Correio Braziliense
postado em 11/04/2020 04:05
Também o presidente
Nós, brasilienses, estamos de parabéns. Os moradores do Distrito Federal, nos conta pesquisa divulgada na última quinta-feira, são os que mais respeitam o isolamento social na tentativa de fazer com que o novo coronavírus se espalhe o mais lentamente possível e, assim, os doentes possam ser dignamente atendidos nos hospitais e tenham mais chances de sair dessa vivos. Dos moradores da capital, 56,5% têm ficado em casa. Em nenhuma outra unidade da Federação foi constatado índice tão alto.
Nós, brasilienses, estamos de parabéns. Os moradores do Distrito Federal, nos conta pesquisa divulgada na última quinta-feira, são os que mais respeitam o isolamento social na tentativa de fazer com que o novo coronavírus se espalhe o mais lentamente possível e, assim, os doentes possam ser dignamente atendidos nos hospitais e tenham mais chances de sair dessa vivos. Dos moradores da capital, 56,5% têm ficado em casa. Em nenhuma outra unidade da Federação foi constatado índice tão alto.
Como já cantou Renato Russo, porém, “moramos na cidade e também o presidente”. E, no mesmo dia em que essa pesquisa era divulgada, o presidente fazia questão de se juntar aos que não respeitam o isolamento social. Tudo bem, não se deve esperar que alguém que ocupa seu posto se recolha totalmente. O cargo ainda conta como função essencial. Sair do Alvorada e ir trabalhar no Planalto, reunindo-se com sua equipe e líderes para decidir e tomar medidas que ajudem o país a atravessar a crise, é o mínimo que esperamos.
Mas não foi isso que o presidente fez. Na quinta-feira, ele não agiu como um médico que sai de casa para salvar vidas, ou um policial que se expõe para manter a cidade segura, ou um gari que deixa a família para fazer com que a cidade fique limpa e, assim, mais saudável. O presidente foi até a Asa Norte para tomar café num balcão de padaria e tirar fotos abraçado com as pessoas. Precisava? Aposto que café tem aos montes onde ele trabalha.
Claro, o presidente não queria café. Queria passar uma mensagem em forma de imagem. Antes de sair de casa, provavelmente, pensou: “Vou mostrar que não podemos parar de trabalhar”. Nosso vizinho eleito tem dito isso muito. “Não podemos parar de trabalhar, porque o desemprego vai matar mais que o vírus”, repete, repete e repete, aparentemente sem notar que está errado. O que vai matar mais que o vírus não será o desemprego, será a falta de ajuda que todo brasileiro deveria receber, agora e depois, para agir como os maiores especialistas recomendam: ficando em casa.
Na quarta-feira, o presidente foi à televisão e disse: “A chuva está aí. Vamos nos molhar e alguns vão morrer afogados”. Queria dizer que as mortes (já passam de mil!) são inevitáveis, logo, temos de aceitar esse destino e ir trabalhar para não pararmos a economia. Depois, acrescentou que não se deve deixar tudo na conta do Estado. Tudo? Pedir ajuda para se proteger e salvar vidas que, mais tarde, serão essenciais para a recuperação da economia, é deixar tudo na conta do Estado?
Acho triste que nosso mais importante vizinho, pelo cargo que ocupa, não seja capaz de inverter o sentido de sua metáfora climática. A chuva que está aí e certamente vai nos molhar é a paralisação econômica. Esta já é uma realidade e teremos de lidar com ela mais tarde, depois de sobrevivermos. Esta é a chuva inevitável e nossa luta deve ser a de dar condições aos brasileiros para que ajam como devem agir para que o menor número possível de pessoas morra afogado.
O presidente, no entanto, prefere enxergar como inevitável não a estagnação econômica, mas a morte de milhares. Prefere dizer que não há nada mais a fazer senão irmos às ruas e aumentarmos o número de cadáveres, porque, afinal, não podemos esperar que o Estado, hoje comandado por ele, faça algo. E assim tenta nos empurrar para o dia em que olharemos pilhas de mortos e nos perguntaremos quantas daquelas vidas poderiam ter sido salvas se tivéssemos feito mais. Mas há esperança. Porque o presidente mora na cidade. Mas também moramos nós. E nós estamos em casa.
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