Cidades

A máfia dos combustíveis: Cartel de escândalos

Escutas telefônicas confirmam a prática de combinação de preços de combustíveis no DF. Feitas pela Polícia Civil do DF, as gravações citam também políticos que poderiam facilitar aprovação de projetos para o setor

Correio Braziliense
postado em 27/03/2020 06:00
Escutas telefônicas confirmam a prática de combinação de preços de combustíveis no DF. Feitas pela Polícia Civil do DF, as gravações citam também políticos que poderiam facilitar aprovação de projetos para o setorEsta matéria foi publicada originalmente na edição de 21 de setembro de 2003 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram

Sonegação de impostos, formação de cartel, tráfico de influência, adulteração de combustíveis, conluio entre distribuidoras e revendedoras são as faces de um esquema que causa prejuízo aos cofres públicos e principalmente aos consumidores do Distrito Federal. As denúncias são tantas que, desde o início das investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Legislativa, foram instaurados 47 inquéritos na Delegacia do Consumidor (Decon) e 20 pessoas já foram indiciadas.

Instalada em 1º de abril para apurar denúncias de aumentos abusivos dos preços da gasolina e álcool no DF, a CPI conclui os trabalhos até 30 de outubro. Nos últimos 135 dias, a comissão conseguiu reunir farta documentação que comprovam práticas que impedem a livre concorrência de preços no DF.

 

Além dos documentos da CPI, o Correio teve acesso a escutas telefônicas feitas, com autorização judicial, pela Polícia Civil do Distrito Federal, que já apurava as suspeitas de formação de cartel antes mesmo da instalação da CPI. Foi grampeado o telefone do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e de Lubrificantes do DF (Sinpetro). Os diálogos, gravados em novembro de 2002, revelam como são passadas as informações de preços que devem ser praticados na praça. E sugerem a existência de uma rotina de combinação de valores entre os empresários do setor por meio do Sinpetro. 

 

Nas ligações, o personagem principal é o secretário-executivo do Sinpetro, Miguel Distretti. É com ele que empresários pedem para falar para obter os preços. Num dos trechos, Miguel repassa: ‘‘A previsão... a gasolina deve ir pra dois...- dois e vinte. Dois e vinte e um’’, avisa Miguel. O interlocutor, identificado como Bráulio, pergunta outros preços. ‘‘E o Diesel?’’. Miguel responde: ‘‘O diesel deve ir para um, vinte e nove; um, vinte e oito...’’. Bráulio combina: ‘‘Vamo pôr um e vinte e nove, né?’’. E reafirma: ‘‘Certo’’ (leia diálogos na página ao lado).Escutas telefônicas confirmam a prática de combinação de preços de combustíveis no DF. Feitas pela Polícia Civil do DF, as gravações citam também políticos que poderiam facilitar aprovação de projetos para o setor

 

Políticos citados

As conversas gravadas também mostram a relação do sindicato com parlamentares. O deputado federal José Roberto Arruda (PFL) é citado em alguns trechos. Os interlocutores demonstram grande preocupação com supostas ameaças de Arruda ao Sinpetro. ‘‘E...mas diz ele que o negócio .... pelo que o Arruda falou, diz ... que o negócio tá preto mesmo, sabe? Vai jogar banana no ventilador, né?’’, diz um interlocutor não identificado pela Polícia. ‘‘Pois é, então nós temos, que realmente, sentar com ele (Arruda) e mostrar que, realmente, o buraco é mais embaixo e tal, né?’’. 

 

Os diálogos insinuam que Arruda estaria insatisfeito com o presidente do Sinpetro, Carlos Recch, porque este não o teria ajudado na campanha (leia trechos na página ao lado, embaixo). E, por isso, ameaçava denunciá-los ao Ministério Público por aumento indevido de preços.

 

Também são citados Rodrigo Rollemberg (PSB) e Lúcia Carvalho (PT), que estavam em fim de mandato na Câmara Legislativa, e o deputado distrital Paulo Tadeu (PT). Na conversa entre o presidente do Sinpetro, Carlos Recch, com uma pessoa identificada como Antônio — provavelmente Antônio Matias, um dos sócios da Gasol, de acordo com pessoas que participam da investigação — os três políticos são apontados como pessoas que poderiam facilitar a aprovação de projetos de interesse do sindicato.

 

‘‘E tá bem para chuchu, tá na ordem exata. A Lúcia, por exemplo, a Lúcia e o Rollemberg tão saindo e nós ajudamos pra chuchu. O Paulo Tadeu também ajudei, apesar não ter muita obrigação com ele. Se a gente precisar, tá na hora agora. Se for contra o governador, agora a gente consegue tudo’’, diz Antônio a Recch. (leia abaixo esse trecho).

 

 

Tráfico de drogas

 

A partir da suspeita de que os donos dos postos combinam preços, a CPI descobriu um leque ainda maior de crimes que podem estar sendo cometidos. A mais nova denúncia é de que lojas de conveniência dos postos de gasolina estariam servindo também de ponto de tráfico de drogas.

 

A direção da Polícia Civil acionou três divisões do Departamento de Atividades Especiais (Depat), na semana passada, para apoiar as investigações da CPI. ‘‘Vamos instaurar inquérito na Divisão de Repressão ao Crime Organizado com base nos documentos que a CPI vai nos enviar. Entre as denúncias, também vamos investigar a hipótese de tráfico nos postos de gasolina’’, disse o delegado Celso Ferro, diretor do Depat.

 

Quatro policiais civis — dois deles do Serviço de Inteligência — já trabalham diretamente com os distritais que comandam as investigações na Câmara Legislativa. Os deputados Eurides Brito (- PMDB), Chico Vigilante (PT) e Augusto Carvalho (PPS), em parceria com a delegada Roseliane Borges de Araújo, da Delegacia do Consumidor (Decon), já sofreram ameaças por insistirem nas apurações. ‘‘Somos reféns de uma máfia de combustíveis no DF’’, afirma Chico Vigilante (PT). ‘‘Não vamos desistir até que tudo esteja esclarecido. Não podemos permitir que o consumidor do Distrito Federal seja penalizado com tantos aumentos’’, diz a presidente da CPI, Eurides Brito (PMDB).

 
“Se for contra o governador, agora a gente consegue tudo.”

Numa das conversas gravadas, o presidente do Sinpetro, Carlos Recch (identificado nas degravações como Carlos Reich), recebe ligação de um homem, apontado como o empresário Antônio José Matias de Souza, um dos sócios da Gasol, que demonstra ter relação com deputados distritais

 

Carlos Reich — Alô? 

Antônio — Oi, presidente, tá bom? 

Carlos Reich — Tudo bem. 

Antônio — Eu falei com três feras lá da Câmara, tá? Falei com Rollemberg, falei com Lúcia Carvalho e falei com Tadeu...é...Paulo Tadeu, sabe? Ficaram super interessados e disse que pode deixar que vai me dar o retorno. O homem não tinha lido o projeto ainda. Por exemplo, ia chegar agora na Câmara, ler e passar pra mim, tá? Eles ficaram todo oriçado, viu?

Carlos Reich — Pois é, porque o...o...(...) 

Antônio — Não, claro, claro....pois é, é emenda. E tá bem pra chuchu, tá na ordem exata . A Lúcia, por exemplo, a Lúcia e o Rollemberg tão saindo e nós ajudamos pra chuchu. O Paulo Tadeu também ajudei, apesar de não ter muita obrigação com ele. Se a gente precisar, tá na hora agora. Se for contra o governador, agora a gente consegue tudo. Dois homens não identificados pela polícia conversam sobre supostas ameaças do deputado José Roberto Arruda (PFL).

H5 — O negócio é seguinte: aquele negócio do Arruda...é...da nota lá do jornal..

H4 — Hanrã! 

H5 — O negócio é bem mais quente do que a gente tá imaginando, sabe? Ele tá querendo botar (o pau) pra quebrar, mesmo, em cima da gente

H4 — Hanrã! 

H5 — Agora, dizendo ele pro Zé Carlos (vice-presidente do Sinpetro) de que o problema não com as empresas, não é nada, é com o sindicato. Ele tá mordido com Reich, né?

H4 — Ah é? 

H5 — É, porque Reich não ajudou ele e tal, né? Na campanha, ele falou isso pra gente, né? E, então é...Só que pô, mexeu com o sindicato mexe com a gente, né?

H4 — É. 

H5 — Então, o Zé Carlos tá fazendo o seguinte: ele tá tentando... é... já falou com ele agora e eu tô ligando para o senhor exatamente porque não tô conseguindo falar nem com Antônio nem com Limeira…

H5 — E o...ele falou: ‘‘Arruda, eu acho que antes de você começar a dar...’’ E ele já deu entrevista no jornal deve sair alguma bomba amanhã, já. 

H4 — Hanrã! 

H5 — ‘‘É, eu acho que em vez de você tá dando entrevista por aí, você devia conversar com seus amigos, né?’’

H4 — Certo. 

H5 — Aí ele: ‘‘não, o que é isso! Com os meus amigos eu vou sempre conversar. Pode vim todas as pessoas que eu vou sentar com vocês e conversar.’’ 

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