Cidades

Cassação Luiz Estevão: Dez momentos decisivos

Erros de avaliação, arrogância, mentiras e contradições: os ingrediente que levaram à cassação de Luiz Estevão

Correio Braziliense
postado em 13/04/2020 06:01

Manifestantes da Central Única dos Trabalhadores - CUT fazem vigilia pela cassação do senador Luiz Estevão, em frente ao Congresso NacionalEsta matéria foi publicada originalmente na edição de 29 de junho de 2000 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.

 

O placar que determinou o fim do mandato do senador Luiz Estevão não foi construído na manhã de ontem. Foi resultado de um processo que começou a tomar corpo na CPI do Judiciário, que investigou o desvio de R$ 169 milhõ es do F ó rum Trabalhista de São Paulo. Mas, nesse período de um ano e três meses, houve momentos emblemáticos contra Estevão. O Correio Braziliense selecionou dez histórias que funcionaram como um propulsor do resultado de ontem.

 

Arrogância

Do alto dos seus 460 mil votos, Luiz Estevão chega ao Senado antes mesmo da posse se apresentando como ‘‘o futuro’’ da Casa e referindo-se aos senadores como ‘‘ultrapassados’’. Na secretaria, pede o melhor gabinete e solicita a amigos que lhe indiquem assessores com o seguinte perfil: conheçam bem os meandros do poder ali dentro, mas não tenham vínculos empregatícios com a Casa. Contrata, pagando salários por fora, assessores já aposentados. Fatores que lhe garantem, desde o início, a inimizade dos servidores do Senado. Chega aos ouvidos do presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), os termos de Estevão nessas conversas. Quando o senador, antes mesmo da posse, vai pela primeira vez ao gabinete de ACM, é recebido com frieza. ‘‘Estou me apresentando, estou à sua disposição, pronto para colaborar, para arregaçar as mangas’’, diz Estevão. ‘‘Tome posse primeiro’’,responde ACM.

 

Pressões e ameaças

Iniciada a CPI do Judiciário, aparece o envolvimento de Estevão com o Grupo Monteiro de Barros e a obra superfaturada do Fórum Trabalhista de São Paulo. Estevão vai se enredando em explicações contraditórias. Começa dizendo ter apenas dois negócios com Fábio Monteiro de Barros. A cada depósito que a CPI descobre, o senador vai citando novos negócios. Um dos seus grandes erros. Os senadores não têm dúvida de que Estevão anularia tudo se, desde o início, tivesse contado uma história completa. Mas Estevão acha que a investigação não vai prosperar. Refere-se às repórteres que cobrem o dia-a-dia da CPI como ‘‘as bruxas’’, e diz que tudo é culpa da imprensa e dos funcionários petistas do Senado. 

 

Ao mesmo tempo, pressiona e ameaça os funcionários. Apresenta um requerimento ao senador Ramez Tebet (PMDB -MS), pedindo número de matrícula e órgão de origem dos servidores que trabalham para a CPI. Desta vez , é Tebet quem o aconselha: ‘‘Não faça isso’’. Estevão retira o documento. Mas exige uma reunião para chamar a atenção dos servidores. Na reunião, lembra aos funcionários que ‘‘a corda sempre arrebenta do lado mais fraco’’. Uma ameaça que os servidores jamais engoliram.

 

“Nunca fui dono”

Barbalho, que mantinha um bom relacionamento com Estevão, tenta evitar que a investigação recaia sobre seu liderado. Monta uma estratégia para envolver toda a bancada paulista na investigação. Uma cortina de fumaça que poderia dar certo, uma vez que estenderia a apuração para mais de 6 0 deputados e senadores. O próprio Estevão aborta a tática de Jader. Contrariando a recomendação do presidente do PMDB , ele insiste em ir à CPI depor. Jader queria que ele esperasse o convite. Garante a ele que conseguiria fazer com que isso ficasse para depois do recesso parlamentar de julho de 1999 . Com um mês fora do foco da CPI, o clima no Senado contra Estevão poderia mudar. Mas Estevão prefere seguir o conselho de ACM, que já não via o senador do Distrito Federal com bons olhos. ‘‘Você já devia ter ido à CPI ’’, lhe diz ACM. Estevão julga que ACM estava lhe dando um bom conselho. ‘‘Não sou nem nunca fui dono da Incal’’, diz ele na CPI . Em pouco tempo, o que Estevão diz começa a ser contrariado por novos fatos que surgem na apuração. 


Munição perdida

Em outubro, acuado pelas acusações que sofria na CPI, Estevão calculou que precisava obter uma tarefa importante no Senado para provar que exercia normalmente a sua vida parlamentar e que ainda tinha prestígio para reverter a sua situação. Essa estratégia é considerada um dos maiores erros cometidos por Luiz Estevão em todo o processo. Estevão pressionou Jader Barbalho a indicá-lo para uma das sub-relatorias do Plano Plurianual de Investimentos, o projeto do governo que definia os investimentos orçamentários para os próximos quatro anos. Com isso, obrigou Jader a desperdiçar com o episódio uma munição que poderia ser guardada para o processo. A indicação gera uma forte reação: discute-se o caso numa reunião de líderes, que pede seu afastamento, mas Jader Barbalho não aceita. Faz -se uma reunião de cúpula do PMDB em que se combina que Luiz Estevão renunciará ao cargo, mas ele não renuncia. A oposição obstrui a Comissão de Orçamento, forçando seu afastamento. ACM dá um prazo de dois dias para que o problema seja resolvido. Jader substitui Estevão à sua revelia. Estevão simula a renúncia dizendo que a doença de seu pai lhe forçaria a se ausentar do país. Jamais viajou. O PMDB nunca mais o ajudou com o mesmo vigor.

 

“Não me incluam”

Estevão achou que escaparia da cassação se o relatório da CPI não fizesse qualquer menção a essa possibilidade. Trabalhou para que a recomendação da cassação não constasse do texto de Paulo Souto. Visitou 15 vez es o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães. Na véspera da aprovação do relatório, foi até a residência oficial do Senado. ACM estava reunido com o próprio Paulo Souto e não o recebeu. A partir de pareceres jurídicos, ACM e Paulo Souto concluem que não devem falar da responsabilidade política no relatório da CPI . Estevão julga que está salvo. ‘‘Esse negócio de Ministério Público pode levar anos’’, disse, na época, ao Correio, o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) . Não foi bem assim. Sete partidos assinaram a representação contra ele.

 

A hora-chave

Os partidos (PT, PDT, PSB , PPS, PCdoB , PV e PL) assinaram a representação. ACM pede à advogada-geral do Senado, Josefina de Oliveira P inha, um parecer sobre o pedido de cassação. Ela afirma que os partidos não tinham poder — a não ser que fizessem cada um deles convenções partidárias para isso — para assinar a representação. Por alguns dias, tudo indica que chegara ao fim a tentativa de cassação de Estevão. Até que o deputado Geraldo Magela (PT-DF) revela que existia um outro parecer da Advocacia-Geral do Senado, anterior, que dizia que o processo tinha todas as condições de seguir normalmente.

 

O primeiro parecer fora pedido pelo corregedor-geral do Senado, Romeu Tuma (PFL-SP) , quando ACM lhe enviara a representação dos partidos. Tuma guardou esse parecer. Estevão não tem dúvidas que quem passou o parecer para Mag ela foi o próprio Tuma. Por isso, não perdoava o senador. Chegou a xingá-lo dentro do plenário do Senado. Os dois pareceres contraditórios foram uma reviravolta no processo. ACM resolveu desconsiderar o texto de Josefina e deu continuidade à representação contra Estevão.

 

Na avaliação do senador do Distrito Federal, esse é o momento decisivo de toda a sua desgraça. Se Magela não revelasse o primeiro parecer, seu processo seria arquivado. Luiz Estevão chegou a comentar com amigos que Magela e Tuma estão entre os nomes do topo da sua lista negra, como alguns dos principais responsáveis por ter perdido o seu mandato. Segundo esse amigo, Luiz Estevão prometeu que, se fosse cassado, se vingaria de políticos, jornalistas e procuradores que o prejudicaram. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) ontem fazia o seguinte comentário após a cassação: ‘‘- Luiz Estevão tem que rezar para que nenhum dos seus acusadores seja atropelado, quebre um braço, tenha seu carro batido ou seus filhos machucados. O principal suspeito será ele’’.


Bens bloqueados

A análise do processo contra Luiz Estevão já chegava à sua conclusão. Estevão apresentara uma defesa que os senadores consideraram bem feita e consistente. Parecia que poderia reverter o processo. Nesse momento, o Ministério P ú blico em São Paulo conclui a sua investigação e requer à Justiça o bloqueio dos bens de Estevão e das suas empresas. Determina ainda a quebra do sigilo fiscal e bancário do senador. A decisão provoca uma reviravolta na investigação do Conselho de Ética. Ao mesmo tempo, os senadores começam a conseguir comprovar as ameaças aos servidores e o lobby do senador a favor da obra. Disquetes de computador com arquivos pessoais de Estevão são obtidos pelo Correio. Nomeio dos arquivos, há um texto de 1998 com argumentos contrários à suspensão do contrato da obra do TRT de São Paulo com a Construtora Incal.


O contrato

Poucos dias antes da data marcada para que o Conselho de Ética analisasse a cassação de Estevão, a polícia descobre nos cofres apreendidos com Fábio Monteiro de Barros um contrato. No documento, assinado, registrado em cartório e com firma reconhecida, Estevão compra de F á bio Monteiro de Barros 90% das ações da Incal Incorporações Ltda., a empresa responsável pela obra do TRT. O documento mostrava que Luiz Estevão era o verdadeiro dono da Incal. O senador tenta desmentir essa versão. Afirma que esse contrato não teve efeito, embora todas as evidências fossem ao contrário. Vai duas vezes ao plenário do Senado para se explicar. Tudo em vão. ACM sentencia: ‘‘O clima é de cassação’’. O processo passa no Conselho de Ética e na Comissão de Constituição e Justiça. À s vésperas de ir para o plenário, porém, Estevão ainda conta com o apoio de alguns senadores indecisos. 

 

O bilhete

Qualquer indecisão cai por terra com a publicação pelo Correio de um bilhete de Fábio Monteiro de Barros para Luiz Estevão. No bilhete, Fábio pede mais de R$ 800 mil para pagar várias despesas, boa parte delas relativas à própria obra do TRT. Estevão argumenta que o bilhete é um pedido de empréstimo. A maioria dos senadores enxerga nele o que ele de fato parece ser: o pedido de ajuda de um empregado, de um preposto em dificuldades. O senador Pedro Simon (PMDB -RS), que até então estava calado, divulga uma nota: ‘‘Provar que esse bilhete é falso é agora para Luiz Estevão uma questão de vida ou morte’’. O bilhete não era falso.


Em nome do filho

Dois dias antes da cassação, Estevão conversou com ACM por meia hora. Fez todos os tipos de apelo. Chegou a lembrar que tinha um filho chamado Luiz Eduardo só para comover ACM, cujo filho Luiz Eduardo morreu há dois anos. Chorou. O presidente do Senado permaneceu impassível. Como não conseguiu sensibilizar Antonio Carlos, procurou um assessor do presidente do Senado para uma jogada final: pediu ao assessor que espalhasse que ACM ia votar a seu favor no plenário. Assim, Estevão julgava conseguir confundir os pefelistas que estavam em dúvida e, quem sabe, amealhar alguns votos a mais. O assessor não fez o que Estevão pediu. Mais do que isso, contou para o chefe. Na manhã de ontem, Antonio Carlos Magalhães ainda remoía essa história quando abriu a sessão.

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