Cidades

Vândalos ocupam e saqueiam a cidade

O DF vira uma praça de guerra durante quatro horas

Correio Braziliense
postado em 15/04/2020 06:00 / atualizado em 16/09/2020 14:39

Badernaço na rodoviária do plano piloto, em Brasília, em 26 de novembro de 2011, com carros queimados e fumaçaEsta matéria foi publicada originalmente na edição de 28 de novembro de 1986 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram

 

1. A manifestação começa às 14h30 e, sob o comando da CUT, CGT, PT, PDT e PCB, transcorre normalmente até as 16 horas, quando os líderes pedem aos manifestantes que deixem o local. As 17h45, a polícia faz uma varredura na Esplanada, sem habilidade, e começam os primeiros conflitos. Os manifestantes são empurrados para a rodoviária.

 

2. Na Rodoviária não há policiais e, durante uma hora e meia, sem serem molestados, vândalos queimam 27 viaturas policiais, cinco ônibus e destroem cabines de despachantes, bancas de jornais, uma charutaria, uma lanchonete, além de saquear, incendiando logo após, o posto da Cobal. Só às 19h45 é que a Polícia Militar aparece.

 

3. Subindo na direção do Conic e do prédio da ECT, perto do Hotel St. Paul, grupos quebram lojas e incendeiam o Banco Safra. Na ECT, destroem os equipamentos de telex e de telegrafia. Onze prédios públicos são danificados. Às 21h30, a cidade começa a voltar ao normal depois de horas de violência e muita tensão.

 

Esplanada virou um campo de batalha

 

Confusão começou quando PM tentou dispersar manifestantes a golpes de cassetete 

A histeria coletiva que tomou conta da Esplanada dos Ministérios teve início efetivamente às 17h40, quando a Polícia Militar e tropas de Choque da PM tentaram dispersar os manifestantes a golpes de cassetete e bombas de gás lacrimogêneo. Apesar dos apelos dos dirigentes sindicais para que não corressem, os manifestantes sairam em disparada pela Esplanada, nas cercanias do Ministério da Fazenda - para logo em seguida se voltarem contra a polícia armada de pedras.

 

Na confusão que se seguiu, pessoas foram espancadas e policiais apedrejados. Em frente à tropa de choque, o senador eleito Maurício Corrêa e o presidente da Fenaj, Armando Rolemberg, tentavam acalmar o capitão responsável pela tropa de choque para que contivesse seus homens. Não adiantou, Maurício Corrêa se afastou dos policiais, cercado de jornalistas, quando os manifestantes começaram a reagir novamente, jogando paus e pedras na Polícia, que jogou bombas de gás lacrimogêneo, que caíram exatamente onde estava o senador.

 

Badernaço na rodoviária do plano piloto, em Brasília, em 26 de novembro de 2011: policiais e multidão durante protesto 

 

As bombas, porém, ao invés de dispersar, causaram ainda mais revolta na população, que resolveu resistir aos gritos. Nessa altura, seis minutos depois, toda a área ao redor do Ministério da Fazenda já estava cercada por policiais. No confronto, foram disparados alguns tiros. A medida que os manifestantes eram afastados, outros policiais iam chegando, especialmente para proteger os ministérios seguintes, do Exército, Marinha e Aeronáutica. O ministério do Exército chegou a mobilizar dois tanques de guerra, a princípio, para proteger seu prédio.

 

Já às 17h45, a Kombi de som do comício conseguiu sair do pátio do ministério onde ainda estava, e foi saudada pelos manifestantes. Um policial civil exclamou, ao vê-la: “Eram esses aí que a gente tinha que pegar”, e soltou um palavrão. Os palavrões, aliás, deram a tônica da manifestação.

 

Quando as coisas pareciam que iam se acalmar um pouco os manifestantes, sem nenhuma liderança aparente, se voltaram novamente contra a polícia - por vezes dando a impressão de que haveria uma luta corporal. Mas as bombas de gás os obrigavam a se afastar.

 

Às 18h, a PM já havia conseguido afastar os manifestantes para além do viaduto que marca o início dos prédios dos ministérios. Os carros que passavam abaixo, entretanto, faziam um barulho infernal de buzinas.

 

Além dos tanques e ônibus, camburões e caminhões, um helicóptero também foi mobilizado pelo Exército para conter a manifestação. Sobrevoando a Esplanada, o helicóptero dava a impressão de que despejaria pára-quedistas no meio dos manifestantes, o que não aconteceu. No cerrado próximo à Esplanada, uma moça foi perseguida por um PM e um membro da tropa de choque, após ter apedrejado alguns policiais. Antônia Aquino foi finalmente alcançada e presa.

 

Às 18h10, a maioria dos manifestantes já estava abrigada na Rodoviária, juntando-se às milhares de pessoas que àquela hora diariamente tomam seus ônibus.

 

Ainda não eram 19h e o céu próximo à rodoviária já estava escuro. Era a fumaça dos diversos veículos que já haviam sido queimados pela multidão - a essa altura, muito multiplicada pelos frequentadores habituais do local àquela hora. Nas plataformas superiores, milhares de pessoas se acotovelaram para aplaudir as cenas de confronto entre a polícia e os manifestantes.  

 

O primeiro veículo incendiado foi um microônibus do Exército, às 18h45. A passagem inferior sul da Rodoviária estava cheia de manifestantes, quando o motorista do ônibus tentou passar mas teve que parar por causa do trânsito que estava lento. Os manifestantes se acercaram e começaram a tentar virar o carro. Estimulados pela multidão que assistia a tudo, o veículo foi virado e incendiado, após a fuga do motorista.

 

Logo em seguida, uma Brasília azul do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) que passava pelo local também foi cercada pelos manifestantes. Desesperados, o motorista tentou escapar pelo gramado do Touring, mas não conseguiu. A Brasília foi apedrejada e em seguida, incendiada. O que aconteceu depois foi rápido. Animados, os manifestantes também depredaram um ônibus do Senado - igualmente incendiado.

 

O povo que havia se concentrado na Rodoviária subia e descia as plataformas aos gritos de “o povo unido jamais será vencido”. Nesse ínterim, alguns policiais, destacados para reprimir a manifestação na plataforma norte, estacionaram seus carros na parte inferior da Rodoviária. Todos os sete veículos foram incendiados, por manifestantes que desceram. Os de cima continuavam xingando e jogando pedras na polícia.

 

 O tumulto então foi além: começaram a ser depredados incendiados estandes da TCB, além de duas bancas de revistas. O mercado fixo da Cobal foi saqueado e incendiado. Da plataforma de baixo, eram jogados alimentos para os que estavam em cima, inclusive latas de óleo de soja, que sujaram o asfalto. Muitas pessoas saíram da Rodoviária carregadas de pacotes de arroz, feijão, óleo e panetones, alardeando estar com a “cesta básica”.

 

O trânsito havia sido bloqueado no início da via que passa por baixo da Rodoviária. Mesmo assim, não paravam de chegar carros que estacionavam nas calçadas da plataforma superior, e pessoas a pé.

 

Embaixo, um grupo de manifestantes partiu mais uma vez em direção aos policiais, que estavam parados na área de baixo. Atingido por pedras, um policial da tropa de choque se descontrolou e começou a atirar com uma pistola, mas foi detido antes que atingisse alguém por um colega da Polícia Civil.

 

Às 19h45, a polícia conseguiu finalmente invadir a Rodoviária, por cima e por baixo. Com muita bomba, tropas de Polícia Militar e do batalhão do choque expulsaram os manifestantes, que correndo subiram em direção à torre ou escaparam pelos lados. Na plataforma superior, a polícia obrigou todos os carros a saírem, e os PMs ficaram de prontidão enquanto a confusão não acabou. 


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