Correio Braziliense
postado em 12/04/2020 06:00
Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 1º de julho de 1980 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.A missa campal começou com a romaria de padres e bispos que saíram da Catedral e se dirigiram para a frente do palanque, armado em frente ao Congresso Nacional. Enquanto a romaria percorria o trajeto, a multidão de cerca de oitocentas mil pessoas acompanhava correndo pelo gramado, com sacolas, banquinhos, lanche e crianças a tiracolo.
Até a chegada do Sumo Pontífice, ao altar, um helicóptero sobrevoou a área da Esplanada, enquanto o comentarista e a multidão gritavam alternadamente: “Cristo vive”. Após a chegada ao altar, o Papa foi saudado pelo grupo de crianças que faria sua primeira comunhão. Elas entregaram ao Papa as chaves da cidade, que representavam, neste momento, cada coração brasiliense.
À chegada ao palanque armado, o Papa foi aclamado pelas milhões de vozes ali presentes. Que gritavam: “Viva João Paulo II, viva o Brasil de Maria, viva o Brasil de Cristo!...” O coral foi acompanhado dos gestos que acenavam bandeirinhas brancas e amarelas, lenços, bandeiras e flâmulas do Papa. Com a multidão, os vendedores também foram se acomodando no gramado, com discos, livros, chaveiros, “posters”, cartazes, medalhas e camisetas com o retrato do Papa. Cada camiseta de malha, pintada com o retrato do Papa, foi vendida a Cr$ 250,00 e mesmo a camada mais pobre da população se sujeitou aos preços, sem reclamar.
Na Esplanada, o Papa abençoou o povo brasileiro, atingindo as camadas mais simples, enquanto o comentarista dava-lhe as boas vindas e lhe pedia que aceitasse o coração “de todos nós”.
O Papa começou a missa pedindo a Deus que livrasse todos de suas culpas, para ser celebrado o Santo Mistério. Neste instante, ele louvou a Deus, “que, para salvar a todos os homens, mandou seu filho para morrer na cruz”, disse. A seguir, ele fez a leitura da Carta de São Paulo, apóstolo que diz que Jesus, em sua condição divina, veio ao mundo e assumiu a condição de servo na figura do homem, demonstrando, com isso, obediência até a morte. E após a leitura, a multidão levantou a mão esquerda para receber a bênção papal que atingiu inclusive objetos que para ali foram levados para serem abençoados.
Durante a liturgia da palavra de São Paulo, o Papa citou um trecho em que o apóstolo fala dos filipenses. “Ele tinha condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso, Deus o sobreexaltou grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo nome, de modo que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra, e, para glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: Jesus é o senhor.”
Em seguida, houve a meditação e aclamação ao Evangelho, para dar início à homília. Antes de iniciá-la, porém, o Papa lembrou do Congresso Eucarístico Nacional em Fortaleza e disse que ele deve constituir uma manifestação de amor da Igreja brasileira numa oferenda ao pai, pois o povo de Deus vive em eucarístia. Ao ver a cruz onde foi realizada a primeira missa em Brasília, o Sumo Pontífice disse que espera passar por lugares tão marcantes no Brasil, e lembrou a visita ao Santuário Mariano em Aparecida do Norte, e em seguida, a Fortaleza. “Ao concluir este peregrinação, espero estar em Fortaleza, abrindo o X Congresso NAcional de Eucaristia”, disse ele. Neste Congresso, ele espera encontrar os frutos de todo o seu trabalho no Brasil, esperando encontrar ainda o maior número de pessoas possível. Ainda sobre a cruz, o Papa disse que ela deve ser valorizada como símbolo da construção desta cidade e, no Brasil Futuro, esta cruz terá um papel fundamental, pois ela representa o símbolo da fé.
Durante a missa, o Papa falou sobre o papel da Igreja, que não deve ser político. “A missão da IGreja é anunciar a boa nova da salvação”, disse ele, exaltando ainda a cultura brasileira fundamentalmente católica, cuja raiz de formação se constitui no que o Brasil tem de mais profundo. Segundo ele, Brasília marca início de uma nova etapa na História do Brasil, constituindo-se no mistério da salvação. Para isso, ele aconselhou os fiéis a olharem para a cruz, que é o sinal da salvação para todos os homens. “A cruz é o sinal de todo princípio, assim como o princípio de todo o encontro, que é Deus”. Terminado o sermão, foi feita a leitura da oração universal, acompanhada da segunda parte de liturgia eucarística, que terminou com a bênção final.
Clima foi de muita tranqüilidade
Nenhuma autoridade em Brasília conseguiu conter um suspiro de alívio: as 800 mil pessoas reunidas na esplanada deram um raro exemplo de tranqüilidade e nenhum acidente sério ocorreu antes, durante ou depois da Missa celebrada pelo Papa João Paulo II. Às cinco da tarde o Comando Militar do Planalto passou um rádio a todos os encarregados da segurança “os três mil homens a postos poderiam se retirar porque a cidade estava calma e normal”.
No Hospital de Base, o centro clínico de Brasília, o diretor Eugênio Sarmento classificou o dia como o mais “calmo do ano” e segundo ele, os registro de 412 atendimentos estão muito aquém dos números que são acolhidos no hospital em dias de semana: “Atendemos em média 1.200 casos em dias comuns sem visitas e sem acontecimentos históricos”.
De uma forma ou de outra a multidão teve comportamento atípico para todos. No HDB os 100 médicos que estavam em alerta foram desmobilizados às seis da tarde. Até esse horário o hospital só havia registrado um acidente e não justificava a presença do pessoal recrutado para reforço. No hospital Presidente Médici os 9 médicos e as sete enfermeiras extras também não tiveram problemas: o hospital recebeu um número insignificante de casos, dos quais nenhum com gravidade.
O Hospital da l-2 Sul atendeu três pacientes, dois dos quais com pneumonia. Nos postos de atendimento da Esplanada foram atendidas 339 pessoas e o médico encarregado do posto no Ministério da Previdência, Manoel Deodoro da Silva, informou que só teve o trabalho de providenciar cafés fortes e tranqüilizantes, porque nenhum problema sério aconteceu.
No balanço geral no Hospital Distrital o diretor Eugênio Sarmento disse que a soma geral de atendimentos — 742 nos postos e hospitais — é insignificante para o movimento que se verifica durante dias normais. A única explicação encontrada pelo médico foi a falta de bebidas alcoólicas na Missa e o comedimento da população, imbuída pelo espírito cristão.
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