta.
Para o rapaz, o lugar de acolhimento não oferece mais segurança para quem passa por ali em busca de paz. “É complicado, a gente pensa que, por ser um lugar sagrado, haverá a questão do respeito. Mas continuamos inseguros. Passamos a orientar os jovens que frequentam a igreja a andarem em grupo. Sempre juntamos todo mundo para ir embora juntos", relata o jovem.
Procurada pela reportagem do Correio, a Secretaria de Segurança informou que a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) realiza ações planejadas e integradas com as forças de segurança, além de patrulhamento e operações específicas para evitar que os crimes aconteçam. Em nota, a pasta alertou que, “por se tratar de um crime de oportunidade, é necessário que a população faça o acionamento da PMDF o mais rápido possível, e também o registro da ocorrência nas delegacias de polícia, para que, por meio de investigação, os autores de crimes possam ser identificados”.
Colaborou *Ana Maria da Silva, estagiária sob supervisão de Adson Boaventura
Memória
» Em setembro de 2019, a capela Nossa Senhora Aparecida, no Park Way, foi invadida durante a madrugada. Assaltantes levaram uma mesa de som, seis cálices, um ostensório e duas patenas banhadas a ouro, entre outros objetos religiosos.
» Em outubro de 2019, fiéis da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na QL 6/8 do Lago Sul, viveram uma noite de pânico. Dois assaltantes entraram no estacionamento interno da igreja e furtaram duas rodas de um veículo, quebraram os vidros de um carro e levaram a bolsa de uma mulher.
» Também em outubro do ano passado, a Paróquia Santo Antônio, em Ceilândia Sul, foi invadida por assaltantes, que arrombaram o cofre da igreja e levaram doações de fiéis.
No mesmo mês, o padre Kazimierz Wojno, da Paróquia Nossa Senhora da Saúde, na 702 Norte, foi morto estrangulado. Diversos objetos da igreja foram roubados.
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