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Crônica da Cidade

Correio Braziliense
postado em 04/04/2020 04:06
Aprendendo com chimpanzés

A era da empatia é o nome de um dos livros de Frans De Waal, biólogo holandês especialista em primatas e diretor do Centro Nacional de Pesquisa de Primatas Yerkes, nos Estados Unidos. O subtítulo da obra é bastante instigante e foi o que me convenceu a lê-la: Lições da natureza para uma sociedade mais gentil.

Após passar décadas estudando os animais mais parecidos com o animal ser humano, como os chimpanzés e os bonobos, De Waal concluiu que a ideia, muito comum, de que a natureza é um verdadeiro pega pra capar, com cada indivíduo preocupado apenas com a própria sobrevivência, é um grande equívoco. "Não acredite em quem diz que, uma vez que a natureza é baseada na luta pela vida, nós precisamos viver dessa maneira também. Obviamente, competição faz parte do quadro, mas os humanos não podem viver só de competição", escreve, logo no início do livro. Em seguida, o biólogo passa a contar uma série de histórias para mostrar como a natureza é repleta de exemplos de união, compaixão e solidariedade. E como uma dessas histórias não sai da minha cabeça estes dias, resolvi compartilhá-la aqui.

De Waal conta que, no centro dirigido por ele, chimpanzés vivem em uma grande área repleta de verde, árvores e estruturas construídas para que eles possam escalar e se distrair. Um dia, a equipe conseguiu recursos para reformar essas estruturas, que estavam gastas e davam uma aparência triste ao ambiente. No lugar, seriam erguidas altíssimas torres de madeira, que certamente deixariam tudo mais bonito e divertido para os animais.

Quando a reforma foi concluída, toda a equipe se reuniu para acompanhar o retorno dos macacos ao local. Olhando as imagens captadas pelas câmeras de monitoramento, os cuidadores estavam ansiosos para ver a reação dos bichos diante dos novos e monumentais brinquedos, e até apostavam qual dos chimpanzés seria o primeiro a escalar a torre mais alta. Mas algo inesperado aconteceu.

Para que a reforma fosse feita, os animais tinham sido separados e passado dias em gaiolas separadas. Alguns haviam ficado até mesmo em outro prédio. Quando voltaram ao espaço onde conviviam, os animais nem repararam nas novas estruturas. Olharam uns para os outros e passaram a trocar beijos e abraços, deixando toda a equipe de De Waal comovida.

Acredito que seja fácil para a cara leitora, o caro leitor entender por que em época de distanciamento social esta história é frequentemente lembrada por mim. Somos, hoje, aqueles chimpanzés, isolados daqueles que amamos. E, quando sonhamos com o fim desta pandemia, certamente não é porque estamos ansiosos para correr até o shopping e comprar um celular novo. Queremos, sim, sentar em volta da mesa para dividir o almoço de domingo com nossos pais e avós, ou brindar com os amigos a uma distância que as taças realmente se encostem. Queremos dançar em roda ouvindo as músicas que marcaram nossas vidas, gritar gol encarando uns aos outros, dar as mãos para rezar juntos. Queremos dar beijos e abraços e sentir o calor da pele sem medo.

Frans De Wall lançou seu livro após a crise econômica de 2008, por acreditar que, após aquele momento, o mundo precisava entender que uma nova forma de viver — mais gentil, solidária, empática — era necessária. Infelizmente, não aprendemos a lição naquela época e deixamos a injustiça e a desigualdade aumentar ainda mais desde então. Ao passarmos por esta nova crise estaremos prontos para aprender e mudar?
 
 

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