Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 12 de fevereiro de 2010 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
No fim da tarde de ontem, ao governador do Distrito Federal, que tinha uma caneta com poder de movimentar R$ 22,6 bilhões (o valor do orçamento aprovado para este ano) e de chefiar um exército com 120 mil servidores públicos, só restaram duas opções: 77 dias após a deflagração da Operação Caixa de Pandora, Arruda poderia escolher entre ficar preso na sede da Polícia Federal (PF), no Setor de Autarquias Sul, ou ser levado para uma das salas da diretoria técnico-científica do Complexo da PF, no Setor Policial Sul. Ele optou pela segunda.
Por volta das 17h45, cerca de 25 minutos após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decretar sua prisão sob acusação de coagir testemunhas e determinar seu afastamento do cargo, Arruda chegou ao Instituto Nacional de Criminalística, onde foi recebido pelo diretor, Paulo Roberto Fagundes. Ele estava acompanhado do ajudante de ordem Major Anderson; do comandantegeral da Polícia Militar do DF, Ricardo da Fonseca Martins; e do chefe da Casa Militar, coronel Ivan Gonçalves da Rocha
Antes que o presidente do STJ, ministro César Asfor Rocha, proclamasse o resultado da votação que decidiu, de forma inédita, decretar a prisão do chefe do Executivo no Distrito Federal, Arruda se levantou do sofá em que estava na Residência Oficial de Águas Claras e disse aos advogados: “Não dá mais. Eu vou me entregar”. Menos de uma hora depois, o comboio com seis carros pretos, um deles conduzindo Arruda, chegava ao Setor Policial Sul, onde o governador afastado passaria a noite preso.
O STJ também decidiu pela prisão de outras cinco pessoas ligadas ao governador e que, segundo o Ministério Público, tentaram atrapalhar as investigações ao participarem de uma operação para subornar o jornalista Edson Sombra, testemunha da Operação Caixa de Pandora. Tiveram a prisão decretada Rodrigo Arantes, ex-secretário particular do governador afastado; o ex-chefe da Agência de Comunicação do GDF Weligton Moraes; o suplente de distrital pelo DEM Geraldo Naves; o ex-diretor da Companhia Energética de Brasília (CEB) Aroaldo Brasil; além de Antônio Bento da Silva, que está preso há nove dias em função do flagrante dado pela Polícia Federal, quando ele entregou a Sombra uma sacola com R$ 200 mil.
Até o fechamento da edição, apenas Rodrigo Arantes havia se apresentado à polícia — os advogados dos demais informaram à PF que os acusados iriam se entregar a qualquer momento. Ao contrário de Arruda, todos ficarão detidos na carceragem da PF.
A negociação sobre como se daria a prisão de Arruda foi conduzida pelo secretário de Segurança do DF, Valmir Lemos — que é delegado licenciado da Polícia Federal. Ao ser comunicado pelo governador afastado da decisão de se entregar, Valmir acionou por telefone o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. Na conversa, Corrêa afirmou que a polícia seria discreta e tomaria os cuidados para não expor o governador — momentos antes, a PF havia sido orientada pelo Palácio do Planalto a evitar alarde.
A notícia da votação no STJ mobilizou não apenas a imprensa, mas também curiosos e manifestantes que se juntaram no portão principal da Superintendência da PF. As palavras de ordem em frente ao prédio onde Arruda permanece em poder da polícia foram “Fica Arruda”, numa versão irônica do Movimento Fora Arruda, que ao longo dos últimos três meses mobilizou estudantes e militantes políticos contra a permanência do governador no cargo. Antes de Arruda se entregar à PF, seus advogados ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido de habeas corpus para libertá-lo — o pedido não tenta reverter seu afastamento do cargo. O ministro Marco Aurélio de Mello foi designado relator, pediu para ver documentos e informou que o HC só seria analisado hoje.
8 metros quadrados
Arruda iria passar a noite em uma sala de oito metros quadrados a mesma onde despacha o diretor técnico-científico da PF, Paulo Roberto Fagundes. No lugar, há apenas uma mesa de reuniões, um sofá e um banheiro. Arruda só poderá receber pessoas em horários pré-estabelecidos pelos policiais. Mas tem o direito de pedir comida e bebida nos momentos em que sentir vontade. Às 22h44 de ontem, chegou para Arruda um lanche do Habib’s. A última refeição do governador afastado antes de ser preso foi mais sofisticada. Ele almoçou uma paleta de cordeiro ao forno com fetuccine na Trattoria da Rosário, um requintado restaurante instalado no Lago Sul. Estava acompanhado de dois advogados, um deles José Gerardo Grossi.
Assim que chegou à PF, Arruda foi recebido por Fagundes e em seguida por Luiz Fernando Corrêa, que chegou acompanhado pelos diretores de inteligência, Marcos David Salém, e pelo diretor executivo, Roberto Troncon Filho. O aparato envolvendo a cúpula da polícia deve-se ao ineditismo da situação. Trata-se da primeira vez que um governador de Estado é preso pela Polícia Federal.
Durante as duas primeiras horas em que esteve na PF, Arruda ficou acompanhado dos diretores. Por volta das 19h40, duas oficiais de Justiça chegaram ao prédio com os mandados de prisão expedidos pelo STJ. A partir daí, Arruda passou a ser formalmente considerado preso
Após sua prisão, a PF cumpriu mandados judiciais de busca e apreensão na Residência Oficial de Águas Claras, no Buritinga e na casa do governador, no Park Way. Foram apreendidos documentos, computadores e objetos pessoais.
Amigos
Do círculo de amigos do governador afastado, o único que esteve presente momentos antes de Arruda ser detido foi o secretário de Transportes, Alberto Fraga (DEM). “Estou aqui porque sou secretário e amigo. Não sou covarde e nem tenho vergonha”, disse Fraga. O último decreto assinado por Arruda antes que fosse afastado pela Justiça foi entregue pelo secretário de Transportes em Águas Claras. O documento, que estará publicado no Diário Oficial do DF de hoje, cria um conselho gestor que vai atuar no projeto de unificação do transporte público em Brasília.
Arruda foi eleito governador no primeiro turno em 2006, depois de emergir do escândalo da violação do painel do Senado, quando, em 2001, teve que renunciar ao mandato para escapar da cassação. Chegou ao auge do poder em Brasília cercado por 13 partidos que o acompanhavam em um projeto de reeleição apontado como provável pelas pesquisas de opinião. Antes de o escândalo estourar, chegou a trabalhar para se viabilizar como candidato a vice-presidente da República na chapa do tucano José Serra. Na tarde de ontem, no entanto, estava isolado. Os telefonemas que recebeu durante o dia foram de advogados que tentavam evitar a prisão, que é considerado o símbolo máximo de constrangimento para uma autoridade. Ontem à noite, seu principal objetivo era conseguir a liberdade.
Colaboraram Luísa Medeiros e Liano Sabo
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