Correio Braziliense
postado em 05/04/2020 04:20
Primeiro governador a adotar o isolamento horizontal, que fechou cinemas, shoppings, comércio e academias entre outras atividades, Ibaneis Rocha (MDB) tem pela frente uma missão de vida: impedir o colapso do sistema de saúde do Distrito Federal na maior pandemia do século. O novo coronavírus já infectou 1 milhão de pessoas no planeta, arrasou a Lombardia — região mais desenvolvida da Itália — e a Espanha e agora atingiu o país mais rico e poderoso do mundo, os Estados Unidos.Não é uma guerra qualquer. Ibaneis é o comandante de um exército em que os soldados são a própria população civil. Mesmo com recursos, compra de respiradores, testes e equipamentos de proteção para médicos e enfermeiros, além de montagem de hospitais de campanha, nada será suficiente se as pessoas saírem de casa disseminando o contágio.
E, para complicar ainda mais, o governador conta com um adversário poderoso: o presidente Jair Bolsonaro, que subestima o novo coronavírus, trata a Covid-19 como uma “gripezinha” e critica a principal arma dos governadores: o distanciamento social.
O senhor tomou decisões importantes de isolamento social. Hoje, 20 dias depois, acha que a situação estaria muito mais grave se isso não tivesse acontecido?
Não tenho nenhuma dúvida de que a situação no Distrito Federal tinha tudo para causar uma das maiores explosões de contaminação do Brasil, exatamente pelas condições sociais que temos na nossa cidade. Brasília é uma cidade que tem uma renda per capita muito alta na região do Plano Piloto. Temos todos os órgãos e todos os poderes aqui instalados. Temos o Congresso Nacional, todos os ministérios, o presidente da República, 180 organismos internacionais, gente voltando de todos os lugares do mundo após o carnaval. Então, era previsível que tivéssemos um grande índice de infecção. Além disso, se a cidade estivesse funcionando normalmente, teríamos aqui quase todos os prefeitos, deputados federais, senadores, todos eles indo e voltando para seus estados. Além de ser um problema muito grande para nós aqui do DF, estaríamos distribuindo isso para todo o Brasil, o que realmente seria um grande problema.
No começo, houve críticas até de infectologistas. Foi o momento certo?
Adotamos a medida no início, quando tivemos o primeiro caso, logo após a decretação da pandemia mundial pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Acho que a medida foi acertada, mesmo que dura, e difícil de ser tomada. Mas ela foi tomada na certeza de que as coisas não seriam fáceis em todo o país. Fui bastante criticado, acho que é do cargo público, mas foi necessário. Se não tivesse sido adotada essa medida, hoje, teríamos no DF todo um sistema de saúde em colapso. Teríamos toda uma população passando por muitas dificuldades. Tenho certeza que teríamos uma situação como aconteceu em Nova York ou mesmo na Itália, por conta dessa infecção generalizada. A questão de você ter renda per capita maior no Plano Piloto e pessoas muito carentes em regiões muito próximas é que essas pessoas vêm trabalhar na casa desses que têm renda per capita alta. Eles vinham e voltavam carregando essa doença para áreas que não têm a assistência toda nem essa renda per capita tão alta. Teria a empregada doméstica da casa do embaixador trabalhando e voltando para casa, para infectar todos aqueles que estavam lá. Então, esse isolamento foi necessário, a diminuição do comércio também foi necessária. Imagine nos restaurantes desta cidade — eu que sou frequentador deles e gosto: o tanto que você entra, cumprimenta as pessoas, o tanto que vocês se encontram. O que não teríamos de índice de contaminação? E essas pessoas contaminadas, em contato com os garçons, cozinheiros, voltando para suas residências — geralmente em cidades-satélites, cidades que têm um índice econômico bem menor. Tive toda essa preocupação e tomei essa decisão na certeza de que foi acertada.
Dá para estimar o número de casos que o DF teria em uma situação em que o senhor não tivesse tomado providências imediatas?
Tenho certeza de que teríamos passado de 5 mil casos. Tenho essa convicção. Diante da circulação e daquele primeiro avanço que tivemos das infecções, se não tivessem sido tomadas as decisões, teríamos pelo menos 5 mil casos de infectados. Isso implicaria termos hoje pelo menos 100 a 120 vagas de internação. Hoje, estamos com pouco mais de 30 pessoas internadas, entre rede pública e privada. Tenho convicção de que teríamos uma situação muito grave no DF.
Historicamente, o sistema de saúde do DF tem falhas, pela complexidade e pela demanda. Hoje, vivemos um problema sem precedentes. A população pode esperar que vai receber atendimento nesta pandemia?
Desde o início de nosso governo, venho trabalhando muito. Inclusive, uma das primeiras coisas que fizemos foi aquela alteração no que diz respeito ao Instituto de Gestão (Estratégica de Saúde do Distrito Federal, Iges-DF). Durante a campanha, por não conhecer ou por não ter acesso às informações corretas, fiz várias críticas àquele modelo do Iges. Mas eu mudei a partir da (fase de) transição (entre governos), quando tive acesso aos dados e às informações, e fizemos aquela alteração, trazendo as UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento) e o Hospital (Regional) de Santa Maria para dentro do nosso sistema. Agora, a expansão das UPAs está sendo feita. Reabastecemos toda a rede hospitalar. Ampliamos o atendimento nas mais diversas áreas. A rede hospitalar do DF vinha melhorando muito.
Mas e agora, com esse novo cenário?
Posso garantir. Por que falo isso? Nós conseguimos recompor as equipes do (Programa) Saúde da Família, que é a atenção básica; fizemos, emergencialmente, o atendimento das UPAs, então, tiramos as pessoas das portas dos hospitais, acabou aquela crise que existia nas emergências dos hospitais. E estávamos passando por uma segunda fase, a da desospitalização, aumentando o número de cirurgias e atendimentos. Quero desospitalizar para poder manter os leitos. Posso lhe garantir que, hoje, estamos preparados. Não como deveríamos, mas estamos preparados para atender até um determinado nível. E é por isso que tenho tomado medidas para não estourar, não vamos ter condições. Como nenhum estado da Federação vai ter condições de tratar essa doença. O que acontece hoje? Temos, à disposição dentro da rede pública, 150 leitos de UTI sendo montados. É um número bastante expressivo. Só no Hospital (Regional) de Santa Maria, são 80 leitos sendo montados. Temos, junto à rede privada, um determinado valor que foi colocado à disposição também para que eles ofertem leitos de UTI. Então, existe uma previsão que temos de chegar até o fim de abril em torno de 1 mil casos (de Covid-19) — se passar um pouquinho —, conseguiremos atender a toda a população do DF sem maiores problemas.
Por isso, as pessoas têm de ajudar e não sair de casa, mantendo o isolamento social...
Se não ajudar, não tem jeito. Se for todo mundo para a rua, se começar essa cobrança por abrir comércio, abrir restaurante, abrir isso, abrir salão, abrir tudo… Na Itália, um dos maiores índices de contaminação foi exatamente nos salões de beleza. E temos de tomar cuidado com isso. Porque não é só o problema do “entrou, saiu”. Mas, se um paciente infectar um cabeleireiro, por exemplo, esse cabeleireiro vai passar para milhares de pessoas. Temos de ter atenção. Na hora certa, com a segurança que vamos ter, vamos abrindo cada uma das atividades que penalizem menos a população.
O senhor está seguindo o modelo de Cingapura na forma de lidar com o novo coronavírus. Lá e na Coreia do Sul, vemos que eles testam muito. O senhor pretende aumentar o número de testes?
Estamos com uma compra aberta de 150 mil testes. E o Ministério da Saúde ficou de complementar, ainda, com mais testes. Hoje, fazemos 1 mil testes por dia no DF. Pelo que fiquei sabendo, essa licitação deu positivo e eles têm para fazer à pronta-entrega. A partir da próxima (desta) semana, quero fazer em torno de 3 mil testes por dia. E, chegando a segunda remessa, do Ministério da Saúde, quero chegar a 5 mil testes diários para, no momento em que formos fazer o desbloqueio parcial das atividades, façamos isso com o maior nível de segurança possível.
Então o senhor vai adotar o mesmo critério de testes?
O mesmo critério. Exatamente o mesmo critério.
E quem deve fazer o teste?
Todas as pessoas que têm algum tipo de sintoma. Sabemos que há muita gente assintomática, principalmente os mais jovens e as crianças. Mas você tem algumas pessoas que têm algum tipo de resfriado, gripe, febre; pessoas que tiveram contato (com pessoas infectadas). Vamos ampliar esse número de testes para poder ter um grau de certeza maior em relação às medidas que precisam ser adotadas ao final dessa crise.
Como temos um sistema único de saúde, se o DF se tornar um modelo de sucesso, conseguir atender às pessoas e as outras unidades da Federação não fizerem o dever de casa corretamente, o senhor teme que outras pessoas venham para cá e acabem causando o colapso?
Brasília é uma cidade de trânsito, um grande hotel de trânsito. Enquanto o governo federal tiver esse trabalho e essa responsabilidade de manter o atendimento a distância, o Congresso Nacional continuar funcionando como está, sem ser presencial, não vamos ter motivo para as pessoas virem para cá. De outra ponta, conseguimos adquirir também de Cingapura — já tínhamos o equipamento aqui — chips para fazer testagem. Vamos fazer testagens dentro dos ônibus. Em qualquer pessoa que tiver qualquer sintoma, vai ser feito o teste rápido na própria rodoviária ou na própria rodovia. Estamos tomando as medidas, não de fechamento, mas sanitárias, que nos deem a garantia de que vamos ter o menor índice de infecção vindo de fora. Estamos fazendo um protocolo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), para que ela, junto ao Corpo de Bombeiros, teste dentro dos aviões que pousem em Brasília.
Nos aeroportos houve um problema porque não é a área dos governadores e sim, federal...
É, mas o presidente da Anvisa tem sido muito solícito com todos nós, o Antonio Barra. E está em andamento entre o pessoal técnico dele e a área técnica nossa esse termo de cooperação por meio do qual vamos atuar de forma conjunta. Acho que ele fez certo. Ele não pode entregar na mão dos governadores uma atividade que é da União. Mas acho que, em parceria, sim. Ele terá um modelo para que todos os estados façam também. Agora, é cooperação. A palavra é essa.
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