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Combustíveis: Guerra de preços em Taguatinga

Rede Gasol cobra R$ 0,92 pelo litro do álcool e provoca reação de concorrentes. Grupo é acusado de concorrência predatória para quebrar os estabelecimentos de menor porte

Correio Braziliense
postado em 27/03/2020 06:01

Rede Gasol cobra R$ 0,92 pelo litro do álcool e provoca reação de concorrentes. Grupo é acusado de concorrência predatória para quebrar os estabelecimentos de menor porteEsta matéria foi publicada originalmente na edição de 29 de abril de 2004 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram

O centro de Taguatinga virou território de guerra. O confronto é entre comerciantes e, por enquanto, a vitória é dos consumidores. Os postos de combustíveis da região estão reduzindo os preços da gasolina e do álcool para enfrentar a concorrência. No entanto, por trás da disputa, há a denúncia de crime contra a ordem econômica. O valor cobrado pelo posto da rede Gasol, por exemplo, caiu tanto que levantou a suspeita de o estabelecimento estar vendendo o produto abaixo do preço de custo para arruinar os concorrentes, o que caracteriza dumping.

A disputa se acentuou nas últimas duas semanas. A remarcação de preço é constante entre os postos da Avenida Comercial em Taguatinga. A concorrência aumentou quando o posto American Petro, do grupo Jarjour, fixou preço promocional de R$ 0,98 para o litro do álcool. O posto Alameda, da rede Gasol, reagiu e o álcool chegou a cair de R$ 1,02 para os atuais R$ 0,92 (veja tabela ao lado). É possível encontrar o litro da gasolina por R$ 1,72.

O Sindicato dos Revendedores de Combustíveis do Distrito Federal alerta que a guerra é predatória e causará prejuízo aos postos da região. ‘‘Essa disputa de mercado virou uma coisa insana. Os preços cobrados em Taguatinga não podem servir de referência para o mercado’’, afirma Carlos Recch, presidente do sindicato. ‘‘ Os postos de lá estão vendendo a preço de custo. Praticamente, sem margem de lucro.’’

O dono do posto American Petro, Abdallah Jarjour, afirma que continuará vendendo o álcool a R$ 0,92. ‘‘Eles reduziram, e eu também. Vou continuar enfrentando essa pressão da Gasol, que é uma forma de tentar nos tirar do mercado”.

O empresário afirma que teve de abrir mão da margem de lucro para acompanhar o preço da Gasol.‘‘Meu posto tem 33 anos e eu sempre vendi gasolina mais barato no Distrito Federal‘‘, denuncia Jarjour. ‘‘O posto ao lado, que é da Gasol, vem tentando me neutralizar. Querem me impedir de fazer promoção. Reduziram tanto o álcool, em reação aos meus preços, que é impossível ter lucro”.

O empresário Márcio Luiz Souza também se sente prejudicado com a redução no preço do álcool, promovida pela Gasol em Taguatinga. Como a Gasol, ele é revendedor da BR Distribuidora e afirma não ser possível baixar tanto o preço do álcool sem ter prejuízo. Notas fiscais mostram que a BR vende o litro do álcool a R$ 0,93.

 

‘‘Como um posto pode comprar a esse preço e revender a R$ 0,92? A Gasol suporta o prejuízo porque é uma rede grande. Pode compensar isso nos outros postos que tem no Plano’’, aponta Souza, que tem um posto na EPTG. Ele vende o litro do álcool a R$ 0,93. ‘‘Estamos operando no limite’’, diz. Segundo o Sindicato dos Revendedores, com base em pesquisa da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o litro do álcool está sendo vendido pelas distribuidoras em torno de R$ 0,90, e o preço da gasolina varia entre R$ 1,66 e R$ 1,70.

 

Rede Gasol cobra R$ 0,92 pelo litro do álcool e provoca reação de concorrentes. Grupo é acusado de concorrência predatória para quebrar os estabelecimentos de menor porteOs empresários estranham o fato da Gasol não estender a promoção aos outros postos de sua rede, principalmente no Plano Piloto. Enquanto a Gasol vende o litro do álcool em Taguatinga a R$ 0,92, seus postos cobram R$ 1,15 no Plano (veja tabela). Também há diferença na gasolina. Em Taguatinga centro, o posto da Gasol vende o litro por R$ 1,74. No Plano, o preço sobe para até R$ 2,01.

 

O gerente do posto Alameda (Gasol), Rodrigo da Silva, confirma que o preço do álcool foi reduzido em reação à promoção do posto vizinho. ‘‘Temos de acompanhar a concorrência’’, justificou. Segundo ele, as vendas do álcool no posto em Taguatinga aumentaram 70% depois que o preço caiu para R$ 0,92. Também disse que a margem de lucro foi bem reduzida, mas não quis revelar para quanto. A direção da rede Gasol foi procurada, mas não atendeu ao Correio.

 

A guerra de preços tem data para acabar, na avaliação do presidente do Sindicato dos Revendedores de Combustíveis. ‘‘Os postos não suportarão manter os preços tão baixos. Não poderão cobrir suas despesas’’, sentencia Carlos Recch. Ele esclarece, no entanto, que o sindicato não se envolve na fixação de preços e nem vai se intrometer na disputa entre os revendedores de Taguatinga.

 

A rede Gasol, a mais forte do DF (com 80 postos), já foi denunciada pela CPI dos Combustíveis da Câmara Legislativa por promover concorrência desleal e participar de cartel (combinação de preços). ‘‘Pequenos empresários estão sendo pressionados a fixar os preços que a rede mais forte impõe. É mais um golpe baixo de segmentos do setor. A concorrência deve ser saudável, e não predatória’’, avalia o deputado distrital Augusto Carvalho (PPS), um dos cinco membros da CPI.Rede Gasol cobra R$ 0,92 pelo litro do álcool e provoca reação de concorrentes. Grupo é acusado de concorrência predatória para quebrar os estabelecimentos de menor porte 

 

Postos serão investigados

A Promotoria de Defesa do Consumidor fará hoje uma blitz nos postos de gasolina do Distrito Federal. Dois promotores e representantes da Delegacia do Consumidor, do Procon e da Agência Nacional de Petróleo (ANP) vão às ruas numa operação de fiscalização da qualidade e dos preços dos combustíveis. O Ministério Público (MP) também apura suspeita de sonegação fiscal.

 

Os promotores visitarão, entre outros, os postos de Taguatinga que travam a guerra de preços. Segundo o MP, a redução significativa dos preços dos combustíveis pode ser conseqüência de eventual não pagamento de imposto em alguma fase da operação de revenda. Geralmente, isso ocorre entre a saída do produto das distribuidoras e a chegada às revendedoras.

 

A promotora Liz Elaine de Silverio alerta que, num primeiro momento, as promoções entre os postos de Taguatinga beneficiam o consumidor, mas isso pode ser apenas uma ilusão a curto prazo. ‘‘Se essa guerra quebrar os concorrentes e apenas o mais forte sobreviver, este poderá impor seu preço e aumentar o combustível novamente’’, diz a promotora de Defesa do Consumidor. ‘‘Abaixar o preço de custo para eliminar concorrência é crime contra a ordem econômica, previsto na lei 8.137’’, reforça.

 

‘‘Por enquanto, não podemos afirmar que há crime de ordem econômica em Taguatinga. Há vários fatores que podem levar a uma baixa do preço. Qualquer estabelecimento tem direito de fazer promoções. O que vamos investigar é se essa promoção da Gasol tem o objetivo de quebrar os concorrentes vizinhos’’, explica o promotor de Defesa do Consumidor, Leonardo Bessa.

 

Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), que investigou o contrato da BR Distribuidora com a rede Gasol, concluiu em março que, ao conceder condições privilegiadas a Gasol, a BR Distribuidora propiciou um cenário para ‘‘dumping e cartelização’’.

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