Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 22 de setembro de 1982 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
A Delegacia de Homicídios já está investigando novamente e com cautela - nove anos depois - o assassinato da menina Ana Lídia Braga, de 7 anos, ocorrido em circunstâncias misteriosas na noite de 11 para de 12 de setembro de 1973, numa área de cerrado situada no Campus da Universidade de Brasília, nas proximidades do Centro Olímpico. O delegado-chefe da Homicídios, Carlos do Amaral Valadão, está atuando no caso por recomendação de dois desembargadores do Tribunal de Justiça. O rumuroso Caso Ana Lídia volta para a esfera policial porque os acusados do bárbaro crime, o irmão da vítima, Álvaro Henrique Braga, e um amigo da família Braga, Raimundo Lacerda Duque, foram julgados e absolvidos, embora o segundo tenha sido condenado a três anos e nove meses de reclusão por falsidade ideológica e uso de documento falso.
Desta forma, tendo em vista o fato de o crime de Ana Lídia ter ficado sem autoria, o Tribunal de Justiça, que confirmou a sentença de primeira instância, recomendou que a polícia prosseguisse nas diligências, a fim de elucidar o caso. Um ofício neste sentido foi encaminhado ao corregedor-geral de polícia, delegado Jairo Alexandre, pelo juiz da 4ª Vara Criminal, Júlio de Oliveira.
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Além do ofício, o delegado Valadão recebeu uma cópia do acórdão, em 90 folhas datilografadas, e após analisar a decisão do Tribunal de Justiça solicitou o processo que se encontrava na Vara da Execuções Criminais. O processo, que está distribuído em 8 volumes e contendo mais ou menos duas mil e 200 folhas, começou a ser reproduzido por meio de fotocópias.
Nenhum suspeito
“Quero deixar claro que estou investigando o crime de Ana Lídia como se fosse um outro qualquer” - declarou o delegado Carlos do Amaral Valadão, acrescentando: “Vou começar as investigações desde a ocorrência do fato até analisar o processo inteiro: trata-se de um trabalho árduo, cansativo, demorado; por enquanto não posso dizer nada, aliás nem poderia, mesmo porque todos os suspeitos já foram checados pela Justiça; inclusive os indiciados foram absolvidos porque nada ficou provado contra eles nem contra filhos de políticos”.
O delegado Carlos do Amaral Valadão é um dos policiais mais antigos e experientes da Secretaria de Segurança Pública. Em 1973, quando Ana Lídia foi sequestrada, violentada com requintes de perversidade e finalmente assassinada, não trabalhava ainda na 2ª Delegacia, da Asa Norte, que atuou nas investigações durante um bom período de tempo.
Tranquilo, inicialmente o delegado Valadão não queria fazer nenhum comentário sobre o trabalho que está desenvolvendo em cima do processo mais volumosa da história da Justiça de Brasília. “Já solucionei vários crimes que, à primeira vista, pareciam insolúveis, disse o chefe da Homicídios - mas não posso dizer nada sobre a possibilidade de solucionarmos este caso. Necessito examinar os autos para que possa tomar um rumo…”.
Dificuldade
O delegado Carlos do Amaral Valadão deu a entender que pode ou não desvendar o crime de Ana Lídia. “Muitas vezes - explicou - ocorre que começamos a investigar um caso difícil mas com informações palpitantes e ao final poderemos vencer a batalha”. Valadão lembrou, no entanto, que pode acontecer o contrário. E, como exemplo, citou dois crimes também de grande repercussão em brasília: os assassinatos de Giselma, a mineira vendedora de jóias, e do fiscal da Receita Federal.
“Nós trabalhamos durante semanas seguidas, sem parar, checando inúmeras pistas, e não conseguimos elucidar estes dois casos, embora tenhamos iniciado as investigações desde o momento em que tomamos conhecimento dos fatos”, lembrou o delegado da Homicídios.
“Imagine trabalhar em um crime, como oda Ana Lídia - continuou - que ocorreu há oito anos, teremos que ouvir todas as pessoas mencionadas no processo e para isto é preciso localizá-las, o que será realmente muito difícil”. Mais difícil ainda seria para Delegacia de Homicídios localizar inúmeras testemunhas importantes “que não foram ouvidas por causa da confusão, na época”;
Equipe especial
Quando a polícia investigava o crime de Ana Lídia, no final do ano de 1973, os agentes tentaram provar a ligação de Álvaro Braga e Raimundo Duque com uma quadrilha de traficantes de drogas, que na época estaria dominando o mercado de Brasília e cujos líderes seriam filhos de importantes políticos. Ontem, na Delegacia de Homicídios, um agente que chefiará a equipe especialmente designada para investigar o Caso Ana Lídia, informou que no processo não ficou provada a existência da quadrilha de traficantes de drogas. Mas, segundo o policial, no mesmo processo ficou esclarecido que Álvaro Braga e Henrique Duque eram viciados em drogas.
O delegado Carlos do Amaral Valadão informou que “uma equipe especial” realmente cuidará do caso dia e noite. No decorrer das investigações o delegado Valadão acredita que “não sofrerei qualquer tipo de pressão”, mesmo porque o processo baixou à esfera policial justamente o objetivo de esclarecer um crime que, para os agentes mais antigos da Homicídios, “é uma questão de honra apresentar os assassinos de Ana Lídia”.
Álvaro e Duque
Logo que foi posto em liberdade do presídio, vários anos atrás, onde passou algum tempo aguardando julgamento, Álvaro Braga se mudou de Brasília com os pais. No meio policial comentou-se ontem que a família Braga, numa tentativa de esquecer o sofrimento por causa da trágica morte de Ana Lídia, mudou-se para uma cidade do interior de Minas, onde Álvaro estudou Medicina e hoje estaria formado e trabalhando.
Henrique Lacerda Duque, que cumpriu parte da pena por falsidade ideológica e uso de documento falso, nunca deixou de sair de Brasília após ganhar a liberdade. Na semana passada foi visto em Taguatinga por um agente da Homicídios. Contra ele e o irmão de Ana Lídia não existe nenhuma acusação, mesmo porque, juridicamente, uma pessoa não pdoe ser julgada duas vezes pelo mesmo crime.
Pesquisa CB
O drama de Ana Lídia Braga começou numa tarde de terça-feira, 11 de setembro de 1973, quando seus pais a deixaram à porta do Colégio Madre Carmem Salles. No dia seguinte, seu corpo era encontrado numa cova rasa, no Campus da Universidade de Brasília, com marcas sevícias. A cidade se comoveu e se interessou mais com o caso da menina loura de 7 anos, do que com a queda de Salvador Allende, no Chile.
Quem a matou? Até hoje se alguém sabe, nada diz. Várias testemunhas foram arroladas. O jardineiro do colégio tinha visto um rapaz alto, claro, apanhar Ana Lídia assim que ela foi deixada pelos pais. Porém, durante o inquérito e julgamento, ele não foi capaz de sustentar suas informações iniciais. A descrição, entretanto, levou a dois suspeitos: Aglair Spiuca Tavares Filho e Álvaro Henrique Braga, irmão da vítima. O primeiro não foi indiciado e o segundo acabou absolvido.
Mas os fatos confirmavam que por trás disso tudo estava o perigoso mundo dos tóxicos. O crime teria sido para cobrar uma dívida de Henrique com os traficantes. Mais um suspeito apareceu: Raimundo Lacerda Duque, também absolvido.
Na Câmara, o caso ganhou repercussão. Havia “peixe graúdo”. Foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre tóxicos. Pôde ir até onde foi permitido. As portas das investigações se fecharam. E a opinião pública concluiu que esse seria mais um caso insolúvel, embora todos os elementos reunidos pela polícia poderiam levar aos autores do monstruoso crime.
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