Cidades

Crônica da Cidade

Correio Braziliense
postado em 05/04/2020 04:22
A quarentena que deixou a cidade deserta é o instrumento mais importante de controle da aceleração de contágio: o distanciamento social evita que o vírus se espalhe com velocidadeA energia do tai chi

Em tempos de confinamento, o tai chi tem me salvado. Eu sempre quis acessar alguma fonte de energia limpa, saudável, não destrutiva e não poluente, que nada tivesse a ver com drogas. As drogas produzem êxtase artificial momentâneo, mas devastam o corpo, a mente e o espírito. Droga não dá luz a ninguém, dizia Glauber Rocha.

Reza a sabedoria oriental que, quando você quer aprender alguma coisa, o mestre aparece. E, de fato, o mestre surgiu para mim na forma de uma mineira baixinha, delicada, leve e bem-humorada: Tânia Carmo. Ela me iniciou no tai chi chuan, arte marcial e terapia que pratico religiosamente ou marcialmente há mais de 30 anos.

Certa vez, fui pautado para fazer uma entrevista com a mestre e pedi a ela que ilustrasse os efeitos benéficos do tai chi com um caso. Ela contou que havia um sujeito neurótico, desconectado, tenso, que se irritava com ninharias e tinha o corpo duro feito cabide. E que, depois de praticar o tai chi, ninguém mais o reconhecia, pois se tornara mais leve, maleável, concentrado e pragmático.

Curioso, perguntei quem era: “É você!”, ela respondeu, apontando para mim. E eu copiando tudo, penosamente, com os meus garranchos, feito um palhaço.

Nada a ver com milagres. A prática do tai chi melhora a respiração, ativa a circulação e oxigena as células. Muda tudo. A arte de respirar é um dos segredos para uma vida saudável.

Claro que o ânimo para enfrentar as guerras cotidianas melhora. Em tempos de pandemia, é fundamental. Algumas vezes me deparo com problemas que me parecem monstros. Faço o tai chi e eles não desaparecem, mas tomam a verdadeira proporção. A mente fica mais clara, ágil e inspirada para tomar a decisão mais lúcida.

Uma colega contou que tinha um verdadeiro pavor de ficar presa em elevador. No entanto, logo depois de iniciada no tai chi, ela se viu precisamente impedida de sair de uma dessas perigosas geringonças, que resolveu enguiçar quando ela descia do prédio com mais três pessoas. E, para a sua surpresa, ela suportou o tempo de espera por socorro com uma insuspeitada tranquilidade.

O tai chi proporciona a síntese aparentemente impossível da serenidade com a flama. Você controla a sua energia, briga realmente quando quer e não por mero descontrole. Fazer tai chi é tomar um banho de energia e jogar para o espaço tudo que houver de ruim.

É uma prática que deveria ser ensinada em todas as escolas.

Estava fazendo as minhas evoluções marciais ou talvez marcianas no sítio do meu sogro, quando percebi que alguém me observava. Era o caseiro. Ele achou que eu era lutador de kung fu, ficou tão impressionado com os movimentos que comentou com meu cunhado: “Aquele cara deve ser bom de pancada e, numa briga, para derrubar, só com um três oitão”.

Em outra ocasião, um garoto amigo do meu filho assistiu ao ritual que eu fazia todas as manhãs e fez o seguinte comentário: “Tio, eu só queria avisar que os caras com quem você estava brigando já foram embora”.

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