Cidades

Entrevista Jonas Brant, epidemiologista da UnB

"O número está muito abaixo do real"

Correio Braziliense
postado em 14/04/2020 04:06

Após 40 dias desde o primeiro diagnóstico de coronavírus no Distrito Federal, o isolamento social continua como a única maneira de conter o avanço da doença. Além disso, não há medicamentos com eficácia comprovada ou vacinas. Em entrevista ao programa CB.Poder — parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília —, o epidemiologista da Universidade de Brasília (UnB) Jonas Brant ressaltou que manter o distanciamento entre as pessoas impede que a capital vivencie cenários semelhantes ao de países como Espanha e Equador, onde o sistema de saúde entrou em colapso. 

O especialista ressaltou que o DF vive uma sensação de segurança em relação ao coronavírus, justamente porque adotou as medidas de contenção, que precisam ser mantidas. Porém, segundo ele, o número de mortes e diagnósticos apresentado pelos órgãos de saúde é subnotificado. “Provavelmente, temos muito mais casos do que estamos conseguindo contabilizar”, alertou. Brant ressaltou que a capital deve viver os piores cenários da pandemia em maio e junho, quando a doença poderá chegar às periferias, onde há menor possibilidade de implementar o isolamento efetivo. “Cada dia isolado é um dia a mais para as pesquisas”, reforçou.

O isolamento social é importante? Por quê?
Trata-se de um vírus novo e a gente não tem todas as ferramentas necessárias para enfrentá-lo. Não temos medicamento, recursos humanos suficientes e hospitais. Por isso, a melhor maneira que temos para combatê-lo (o coronavírus) é o distanciamento e o isolamento social, para evitar que as pessoas não se infectem todas juntas nesse momento, e a gente consiga, nesse meio tempo, estudar o máximo possível e nos preparar, caso aumente o número de casos.

Por que, para algumas pessoas, é tão difícil entender a importância de ficar em casa?
Considero que um dos desafios que temos é de que a doença ainda tem um número pequeno de casos e entender essa progressão geométrica é muito importante. Esse crescimento exponencial é muito rápido. Então, hoje, no Distrito Federal, temos 500 casos. Se sairmos na rua amanhã, em dois dias, serão mil casos e, em mais dois dias, 2 mil. As pessoas, ao verem o impacto do isolamento social que estamos fazendo e conseguindo conter o número de casos, têm a impressão de que está tudo bem e que a gente pode sair de casa novamente. E a situação não é essa, precisamos continuar com o isolamento social. 

Temos cerca de 1,2 mil mortos no Brasil. Por que esses números não comovem a população da forma como deveria? 
Um dos aspectos é de que o número está muito abaixo do real. A gente tem alguns estados com dificuldade grande de realizar exames e confirmar esses casos. Provavelmente, temos muito mais registros do que estamos conseguindo contabilizar. Além disso, há a ausência de nomes. São apresentados apenas números virtuais. Quando começo a saber o nome das vítimas, por exemplo, uma tia, um cunhado, um amigo que faleceu, a gente passa a entender. Porém, quando isso acontecer, vai ser muito tarde e não vai dar tempo de a gente segurar essa pandemia. 

O coronavírus foi politizado demais? No domingo, a gente viu o presidente da República, Jair Bolsonaro, em uma transmissão ao vivo com religiosos, dizendo que a Covid-19 está indo embora. Isso realmente está acontecendo?
As principais lideranças mundiais que estavam se posicionando contra as medidas, hoje, mudaram de opinião. O Brasil é uma região que teve tempo para aprender com outras. A doença começou na China, se espalhou pela Ásia, foi para a Europa e atingiu Itália, França, Espanha, Portugal, e, agora, está nos Estados Unidos. Todos tiveram muitos casos e precisaram mudar as ações. Nós tivemos tempo e ainda temos, mas estamos gastando ele com discussões que não vão ajudar a conter a transmissão da doença. Temos de gastar energia discutindo como apoiar a sociedade, e essas pessoas que precisam ficar em casa. 

O Distrito Federal tem risco de ter uma disseminação descontrolada do vírus, como disse o Ministério da Saúde?
Os casos ainda estão concentrados na área do Plano Piloto. Temos muitas regiões administrativas com baixa estrutura sanitária e residencial. Se essa doença chegar a essas cidades, vamos ter muita dificuldade de conter. Por isso, a melhor medida possível é de que a gente organize as nossas casas, para que fiquemos o máximo possível dentro delas, e apenas aquelas pessoas que precisem cumprir serviços essenciais se desloquem. 



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