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Crônica da Cidade

Correio Braziliense
postado em 14/03/2020 04:16

Abraços e palavras gentis

Costumo ser despreocupado em épocas de grande temor coletivo, como nestes tempos de novo coronavírus. Não ajo de forma irresponsável, como se o perigo não existisse, mas sempre acho (ingenuamente, eu sei) que nada grave vai acontecer comigo. Desta vez, porém, sinto mais medo do que em outras ocasiões, por dois motivos. Um: a pandemia é séria, dizem especialistas e governos, e temos de seguir as orientações para reduzir as chances de transmissão. Dois: tenho medo de ficar sem abraço.


Depois das mortes que tem provocado, o aspecto mais cruel desse vírus é que ele nos obriga a ficar distantes uns dos outros. Se eu ficar doente, não poderei pedir um abraço para minha mãe, meu irmão, meu amor? Não. Se os doentes forem eles, a mesma coisa. Nada de dar conforto, carinho... Triste demais.


 Nestes dias, lembro bastante em um experimento com macacos que, hoje, devido ao respeito maior que temos pelos bichos, nunca seria realizado (assim espero). Mas eram os anos 1950, e o psicólogo americano Harry Harlow decidiu investigar o apego em macaquinhos rhesus. Ele criou os filhotes em gaiolas onde havia duas "mães", na verdade pequenas esculturas feitas de arame que imitavam macacos.


 Em uma das "mães", os bichinhos podiam se alimentar, graças a uma mamadeira que ficava presa à estrutura. Na outra, eles tinham simplesmente conforto. A escultura era revestida com um tecido fofinho que dava a sensação de abrigo e bem-estar. Depois de dias vivendo assim, os macaquinhos eram expostos a um robô ameaçador, com dentes afiados e muito barulhento. A intenção do estudo era descobrir se, ao ficar com medo, para onde os bichinhos correriam. Para a "mãe" que dava alimento ou para a que dava carinho? Todos corriam para a segunda "mãe".


A primeira vez que vi os vídeos desse experimento, concluí que ele mostrava algo de que tinha certeza havia tempo: carinho é uma necessidade vital. É que nem ar, água ou comida. Se faltar por muito tempo, a gente acaba morrendo. E a raiva que sinto do novo coronavírus é que ele nos coloca em uma situação ainda pior que a dos macaquinhos do experimento, que conseguiam, ao menos, correr para o que lhes dava conforto.


 No início da epidemia na China, ainda em fevereiro, a tevê do país asiático mostrou uma das cenas mais tristes a que assisti nos últimos anos: uma garotinha de 5 anos sendo impedida de dar um abraço na mãe, que, por ser enfermeira, havia dias que não via a filha. A solução foi as duas se encontrarem do lado de fora do hospital, separadas por uma distância de metros, e abrir os braços, como se estivessem se abraçando a distância. A cena da menininha chorando com os bracinhos abertos, sem poder tocar a mãe, foi de partir o coração.


Vendo situações assim, penso que, ao menos, os humanos têm o dom da fala. Não é a mesma coisa, mas, na falta do toque, palavras amorosas têm o poder de aquecer um pouco nosso coração. Pelo menos isso o novo coronavírus não poderá nos tirar. Sejamos gentis, pois, uns com os ouros. Já basta o distanciamento. Espalhemos palavras gentis nestes dias tão duros que parecem se aproximar.

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