Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 29 de junho de 2000 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
O namoro político entre Luiz Estevão e Joaquim Roriz começou com um interesse mútuo, partiu para uma aliança, passou por desgastes, ciúmes, esfriou e terminou em abandono. O relacionamento que começou há 32 anos e foi sedimentado nas eleiç õ es de 1998 não resistiu ao processo de cassaç ã o do senador.
Quem acompanhou a campanha eleitoral de 1998 , em que Estevão e Roriz apresentavam-se como grandes aliados, dividindo palanques e showmícios pelo Distrito Federal afora, com abraços, sorrisos e elogios mútuos, jamais imaginaria que hoje eles estariam rompidos.
Mas o fato é que os dois peemedebistas estão afastados. A relação entre eles acabou. Da leitura do relatório da CPI do Judiciário, em novembro, até ontem, eles conversaram reservadamente poucas vez es. A última vez foi há mais de um mê s, em Águas Claras, segundo um freqü entador da residência oficial.
Antes do relatório do senador Paulo Souto ser divulgado, Roriz e Estevão chegaram a falar diversas vez es sobre as denúncias de envolvimento do senador com a Incal e a obra superfaturada do TRT de São Paulo. Estevão jurava inocência e assegurava que provaria isso. Mais: atribuía as denúncias a uma campanha orquestrada pela imprensa e pelo senador Antônio Carlos Magalhães (PFL) .
À medida que as denúncias no Senado iam ganhando força, Luiz Estevão era afastado das solenidades oficiais do governo e de Roriz . No início do ano passado, o senador freqüentava o gabinete do governador, reuniões do governo e participava de inaugurações de obras.
Mas a partir do final de 1999 , a presença do senador peemedebista nas ações oficiais de Roriz foi se tornando cada vez mais rara. Em janeiro, Luiz Estevão não esteve no lançamento do edital da Ponte do Mosteiro — ligando a Asa Sul ao Lago Sul. Tampouco esteve na solenidade de início das obras, neste mê s, evento prestigiado por diversos parlamentares e integrantes do governo. Não esteve também em Águas Claras, em maio, no anúncio da reforma administrativa do governo.
Por sua parte, Roriz nã o tem feito a defesa pública de Estevão. Sobre as acusações contra o antigo aliado, nenhuma palavra. No programa eleitoral do PMDB/ DF, na semana passada, seguiu o estilo. Atacou a oposição, o Correio Braziliense e elogiou o próprio trabalho. Nenhum sinal de apoio a Estevão.
Os encontros entre eles tê m sido frios. Em maio, na festa de filiação dos deputados José Rajão e Gim Argello ao PMDB, Roriz e Estevão dividiram o palanque, como nos tempos de campanhas. Mas trocaram poucas palavras.
Em novembro do ano passado, segundo conta um colaborador do governador, Roriz mandou um emissário a Estevão com a seguinte proposta: que ele tirasse uma licença de seis meses no Senado para se afastar do palco de acusaç õ es, com a desculpa de que se dedicaria ao seu pai adotivo, Lino Martins, e do filho Luiz , que têm problemas de saúde. Em seguida, Estevão ligou para marcar uma conversa com o governador.
O diálogo, entretanto, foi adiado com a morte do jardineiro José Ferreira, nos portões da Novacap. Luiz Estevão não deu nenhuma declaraç ã o pú blica de apoio ao governador em um episódio que trouxe repercussões negativas para o governo. A omissão de senador irritou auxiliares de Roriz.
A resposta à proposta do governador foi dada em São Paulo, um pouco antes do Natal, quando Roriz foi à capital paulista para realizar exames médicos. Na ocasião, o senador rejeitou a sugestão do governador e mais uma vez prometeu provar sua inocência.
Não foi isso, entretanto, o que aconteceu. E Roriz acompanhou à distância os problemas cada vez maiores do senador. De senadores aliados ouvia que a situação de Estevão era muito difícil. O prognóstico foi passado a ele por políticos experientes, como o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhã es (PFL) , em encontro para tratar de questões institucionais, na casa do senador, em abril. E reforçada, em maio, pelo senador José Sarney ( PMDB) , em visita de Roriz ao sítio São José do Pericumã , propriedade do ex - presidente em Luziânia.
A suposta ligação do senador com o desvio de R$ 169 milhões da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo, entretanto, não é o único motivo da separação dos antigos aliados de primeira hora. Pessoas do círculo de amizade do governador do Distrito Federal contam que apesar da aparente afinidade entre os políticos, de fato nunca houve entre eles uma amizade verdadeira. ‘‘Eles nunca freqüentaram a casa um do outro, a não ser para tratar de questões políticas ou em algum encontro social’’, continua.
A relação entre eles começou em 1968, quando o pai adotivo de Estevão, Lino Martins Pinto, vendi pneus da Revendedora OK para a frota de caminhões da transportadora de areia de Roriz. O envolvimento começou a esquentar 20 anos depois, quando o político goiano ocupou pela primeira vez o Palácio do Buriti, nomeado pelo então presidente José Sarney.
Roriz era o governador do Distrito Federal e Estevão um dos empresários mais bem-sucedidos de Brasília, já dono de um extenso patrimônio e principal acionista do Grupo OK, um conglomerado que reúne 26 empresas com faturamento anual de R$ 300 milhões.
A intimidade política começou em 1994, quando Estevão, já de olho no Palácio do Buriti, era eleito distrital com votação recorde de 42.205 votos. Como líder da oposição na Câmara Legislativa, Estevão soube conquistar espaço e roubou a cena entre os 24 deputados distritais. Levou para o seu gabinete ex-assessores de confiança de Roriz, com uma longa experiência em administração pública: Paulo César Ávila (hoje consultor jurídico), Valério Neves (atual chefe de gabinete do governador) e Ivelise Longhi (atual secretária de Habitação).
O deputado distrital Renato Rainha (PL), que já foi aliado de Roriz e hoje adota uma postura mais independente, lembra que nos idos de 1997 e 1998, o atual governador falava de Estevão com muita admiração. “Parecia que havia uma afinidade muito grande entre eles. Em várias reuniões das quais participei, o governador ressaltou o talento político do senador”, revelou Rainha há alguns dias.
Mas uma coisa atrapalhava o relacionamento entre os dois políticos: o objetivo comum de sentar-se na cadeira de governador no primeiro dia de 1999. Os dois sonhavam tirar o governo de Brasília das mãos do PT. Por mais que convivessem pacificamente, nos bastidores cada um traçava sua própria candidatura.
Em meados de 1997, as pesquisas de opinião apontavam que ambos tinham grandes chances de derrotar o candidato da Frente Brasília Popular, fosse lá quem se apresentasse para as eleições de 1998.
O grupo de Estevão, entretanto, defendia a tese de que em uma campanha eleitoral, a CPI do Orçamento, realizada em 1993, seria explorada pelos partidos de esquerda contra Roriz. Ele fora investigado pelos deputados federais que encontraram diversas operações bancárias suspeitas nas suas contas, envolvendo correntistas fantasmas e laranjas.
Embora em 1997 Estevão tenha revelado em entrevista concedida ao Correio que sua candidatura ao Senado já estava definida, com Roriz como candidato ao governo, essa posição só foi acertada oficialmente em fevereiro de 1998 em uma reunião na casa de Estevão no Lago Sul, segundo conta um grande aliado do governador do Distrito Federal que o acompanhou durante a campanha e participou da reunião. “Foi Roriz quem tomou a iniciativa de se colocar como candidato naquela reunião. Fez isso quando percebeu que já perdia espaço entre os parlamentares da sua mais estreita confiança”, diz.
Na campanha eleitoral de 1998, o desgaste continuou. Pelo menos três pessoas próximas a Roriz contam que ele se sentia incomodado com a postura de Estevão nos palanques e showmícios em que faziam campanhas juntos. “Luiz Estevão era sempre o último a chegar. Fazia isso para ser anunciado por Roriz”, diz uma fonte. “Ele sempre agiu como se fosse a estrela e Roriz um mero coadjuvante”, avalia um aliado do governador.
Mas no segundo turno, Estevão já eleito, cedeu toda a sua estrutura de campanha para Roriz: carros de som, o comitê no Lago Sul, panfletos e assessores.
Um assessor do governador, com bom trânsito entre os dois lados, acha que a participação de Estevão nos debates na televisão no 2º turno foi fundamental. De fato, o ex-governador Cristovam Buarque nunca temeu disputar debates com Roriz, incentivado por sua assessoria que o julgava mais bem-preparado que o peemedebista. Estevão, entretanto, incomodava. “Era Luiz quem preparava todo o roteiro de Roriz nos debates com provocações que foram eficientes”, avalia. “Dediquei 100% do meu esforço na eleição do governador Roriz”, disse então Luiz Estevão.
Mais do que ajuda nos debates e infra-estrutura de campanha, o apoio do PSDB/DF - que coordenadores da campanha avaliam como um dos pontos mais importantes para a vitória de Roriz - foi articulado por Luiz Estevão.
O reconhecimento à atuação de Estevão fez com que Roriz o escolhesse o coordenador do governo de transição. Mas a sombra do senador sobre o governador sempre incomodou Roriz e seus aliados. A aberta campanha de Estevão ao governo em 2002 também desgastava a relação entre eles. “É como você ter uma pessoa sempre de olho no cargo que você ocupa”, diz um aliado de Roriz, explicando o incômodo que o governador sentia.
Estevão, por sua vez, trabalhava firme para conseguir ser o candidato do PMDB em 2002. Nas convenções do partido no ano passado, escolheu a maioria dos delegados das zonais, o que facilitaria a aprovação de seu nome como o candidato em uma convenção no ano eleitoral. A deputada e secretária Eurides Brito, por exemplo, do grupo de Roriz, ficou de fora. O governador não gostou.
Apesar da distância explícita entre os dois peemedebistas, ninguém do governo fala abertamente sobre o assunto. “São duas pessoas muito ocupadas”, despista o consultor jurídico de Roriz, Paulo César Ávila, amigo de Estevão. Orientado por sua assessoria, o governador dizia que o julgamento contra Estevão era um assunto do Senado.
Embora Estevão diga publicamente exatamente o que o esperava, o seu sentimento e outro. “Tenho dele apoio pessoal e moral”, resumiu Estevão ao Correio, há alguns dias. Mas, entre amigos, ele não esconde que Roriz poderia ter feito muito mais a seu favor.
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