Cidades

Crônica da Cidade

Correio Braziliense
postado em 24/03/2020 04:06
Ataque de abelhas

As abelhas se agitaram, atacaram e mataram três cães no Guará 2. Na casa onde os cachorros estavam, havia 14 crianças. O Corpo de Bombeiros precisou ser acionado para retirar o enxame. Ao ler a notícia no caderno Cidades, me lembrei de uma situação meio surreal vivida na adolescência.

Eu morava em um antigo casarão, em Planaltina, com um quintal imenso, que era quase uma chácara, pontilhada de mangueiras, abacateiros, jambeiros, romãzeiras e outras árvores frutíferas. Meu pai era um nordestino meio alucinado, de instinto veloz e ações abruptas. Certo dia, apareceu um enxame de abelhas e ele resolveu abrigá-lo em um armário perto da casa. Fui contra a ideia temerária, mas ele garantiu que não havia problema e seguiu na empreitada delirante.

Tudo transcorreu bem durante algum tempo. Metido naquela roupa de astronauta dos apicultores, recolheu, com deleite, várias safras de favos de mel. No entanto, certo dia, aconteceu um movimento inesperado. Do nada surgiu um enxame das ferozes abelhas-africanas, que se misturaram com as criadas em casa e congestionaram o espaço aéreo em nuvens assanhadas e ameaçadoras sobre nossas cabeças. Elas faziam uma música de guerra e investiam contra os donos da casa, os cachorros, as galinhas e os passantes da rua. Posicionavam-se como uma esquadrilha muito bem organizada para desfechar as ofensivas.

Naquele tempo, não existia, ainda, em Planaltina, uma corporação de bombeiros a quem recorrer em situações como a que vivíamos. O pânico estava instalado, não apenas em casa, mas também na vizinhança e na rua. Como sempre, meu pai agiu rápido; para o bem e para o mal, meteu-se na roupa de astronauta, pegou um galão de querosene e ateou fogo no armário.

Aí é que elas se tornaram ainda mais agressivas, rodopiavam no meio das chamas e da fumaça e atacavam o que encontrassem pela frente. No entanto, a solução extrema do meu pai funcionou. Depois do alvoroço inicial, elas se dispersaram até a estridente música de guerra se reduzir a um zumbido distante.

No ápice da fúria, as abelhas deixaram tombadas pelo chão várias galinhas. Ao depararmos-nos com o estrago nos animais domésticos, cavamos buracos e enterramos os bichos no fundo do quintal. Aquela manhã dramática nos deixou em estado de choque, mas as surpresas ainda não haviam cessado.

Em determinado momento, a minha mãe gritou no quintal assustada, e nós corremos para prestar socorro: as galinhas que enterramos fendiam aterra, botavam o pescoço para fora em busca de ar e caminhavam fagueiras pelo quintal.Tudo terminou com uma cena de realismo fantástico que parece escrita por García Marquez. Na verdade, elas não haviam morrido, como imaginávamos. Ficaram apenas atordoadas pelo veneno das abelhas e resolveram ressuscitar.
 
 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags