O maior acervo de fungos nativos do cerrado, com 25 mil espécimes, está na Universidade de Brasília (UnB). Essa coleção, agrupada ao longo de 25 anos, sobretudo pelo professor emérito José Carmine Dianese, do Instituto de Biologia (IB), começa a ter o potencial explorado. As primeiras iniciativas vão de usá-los para o tingimento de tecidos, combate a substâncias cancerígenas e até ao mosquito transmissor da dengue, o Aedes aegypti.
Inspirado pela curiosidade científica dos alunos de pós-graduação, o fundador da Coleção Micológica do Herbário Universidade de Brasília (CMHUB) decidiu estudar os fungos do Cerrado. O interesse surgiu a partir de uma aula que exigia a identificação de dez fungos de gêneros diferentes. Mas as dificuldades surgiram aos poucos, já que alguns espécimes eram difíceis de serem identificados e desconhecidos pela ciência.
Depois da descoberta de 150 espécies, 20 gêneros, e a proposta de uma nova família para os fungos do cerrado, o projeto ganhou repercussão internacional. “Se você está trabalhando com ciência, tem que se preocupar com a repercussão. Nossa coleção de fungos conseguiu isso”, comemora o professor Dianese.
A coleta das amostras foi realizada no bioma cerrado, em Brasília, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Tocantins. Para o atual coordenador da CMHUB, Danilo Pinho, estudar os fungos é importante devido ao alto potencial de aplicação. De acordo com ele, vários processos do cotidiano, como a fermentação, o antibiótico e combustíveis de segunda geração, foram descobertos por meio desses organismos, além de serem importantes para o equilíbrio da natureza. O acervo da UnB abriga fungos vivos e conta com um grupo conservado em plantas, o herbário.
Armazenada em temperatura de aproximadamente 16ºC, a coleção é feita em três passos: coleta, identificação e estudo. Segundo Danilo Pinho, o projeto tem como objetivo avaliar as situações às quais os fungos podem ser submetidos. “Hoje, com a coleção, queremos identificar as amostras fúngicas e entender o potencial de aplicação, principalmente com as espécies do cerrado”, diz.
Diferentes descobertas já foram feitas por estudantes e por professores. No ano passado, elas ilustraram a capa da principal revista científica de micologia, ciência que estuda doenças das plantas. O estudo mostrou a sugestão de nova família de fungos do cerrado, artigo escrito a partir da tese de uma doutoranda.
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Uma das utilidades do herbário é descobrir patógenos que atacam as plantas. A ideia é identificar o organismo e ver as principais estratégias de controle para essas doenças. O professor explica que o acervo fúngico da UnB é Fiel Depositário, ou seja, é uma coleção validada internacionalmente. “Recebemos muitos pesquisadores que buscam analisar nosso material, pessoas do Brasil inteiro e até mesmo de fora do país”, conta Pinho.Outra utilidade é o tingimento de tecidos. “Hoje, o jeans não é mais algodão, mas, sim, poliéster, que vem do petróleo. Quando era produzido a partir do algodão, ele ficava duro como um papelão. Para ficar maleável, era feito um tratamento com enzimas celulares, que eram obtidas a partir de um fungo chamado trichoderma”, ressalta.
O combate de substâncias cancerígenas também foi uma importante descoberta feita com a espécie. De acordo com o coordenador do projeto, a descoberta foi feita em consequência de uma parceria com o curso de farmácia. “Ao pesquisarmos sobre substâncias produzidas pelo fungo, encontraram alguns com potencial para produzir asparaginase, enzima que degrada compostos cancerígenos presentes em alguns alimentos, por exemplo”, acrescenta o pesquisador.
Combate à dengue
O potencial das plantas do cerrado vai além. Nos fungos presentes nestes vegetais, foram encontrados potenciais para combater as larvas do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue. A professora do Laboratório de Farmacognosia, Lorena Carneiro Albernaz, diz que, hoje, a vigilância de saúde e a população fazem uso de alguns inseticidas para o combate do mosquito que apresentam toxicidade e falta de eficiência no combate. “Já existem muitos estudos mostrando que os mosquitos apresentam resistência, ou seja, já não morrem mais com eles”, relata.Com isso, a professora afirma que, devido ao crescente nível de resistência, têm-se buscado alternativas capazes de combater esse vetor e que causem menos danos ambientais. Para isso, a equipe do laboratório recorreu aos fungos: “Eles constituem excelentes fontes de moléculas bioativas, e a descoberta de novos microrganismos é frequentemente associada a novos produtos naturais”, acrescenta. “Existem relatos na literatura mostrando que substâncias produzidas por fungos endofíticos podem apresentar atividade larvicida e com baixa toxicidade para organismos não-alvo”, completa.
Lorena ressalta que o laboratório está próximo de alcançar a meta com os fungos. “Queremos conseguir um novo inseticida não tóxico, que não apresente resistência, e que não interfira nos organismos e em seres que não são os alvos, como abelhas ou organismos aquáticos. Toda a população sai ganhando”, compartilha.
Hoje, o projeto está na fase de isolamento e identificação da substância ativa de um fungo endofítico, ou seja, extraído de uma planta do cerrado, para começarem os estudos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Esperamos que tudo corra bem para que ela possa virar um novo inseticida para controle do vetor da dengue”, explica.
* Estagiários sob supervisão de Mariana Niederauer
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