Cidades

Isolamento pode levar a aumento de casos de violência doméstica

Especialistas avaliam que o isolamento social e a probabilidade de aumento do desemprego pode levar ao crescimento dos casos de agressões contra mulheres dentro de casa

Correio Braziliense
postado em 06/04/2020 18:00
ilustração mostra o coronavírus ao fundo com uma mão masculina saindo dele e agarrando uma mulher: trata-se de uma alusão ao aumento dos casos por conta da quarentenaO isolamento social adotado para prevenir a contaminação pela Covid-19 pode trazer impactos nas políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar no Distrito Federal. A expectativa é de que aumente o número de ocorrências durante o período da pandemia, motivado, sobretudo, pelo fato de vítima e agressor passarem a conviver ininterruptamente. Distantes das próprias redes de apoio, as mulheres precisam saber onde encontrar ajuda nesse período crítico.

“Ainda não temos números concretos que demonstrem isso, mas os dados serão analisados ao fim do mês. Isso pode ocorrer porque aquela mulher não está inserida em outras atividades e meios. Por isso, pedimos que, se uma pessoa conhece uma mulher em situação de vulnerabilidade, continue mantendo contato com ela. Mande mensagens, faça ligações e estreite o elo. O engajamento social é muito importante neste momento. Não é apenas a própria vítima quem tem de denunciar o crime”, alerta a titular da Secretaria da Mulher do DF, Ericka Filippelli.

A defensora Rita Lima, coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública do Distrito Federal (Nudem), analisa que a possibilidade de crescimento dos casos pode estar associada ainda à tensão e à ansiedade proporcionados pela situação de calamidade pública mundial. “As pessoas estão presas em um ambiente que é muito mais inseguro para a mulher do que para o homem. A instabilidade do momento gera alta possibilidade de brigas e discussões, que podem evoluir para a violência”, afirma.
 
A defensora Rita Lima, coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública do Distrito Federal (Nudem), acredita que o aumento dos registros pode ocorrer por conta do aumento da tensão na relação 
 
A especialista também frisa que o desemprego é um segundo fator de risco observado no país. “A perda de renda tem impacto direto na violência como um todo, incluindo a doméstica. É comprovado que o agressor pode aumentar a incidência das agressões contra as próprias companheiras após perder o emprego”, acrescenta Rita Lima. 

Orientação

Neste período de quarentena, a principal orientação dos especialista é que a mulher vítima de violência acione a Polícia Militar se estiver em uma situação de flagrante — ou seja, o crime tenha ocorrido há pouco tempo —, para que ocorra o encaminhamento de investigação para a Polícia Civil. Caso a vítima tenha dúvidas quanto ao que fazer, pode procurar orientações pelo Disque 180, dos Direitos Humanos, ou pelos telefones dos Centros de Atendimento à Mulher (Ceams), (leia Onde buscar ajuda). As análises de medidas protetivas de urgência por parte do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) não sofreram alterações. 

“É um crime gravíssimo e, mesmo neste período de quarentena, continuamos com os nossos atendimentos normalmente. Sabemos que aquela pessoa que já sofre algum tipo de ameaça se torna ainda mais vulnerável durante este período, pois precisa ficar em casa. Quem está sofrendo precisa denunciar. Mas também contamos com o apoio da população para que estes casos sejam notificados para a polícia”, reforça o secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres.

Crimes como roubo, estupro, violência doméstica e familiar precisam ser registrados presencialmente nas delegacias, pois necessitam de perícia médica e outros trâmites que só podem ser realizados nesses locais. A Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), bem como todas as demais, estão abertas e prontas para o atendimento ao público. 

A Polícia Civil adotou medidas sanitárias seguindo parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de portaria interna, assim como a Polícia Militar, que implementou cuidados básicos de higiene e assepsia como parte do protocolo em abordagens policiais.

Além da segurança pública, os Ceams mantém atendimento presencial para mulheres em situação de vulnerabilidade. O horário foi reduzido, das 10h às 16h30. A Casa Abrigo funciona normalmente. Para ter acesso ao serviço, a vítima deve registrar boletim de ocorrência. Podem ficar hospedados no local as mulheres e os filhos - meninos até 12 anos e, meninas, até 18. Os Núcleos de Atendimento às Famílias e aos Autores de Violência Doméstica (Nafavd) e o Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher (Nudem) realizam acompanhamentos remotos, por telefone. Só serão feitos encontros presenciais em casos urgentes. 
 

Acesso mais rápido

A Secretaria de Estado da Mulher do DF poderá obter, em tempo real, informação dos dados das vítimas de violência que procuram ajuda pelo Disque 180. O objetivo é que os servidores da pasta possam, durante o período de quarentena, entrar em contato com essas mulheres para oferecerem ajuda e, se necessário, encaminhamento para a Casa Abrigo. O projeto de integração poderá ser aprovado nas próximas semanas pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

De acordo com a secretária Ericka Filippelli, o objetivo é auxiliar as vítimas em um momento de alta vulnerabilidade. “Como parte dos nossos servidores estão em teletrabalho, para prevenir a contaminação (pela Covid-19), analisamos que seria possível contribuirmos no trabalho de prevenção à violência entrando em contato direto com as mulheres que procuram orientações, mas, às vezes, não têm coragem de prosseguir com o processo de denunciar a situação que está vivendo”, informa.

Longo prazo

O psicólogo Carlos Frederico Coelho reforça a importância de o Estado adotar medidas de proteção às mulheres também a longo prazo, quando passar o período mais crítico de pandemia. “É preciso pensar que o desemprego crescerá e influenciará nos casos. Mas isso também traz um segundo agravante, que é o da fome. Haverá pessoas que não terão o que comer, e isso é muito grave. Por isso, após o período de isolamento social, é necessário políticas públicas para auxiliar os mais vulneráveis como um todo, incluindo as vítimas de violência doméstica e familiar”, afirmou. 

De acordo com o especialista, as medidas devem ser pensadas em conjunto. “Tem que ocorrer um debate que inclua a Segurança Pública, a Secretaria da Mulher, o Judiciário e, sobretudo, os assistentes sociais. Acredito que uma das saídas seria adotar uma assistência de renda mínima para as mulheres que estão em situação de vulnerabilidade. Nós sabemos que a autonomia financeira é uma forma de a vítima sair de um relacionamento violento”, avalia. 

Roberta de Ávila, psicóloga e subsecretária de Atividade Psicossocial da Defensoria Pública do Distrito Federal

Momento de superação
"Vivemos um momento de muita ansiedade, o que é uma resposta natural, com o isolamento social em decorrência da Covid-19. Contudo, quando a ansiedade é prolongada, ela pode causar uma espécie de paralisia emocional e mental, além de gerar uma possível generalização dessa ansiedade para tudo e para todas as situações vivenciadas, que é o que chamamos de TAG, transtorno de ansiedade generalizada. Isso pode afetar atividades corriqueiras, desde uma noite de sono, a preocupação excessiva, e até a aceitação da violência. Esse isolamento pode, por si só, gerar um desequilíbrio emocional e ser o fator desencadeante de uma crise psicológica ou de um evento traumático, o qual a mulher já tenha vivenciado ou esteja vivenciando. Nesse contexto, essa mulher pode se ver incapaz de sair dessa crise com os próprios recursos emocionais, sociais e de enfrentamento pessoais, uma vez que seus mecanismos autorregulatórios podem ficar ainda mais prejudicados. Por outro lado, é importante vermos também a possibilidade que esse cenário pode proporcionar, para algumas mulheres, um marco para a mudança e para a tomada de novas resoluções. Isso é possível desde que essas mulheres consigam dominar a situação atual e elaborar os conflitos passados. Nesse sentido, essa crise pode proporcionar também uma oportunidade para aprender novas estratégias para o futuro. Mesmo com as limitações da quarentena, é importante que essa mulher busque ajuda. Esse pode ser um momento de se superar essa crise para não se desencadear um sofrimento psíquico ainda maior."

Onde buscar ajuda

» 190 — Polícia Militar
» 197 — Polícia Civil
» Disque 100 — Ministério dos Direitos Humanos
» Delegacias regionais 
Atendimento presencial, 24 horas por dia
» Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)
Endereço: Entrequadra 204/205 Sul
Telefone:  3207-6172
Atendimento ininterrupto 
» Centro de Atendimento à Mulher (Ceam)
De segunda a sexta-feira, das 10h às 16h30
Asa Sul: Estação do Metrô 102 Sul
Telefone: 3323-7264
Ceilândia: QNM 2, Conjunto F, Lote 1/3 – Ceilândia Centro
Telefone: 3373-6668
Planaltina: Jardim Roriz, Área Especial, Entrequadras 1 e 2 – Centro
Telefone: 3389-8189 / 99202-6376
» Programa de Prevenção à Violência Doméstica (Provid) da Polícia Militar
Telefones: 3910-1349 / 3910-1350
» Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher (Nudem)
Telefone e WhatsApp: 99359-0032
E-mail: najmulher@defensoria.df.gov.br 

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