Cidades

Caixa de Pandora: Afastado, preso e, agora, cassado

Pouco mais de um mês após ser detido por ordem do Superior Tribunal de Justiça, Arruda perde no Tribunal Regional Eleitoral, que determina a perda do mandato. Defesa deve recorrer da decisão

Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 17 de março de 2010 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.

 

Desde 27 de novembro, data em que veio a público a Operação Caixa de Pandora, José Roberto Arruda teve incontáveis baixas em sua trajetória política. Treze dias depois, foi pressionado a deixar o partido. Em 11 de fevereiro, foi afastado do cargo e preso por ordem do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ontem à noite, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Distrito Federal o condenou por infidelidade partidária. Com a decisão, Arruda deixará de ser governador assim que a Câmara Legislativa for notificada, o que deve ocorrer ainda hoje. A defesa pretende recorrer ao próprio TRE e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 

Com a cassação, Arruda pode perder o foro e as prerrogativas de governador, o que o tornaria vulnerável a ser tratado como um preso comum. Uma das consequências imediatas sobre sua nova condição seria a transferência da sala da Polícia Federal, onde se encontra detido há 34 dias, para uma cela do Complexo Penitenciário da Papuda. A votação do TRE abre a possibilidade de convocação de eleições indiretas para o Governo do Distrito Federal.

 

O destino político de Arruda foi decidido por um voto, o de desempate, proferido pelo desembargador Lecir Manoel da Luz, que ontem atuava na interinidade. Com um placar de quatro opiniões favoráveis ao relatório do desembargador Mario Machado contra três divergências, o governador afastado e preso teve o mandato cassado. Venceu portanto a tese do Ministério Público Eleitoral, de que Arruda cometeu infidelidade partidária ao se desfiliar do Democratas para evitar o processo interno de expulsão.

 

Por maioria apertada, a Corte desconsiderou os argumentos da defesa, que alegou grave discriminação pessoal como justa causa para o desligamento da legenda. “Todos os envolvidos no episódio foram tratados da mesma forma. Houve até rito mais célere do que o outorgado ao requerido no procedimento de expulsão. Não foi apenas contra o requerido que o partido DEM adotou medidas. Fê-lo contra todos os envolvidos. Não houve discriminação em relação ao requerido, muito menos grave”, rebateu Mario Machado. 


Renato Brill, procurador regional eleitoral do DF

“A inércia do DEM em nada alteraria a ação do MP porque não se trata de uma ação de interesse do partido, mas de milhares de eleitores que deram o seu voto nas eleições, o que bem compreendeu o Supremo Tribunal Federal, ao dar legitimidade ao Ministério Público para se manifestar em casos como esse” 

 

Luciana Lóssio, advogada que representou Arruda no plenário do TRE

No presente caso, é inútil e inócuo o movimento do Ministério Público. Vamos que o MP tenha razão e que houve infidelidade partidária, que devemos devolver o mandato ao partido. Antes, existia a figura do vice, mas no dia 23 de fevereiro Paulo Octávio renunciou, de modo que não há a quem se entregar esse mandato. O MP está movendo toda a máquina judiciária para nada”

 

Mario Machado, relator do pedido de cassação contra José Roberto Arruda, em seu voto

“(…) ninguém é obrigado a permanecer filiado a partido algum, mas tem o preço da perda do direito ao exercício do mandato, pela quebra do dever da fidelidade partidária. (…) decretada a perda do direito do requerido de exercer o mandato de governador do Distrito Federal”

 

Democratas

A interpretação do relator dividiu o TRE. Os juízes Raul Saboia e João Egmont acompanharam o voto de Machado. Os desembargadores Cândido Ribeiro, Antoninho Lopes e o juiz Evandro Pertence discordaram dele. Para divergir do relator, Pertence evocou a aplicação prática da cassação de Arruda, já que a ação se propõe a devolver o mandato ao Democratas. Ou seja, diante da decisão do TRE, como o DEM teria direito a exercer o mandato se não possui nenhum filiado na linha sucessória? Segundo lembrou o juiz, na falta do governador assumiria o vice Paulo Octávio, que, além de ter renunciado, já não está mais filiado ao DEM. Na ausência dele, o cargo passa a ser do presidente da Câmara Legislativa, Wilson Lima — que já está no comando interino do GDF —, filiado a uma outra legenda, o PR. “Então, não me parece fazer sentido uma ação para devolver o mandato a um partido (DEM) que não poderá fazer nada de objetivo com ele”, ponderou Pertence.  

 

Antes de julgar o mérito da ação de infidelidade, a Corte do TRE se pronunciou sobre três preliminares levantadas pela defesa de Arruda. O primeiro argumento da assessoria jurídica, representada na sessão de ontem pela advogada Luciana Lóssio, na tentativa de poupar a sanção ao governador foi quanto aos prazos para o Ministério Público ter reclamado o mandato junto ao Tribunal Regional Eleitoral. “Sinto muito, mas o Ministério Público perdeu o prazo. É uma questão matemática, aritmética”, sustentou Luciana. 

 

De acordo com a defesa de Arruda, a Procuradoria regional teria extrapolado em 24 horas o prazo para propor a denúncia. Também houve uma alegação quanto ao suposto cerceamento de defesa, que teria sido prejudicada pela negativa do Tribunal em remarcar os depoimentos do presidente nacional do DEM, Rodrigo Maia (RJ), e do senador Heráclito Fortes (PI). Ambos não puderam comparecer ao TRE no dia marcado pelo relator do processo. Por último, a defesa alegou incompetência do Ministério Público para reivindicar o mandato de Arruda. As três questões foram rejeitadas por unanimidade pela Corte. 

 

Eleições indiretas

Em um voto esmiuçado ao longo de 30 páginas, o relator do processo de infidelidade, Mario Machado, se debruçou ainda sobre a polêmica existente entre a Lei Orgânica do DF e a Constituição Federal — o que produzirá, pelo menos por um tempo, indefinição sobre a estrutura de poder no DF. De acordo com o Artigo 81 da Constituição, transcrito por Machado em seu relatório, ocorrendo a vacância dos cargos de presidente e vice-presidente, o Congresso Nacional teria 30 dias para convocar novas eleições. Por paralelismo, no caso da cassação de mandato do chefe de um governo estadual ou distrital, as eleições indiretas seriam chamadas por iniciativa da Câmara Legislativa.

 

No entanto, o artigo 94 da Lei Orgânica do DF prevê outra linha sucessória a ser cumprida, que elimina a necessidade de eleição indireta quando governador e vice perdem os cargos no último ano de um mandato. Na ausência dois titulares eleitos, diz a legislação local, assume o presidente da Câmara. Na falta desse, assume o chefe do Tribunal de Justiça do DF — o que para Mario Machado tem constitucionalidade “marcadamente questionável”. Ao fim do julgamento, o relator afirmou, no entanto, que o TRE não foi provocado a se pronunciar sobre como se dará a definição do quadro sucessório no DF. “A convocação de novas eleições é uma opinião pessoal. Outras instâncias tratarão de solucionar essa dúvida jurídica”, argumentou o magistrado.