Cidades

Voo 1907: Os primeiros corpos

IML inicia autópsia para reconhecer as vítimas. Peritos recolhem sangue e documentos de parentes

Correio Braziliense
postado em 17/03/2020 06:01

IML inicia autópsia para reconhecer as vítimas. Peritos recolhem sangue e documentos de parentesEstas matérias foram publicadas originalmente nas edição do dia 4 de outubro de 2006 do Correio. A republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram

 

Dois corpos de passageiros do vôo 1907, resgatados na Serra do Cachimbo (sul do Pará), chegaram ontem ao Instituto Médico Legal (IML) de Brasília. As vítimas, um homem e uma mulher ainda não identificados, foram encontradas no domingo, e transportadas por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Estes são os primeiros corpos a chegarem ao DF.

 

Hoje, os legistas do instituto farão a autópsia e tentarão descobrir quem são as duas pessoas. Os peritos já conseguiram reunir 40 impressões digitais de moradores de Brasília que estavam no vôo, mas precisam que as secretarias de segurança estaduais mandem, com urgência, as digitais das outras vítimas, para facilitar a identificação.

 

O caminhão climatizado contendo as duas urnas chegou ao IML, às 17h40, escoltado por três carros da Polícia Civil. A entrada do instituto estava isolada por cordões, cones e uma cortina montada pelo Exército, além de estar protegida por policiais da Divisão de Operações Especiais (DOE). O objetivo era impedir que a imprensa tivesse acesso às imagens.

 

A estrutura montada no IML, que inclui duas barracas para abrigar os agentes de plantão, deverá ser mantida nas próximas semanas. De acordo com o presidente do instituto, José Flávio Souza Bezerra, novas vítimas poderão ser transportadas hoje para Brasília. Ontem, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que foram resgatados 30 dos 50 corpos encontrados na segunda-feira na parte traseira do boeing. Eles foram levados para a Fazenda Jarinã, no município de Peixoto de Azevedo, de onde devem seguir para a base aérea do Cachimbo. A equipe de buscas foi reforçada ontem, com a chegada de mais três aeronaves da FAB e de 27 oficiais. Agora, são 102 militares na região.

 

Os familiares das vítimas do acidente aéreo estiveram ontem no IML para ajudar a dar informações sobre os passageiros. Eles coletaram sangue para possíveis exames de DNA e levaram cópias de documentos de identidade contendo digitais. Assistidos por psicólogos, preencheram fichas com dados sobre a aparência física dos parentes. Até a noite de ontem, já havia 45 fichas. A expectativa do IML é que todas sejam preenchidas até o meio-dia de hoje. Somente ontem a Gol enviou a Brasília os dados dos cinco tripulantes.

 

IML inicia autópsia para reconhecer as vítimas. Peritos recolhem sangue e documentos de parentes“Esperamos identificar, prontamente, todos os corpos que chegarem”, disse o diretor do IML. Assim que souberem quem são as vítimas, os legistas liberam os corpos aos familiares e expedem o atestado de óbito. Os governos de Israel e da Alemanha se ofereceram para mandar peritos ao Brasil mas, segundo José Flávio Souza Bezerra, por enquanto não será preciso aceitar a ajuda. Para dar conta de abrigar todas as vítimas, o IML, que tem capacidade para armazenar cerca de 80 corpos, foi reforçado com cinco caminhões climatizados.

 

As primeiras tentativas de identificação acontecerão por meio de exames papiloscópicos, nos quais se colhe a impressão digital do corpo e confronta-se com os dados da carteira de identidade. Se isso não for possível, os peritos partem para o exame de DNA. Geralmente, em menos de uma semana saem os resultados. Isso depende da quantidade do material analisado. O IML espera recolher amostras de sangue, mas também pode analisar músculos e ossos.

Papa envia mensagem

Quatro dias após o acidente com o avião da Gol, o papa Bento XVI mandou uma mensagem de pesar. A nota foi divulgada ontem pela Nunciatura Apostólica no Brasil, apesar de datada no dia seguinte à tragédia, que aconteceu na sexta-feira. Confira a mensagem: “O Santo Padre, profundamente consternado pelo acidente aéreo ocorrido no planalto mato-grossense, invoca a misericórdia divina sobre os passageiros e tripulantes envolvidos na tragédia. Ao solicitar-lhe exprimir sua proximidade espiritual e as mais sinceras condolências aos familiares enlutados, Sua Santidade eleva fervorosas preces ao Todo-Poderoso em sufrágio pelo eterno descanso dos desaparecidos, enquanto envia confortadora Bênção Apostólica”. A nota é assinada pelo cardeal Bertone, secretário de estado do papa.

Gol: “Decio e Thiago são nossos heróis”

Embrenhados na mata em busca das vítimas do vôo 1907 da Gol, soldados encontraram ontem de manhã a cabine da aeronave. Dentro estavam os corpos do comandante Decio Chaves Junior e do co-piloto Thiago Jordão Caruso. Tão logo foi informada sobre a localização dos corpos, a Gol divulgou nota, em nome do presidente da companhia, Constantino de Oliveira Júnior. “Decio e Thiago são nossos heróis, assim como os comissários que integravam a tripulação. Merecem nossas homenagens e nosso agra-

decimento eterno. Nunca sairão de nossa lembrança”, enfatizou Constantino.

 

Com 26 anos de profissão, o comandante Decio Chaves Júnior, 44 anos, iniciou carreira de piloto na Transbrasil, onde ingressou em fevereiro de 1986. Começou a trabalhar na Gol em 2001. Com o registro de 15 mil horas de vôo, pilotava os Boeings 727 e 737 da Gol. O co-piloto do avião, Tiago Jordão, 29 anos, iniciou carreira de piloto em 1999 e ingressou na Gol em 2002. 

Buscas 

Interrompidos na tarde de segunda-feira por causa do mau tempo, os trabalhos de resgate foram reiniciados às 8h de ontem. Por volta das 17h15, ao final de um dia de buscas, o helicóptero Super Puma da Aeronáutica retornou à Fazenda Jarinã, em Peixoto de Azevedo, transformada numa espécie de quartel-general das equipes de resgate. Pendurada ao helicóptero, uma imensa rede de corda de náilon com 19 corpos de vítimas do acidente.

 

Embalados em sacos pretos, os corpos foram colocados no caminhão, à temperatura de 10 graus, por 18 homens do Corpo de Bombeiros de Sinop, a 500km da fazenda. Até a noite de ontem, não havia previsão para trazê-los para Brasília. Hoje, serão realizados exames de digitais e DNA nos corpos dentro do próprio caminhão.

 

Ontem, os peritos do Instituto Médico Legal de Brasília fizeram a primeira etapa de identificação das vítimas na selva. Fotografaram os corpos com uma placa para que tivessem um número de identificação. Na fazenda, recolheram material para exames de impressões digitais com tinta ou retirando um pedaço da pele. Também coletaram tecidos para exames de DNA, caso seja necessário. A perícia corre contra o tempo. Apesar de pouco mutilados, há corpos que, por causa do impacto da queda, afundaram cerca de 30cm no solo de turfa (composto em grande parte por vegetais). Se permanecerem muito tempo na selva, podem ficar cobertos, o que dificultaria a busca. 

Testemunhas do resgate

O empresário paulista Mauro Calais Siqueira não se conforma com tanta demora no resgate dos corpos. Com o irmão Plínio Siqueira Júnior entre as vítimas do desastre, ele afirma que nada justifica a morosidade da operação. Na segunda-feira, no entanto, ele viu de perto as dificuldades enfrentadas pelos militares da Aeronáutica que trabalham na área onde ocorreu o acidente. Mauro, junto com outros sete familiares de passageiros, sobrevoou de helicóptero o local da queda do avião.

 

“A vista lá de cima impressiona. Há pedaços do avião espalhados em um raio de 20km. Conseguimos ver algumas peças do tamanho de uma porta suspensas nas copas das árvores, que atingem até 40m de altura”, relatou. Se a paisagem oferecida pela janela do helicóptero chocou o empresário, descer no meio da floresta o deixou ainda mais alarmado. “A copa das árvores funciona como uma espécie de estufa”, comentou.

 

O que mais chamou a atenção de Mauro foi a quantidade de abelhas que viu no local. “Eram muitas e pousavam na gente o tempo todo. O piloto do helicóptero comentou que só não tinha mais abelha porque a hélice estava ligada e o vento espantava os insetos”, contou.

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