O pagamento de funcionários da rede privada de ensino, a perda do ano letivo e os prejuízos à aprendizagem são as atuais preocupações de pais, alunos e professores. De acordo com Álvaro Domingues, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe/DF), as instituições e o governo deverão levantar mais possibilidades para reorganizar o período de aulas após o término da pandemia de coronavírus.
“Hoje, o cenário é diferente diante dessas 20 semanas [período de isolamento previsto pelo Ministério da Saúde]. As possibilidades são: antecipação do recesso em julho, uso do recesso em dezembro ou avançar o ano letivo para o ano civil que vem”, avaliou.
O posicionamento foi feito durante entrevista ao programa CB. Poder desta quarta-feira (18/3), uma parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília. Álvaro Domingues ainda comentou sobre o reflexo da economia dentro da educação. “Mesmo que tenhamos inadimplência nas escolas, os administradores tenham como prioridade o pagamento dos salários de todos os colaboradores, e os outros pagamentos como fornecedores, concessionárias de água e luz, ou mesmo os tributos, a gente vai ter que contar com a contribuição do estado”, destacou. Confira na entrevista:
Foi divulgada, nesta quarta-feira (18/3), uma determinação do Ministério da Educação autorizando as universidades federais a darem aulas à distância (EAD), para tentar minimizar o impacto do ano letivo aos alunos. Isso pode acontecer também com as escolas?
No caso do ensino superior, isso já está regulamentado. Aliás, a possibilidade do ensino a distância já era de 40%. O que o ministro soltou é uma portaria regulamentando essas atividades para que elas possam ser contabilizadas como atividade letiva dentro do plano de curso de cada instituto de educação superior. Na educação básica, não existe uma normatização tão precisa como essa. Vamos considerar também a questão da faixa etária. A educação básica é composta pela educação infantil, que é a creche e a pré-escola, o ensino fundamental 1 e 2, e o ensino médio, além de modalidades como educação de jovens e adultos. Mas, basicamente, estamos falando de uma idade que se inicia na creche, com cerca de um ano, e vai até os 17 anos. Também tem que ficar claro que a regulamentação para a educação básica é feita nos estados. Portanto, é o Conselho de Educação do Distrito Federal que deve ser ouvido.
O ministro da Saúde disse que nós teremos ainda uma leva de casos e que só devemos chegar no platô, que é onde há uma diminuição, lá para o mês de julho. O número só deve começar a cair mesmo em agosto. Nós já estamos com um número de casos superior ao que a Itália apresentou nos 20 primeiros dias. Como as escolas vão se preparar para isso? Como vai ficar esse calendário escolar?
Você me surpreendeu com essa informação aqui. Eu não tinha me atentado para isso. Nós estamos em um cenário que possivelmente pode ficar até mais grave que o da Itália, mas nós desenhamos um cenário, até então, de seis semanas, e não de 20 semanas [período de isolamento previsto pelo Ministério da Saúde]. Cerca de um mês e meio. E pensamos que, caso se antecipasse o recesso de julho, daria cerca de 10 a 15 dias deste mês, os sábados ao longo do segundo semestre e também um pequeno recesso no final do ano, de forma que o ano letivo terminasse dentro do ano civil. Hoje, o cenário é diferente diante dessas 20 semanas. As possibilidades são: antecipação do recesso em julho, uso do recesso em dezembro ou avançar o ano letivo para o ano civil que vem.
Qual o impacto no ensino, efetivamente?
Existem estudos que demonstram claramente que quanto mais presente o aluno na instituto de educação, em geral, mais efetivo é o seu aprendizado. Então, quando a gente vivencia uma situação atípica assim, em que o aluno não vai frequentar, é lógico que vai haver um prejuízo. O que nós temos que desenvolver são alternativas de mitigar esse prejuízo. E o mais interessante é que você só vai conseguir tangenciar esse resultado mais pra frente. A nossa avaliação de hoje, em sistemas como Pisa e outros, ou mesmo o Enade, é muito ruim. Então, quando você deixa de concluir um planejamento efetivo, você, com certeza, terá um prejuízo na aprendizagem.
E onde entra o papel dos pais?
Eu compreendo a educação, e principalmente a aprendizagem, como algo que não se restringe ao espaço educacional. Na verdade, todos nós, hoje, estamos aprendendo o tempo todo. Então, nesse aspecto a gente tem que quebrar o paradigma. Aprendizagem não se faz só no ambiente escolar, só na presença de um professor.
No início de governo do presidente Bolsonaro teve muita gente interessada, e inclusive projetos de lei, no ensino em casa — o homeschooling. O senhor acredita que isso deve ser ampliado agora?
Acho que essa situação excepcional vai ampliar o homeschooling, mas não da forma como foi proposta no Estados Unidos e Inglaterra. Existe um componente muito importante: nós aprendemos muito pela interação entre nós, e o espaço escolar permite essa interação e essa aprendizagem. A aprendizagem em soft skils, que são as aprendizagens sócio-emocionais, de maturidade, é captada na convivência. Então, o ambiente familiar reduz esse espaço de aprendizagem. Em um mundo com tanta diversidade, é necessário que tenhamos nos espaços escolares essa oportunidade de aprender com o diferente. O homeschooling pode até acontecer dentro do sentido lato da palavra, mas, jamais, em um espaço social. E a escola, nesse aspecto, seria substituída em uma convivência. Porque, é ali que o aluno vai aprender a liderança, a cooperação, a resiliência.
Existe alguma creche particular que ainda está funcionando?
Preliminarmente, quando nós nos reunimos com a Secretaria de Educação, eles divulgaram que, pelo relevante interesse social, elas funcionariam. Eu achei muito plausível. Eu ouvi pessoas falando a favor e contra. Alguns pais me ligavam e falavam que tinham mais confiança em deixar o filho em uma creche do que contratar uma pessoa desconhecida. E também para nós, do ponto de vista de como é estruturada, a reposição é mais difícil porque é uma faixa etária precoce. Nós nos somamos ao princípio do governo. Só que no texto da lei, não veio essa excepcionalidade. Existem pais que acham que tem que interromper tudo, de fato. Temos que pensar e respeitar também as pessoas que trabalham com essas crianças, e que tem que se deslocar até as creches. Então, nesse momento, onde eu ouvi muitos argumentos dos professores de educação infantil, da creche e da escola, eu me somei àqueles que acham que tem que interromper todas as atividades.
Como o senhor avalia o trabalho feito pela Secretaria de Educação até agora?
Primeiro eu tenho que elogiar a disponibilidade e empenho das autoridades em resolver isso. Mas eu imagino que uma atividade que envolva cerca de 600 mil estudantes, quase um milhão de famílias, e sabendo que essas pessoas têm que se deslocar, eu acho que deve haver mais planejamento para não causar tanto pânico. Imagino que um planejamento mais cadente, e não tão abrupto como aquele decreto na quarta-feira à noite, poderia passar mais segurança para as pessoas se planejarem. Então, no ideal, nós poderíamos levar três dias informando as famílias, repassando os atos de higiene, a importância de não conviver com pessoas mais idosas, que são mais vulneráveis, repercutir mais essas informações. Teria sido algo mais tranquilo, mas quando eu perguntei isso ao secretário, ele falou que naquele momento eles preferiram todo o ônus de uma decisão que eu chamei de intempestiva, porque achava mais importante do que fazer de uma maneira planejada como São Paulo fez.
Os professores, pessoal da limpeza e outros funcionários vão continuar recebendo?
Eu não tive ainda uma reunião com a minha diretoria para falar em termos institucionais pelo Sinepe. Eu tive uma reunião com o advogado e nós fizemos essas ponderações. Eu penso que hoje, até para poder contribuir com a manutenção de uma tranquilidade maior na sociedade, mesmo que tenhamos inadimplência nas escolas, os administradores tenham como prioridade o pagamento dos salários de todos os colaboradores, e os outros pagamentos como fornecedores, concessionárias de água e luz, ou mesmo os tributos, a gente vai ter que contar com a contribuição do Estado.
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