Cidades

Vírus se espalha na Papuda

Até ontem, 23 detentos e 20 policiais penais se contaminaram com o novo coronavírus no complexo penitenciário. Situação coloca o DF na primeira colocação em levantamento nacional de presos infectados. Minas tem mais casos suspeitos no Brasil

Correio Braziliense
postado em 15/04/2020 04:26
Higienização constante e isolamento dos presos contaminados são algumas das medidas adotadas para evitar que mais casos sejam registrados na Papuda


O Distrito Federal aparece em primeiro lugar no levantamento nacional de presos confirmados com a Covid-19 em comparação aos outros presídios do Brasil, conforme mostra o Painel de Monitoramento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) (leia Situação dos presídios no Brasil). O número de detentos infectados pelo novo coronavírus no Complexo Penitenciário da Papuda é de 23. Vinte policiais penais testaram positivo para a doença, segundo a Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP/DF). A população carcerária da Papuda é de 16 mil — a capacidade, no entanto, é de 7,7 mil pessoas.

O subsecretário do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe), Adval Cardoso, classifica o cenário como preocupante, com chance de piora. Por isso, a SSP/DF tem adotado medidas preventivas para combater a disseminação do vírus nas cadeias. “Estamos preparando um plano de ação e concluindo algumas reformas nas unidades, pois estávamos prevendo essa possibilidade de aumento de casos. O avanço da doença nos preocupa, mas o estrago não está sendo maior graças às ações tomadas”, explicou.

O primeiro caso de coronavírus na Papuda ocorreu no Centro de Internamento e Reeducação (CIR), em 3 de abril. O paciente é um policial penal. Na última quinta-feira, um interno do Centro de Detenção Provisória (CDP) testou positivo para a doença. Em menos de 10 dias, o vírus se espalhou no complexo penitenciário. Dos 23 infectados, 10 são do CDP e 13 do CIR. No caso dos agentes penitenciários que estão com a doença, seis são lotados no CDP, 11 no CIR e três na Penitenciária do Distrito Federal II (PDF II).

Segundo Adval, após o primeiro caso de interno infectado pelo novo coronavírus, profissionais da saúde promoveram um mutirão para realizar testes da Covid-19 em outros detentos. “Em apenas um dia, foram feitos 242 testes, tanto nos internos que estavam na ala do custodiado infectado quanto nos outros que apresentavam os sintomas da doença”, detalhou o subsecretário.

A SSP/DF informou que todos os servidores contaminados pela Covid-19 foram afastados das atividades e seguem em isolamento domiciliar. Um deles se curou. Os presos estão isolados dos demais detentos. “Felizmente, todos estão bem e apresentam sintomas leves. Estamos mantendo a higienização constante. Ontem, por exemplo, retiramos todos os internos das alas do Centro de Detenção Provisória (CPP) para fazer a higienização”, detalhou o subsecretário Adval.

Além do DF, Ceará, Pará e Pernambuco têm casos confirmados de coronavírus. Cada um registra um caso, segundo o painel do Depen. Minas Gerais é a unidade da Federação com mais suspeitas: 49. Em seguida, aparecem São Paulo (24), Distrito Federal (23), Santa Catarina (21), Rio Grande do Sul (18) e Pará (10).

A reportagem questionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública para saber se os presos das unidades prisionais de todo o país são submetidos aos testes para coronavírus. Em nota oficial, a pasta informou que essa informação compete ao Depen. Contudo, o Depen respondeu que “apenas recebe as informações dos casos suspeitos e confirmados das secretarias dos outros estados e lança, diariamente, no painel de monitoramento”.



Medidas

A fim de evitar a disseminação da doença na Papuda, a Sesipe determinou a prorrogação das visitas até sexta-feira. A data, no entanto, será analisada e poderá ser prolongada. A medida, iniciada em 12 de março, está alinhada às ações do Governo do Distrito Federal (GDF) voltadas para a prevenção do contágio do vírus.

Além disso, a pasta esclareceu que as celas de todos as unidades passam, diariamente, por higienização com hipoclorito de sódio, componente da água sanitária. Consultórios específicos, com médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde foram montados nos presídios para avaliar suspeitas da Covid-19. Um hospital de campanha também é construído para atender aos internos vítimas do coronavírus. Em nota oficial, a Secretaria de Saúde informou que a tenda está em fase de planejamento e avaliação técnica. A estrutura será composta por 10 leitos, com suporte de ventilação mecânica, e 30 de retaguarda para internação.

Outra medida implementada foi a suspensão dos atendimentos presenciais de advogados. A Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB/DF) inaugurou ontem o parlatório virtual nos presídios. O sistema permitirá o atendimento por meio de videoconferência com os presos. Os agendamentos estão previstos para começarem hoje no CIR e serão abertos às demais unidades da Papuda, gradualmente, até o fim de abril.

Determinação da juíza titular da Vara de Execuções Penais (VEP) do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), Leila Cury, antecipa, ainda, a progressão de regime aos sentenciados que alcançariam o benefício da prisão domiciliar até 17 de julho. O benefício contemplará cerca de 600 presos. Além disso, a magistrada suspendeu as saídas de internos do semiaberto para o trabalho externo.

Triagem

Para Valéria Paes, infectologista da Universidade de Brasília (UnB), é preciso pensar em novas ações de combate à Covid-19, antes que as penitenciárias entrem em colapso. “Em uma situação dessas, é preciso conciliar o tratamento a essas pessoas que adquiriram a infecção, sejam os internos, sejam os profissionais da segurança. Estão todos no mesmo ambiente, confinados. É necessário estabelecer uma sistemática identificação das pessoas doentes a fim de isolá-las rapidamente”, orientou.

Segundo o presidente da Associação Brasiliense de Medicina Legal (ABRML), João Pitaluga, é preciso adotar a testagem em massa, de maneira a permitir a melhor gestão do isolamento nos presídios. “A situação é grave, uma vez que a população carcerária enquadra-se no grupo vulnerável, visto a grande aglomeração de custodiados nas penitenciárias, a pouca ventilação e o contato íntimo. O vírus apresenta alta taxa de transmissibilidade. Dessa forma, a tendência é de aumento importante no número de casos nos presídios”, ressaltou.


Depoimento

“Senti fortes dores no corpo”


“Em 31 de março, eu estava muito mal no serviço. Comecei a sentir febre e dor de cabeça. Fui para casa, mas, a princípio, não achei que estava com o coronavírus. A febre começou a aumentar, até que chegou aos 38°C e senti fortes dores no corpo e atrás dos olhos, além de tosse. Era terrível. A partir daí, me ausentei do trabalho. Em 6 de abril, fiz o teste e, no outro dia, saiu o resultado, apontando que eu estava com o coronavírus. Desconfio de que eu tenha pegado a doença na própria Papuda, porque outros colegas de trabalho tiveram resultado positivo para a doença; então, desconfiei logo. Enquanto eu estava lá, utilizávamos álcool em gel, luvas e máscaras, mas o ambiente não é favorável, é insalubre. Infelizmente, a minha esposa também se infectou. Estamos em isolamento domiciliar e, aos poucos, os sintomas estão indo embora.”

Policial penal,
lotado no Centro de Internamento e Reeducação (CIR)
 
 

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