Cidades

Coronavírus: Pacientes com doenças raras sofrem uma nova ameaça

Conviver com o medo e aprender a lidar com as incertezas são realidades anteriores à crise na casa e na vida de pacientes com doenças raras

Correio Braziliense
postado em 17/04/2020 06:00

Renata Pain vivia em isolamento antes da pandemiaA escalada do novo coronavírus pelo mundo trouxe com ela a preocupação com o desconhecido e com os desdobramentos de uma doença que, no Brasil, provocou a morte de quase 2 mil pessoas. Contudo, conviver com o medo e aprender a lidar com as incertezas são realidades anteriores à crise na casa e na vida de pacientes com doenças raras. "É um pouco complicado, vivemos sempre em meio ao medo e à incerteza de um novo amanhã", resume Ketillen Oliveira, 34 anos. "Já vivia a quarentena. Sou uma pessoa que está em um grau mais avançado da doença (hipertensão arterial pulmonar). Não consigo mais fazer esforço, uso oxigênio 24 horas, faço tratamento no Hospital Universitário de Brasília (HUB) há seis anos. Conviver com a pandemia é mais do mesmo. É um medo constante. Você já tem uma doença de base perigosa, progressiva e sem cura", acrescenta Renata Pain, 37 anos.

Enquanto existem muitas doenças raras, diversas na origem, nos sinais, nos sintomas e nos tratamentos, o somatório de medo é um fato que reúne famílias e pacientes em um momento como este. Em Santa Maria, Ketillen se dedica 24 horas aos cuidados com o filho Kallebe, de 11 anos, diagnosticado com Síndrome de West, um tipo raro de epilepsia. Na rotina normal, o menino tem uma agenda cheia. Além das consultas com neurologista, nutricionista, gastroenterologista, dentista, a cada três meses, Kallebe cursa a escola inclusiva e faz tratamento com fisioterapeuta, psicólogo e fonoaudiólogo duas vezes por semana. "Sempre buscamos proporcionar tudo para ele, e ele teve uma evolução muito boa. Kallebe não tinha expectativa de vida. Foi a gente, como família, que decidiu correr atrás de tratamento", comenta a mãe.

Com o avanço do novo coronavírus no DF, as consultas eletivas, aquelas classificadas como não urgentes, foram canceladas. As terapias também estão paradas. A família mais, uma vez, entra em cena para atuar como fisioterapeuta, fonoaudióloga e psicóloga. "Em crianças com problema de encurtamento, como o Kallebe, a gente não pode parar. Então, fazemos terapia em casa com bola, faço alongamento com ele e utilizo o que a gente tem, porque tudo é um estímulo", detalha. Os profissionais que normalmente acompanham Kallebe também têm buscado orientar Ketillen nas atividades do dia a dia por WhatsApp e vídeos.

Luta pela inclusão

De um modo geral, pessoas com doenças raras apresentam quadros crônicos e multissistêmicos, que as colocam no grupo de risco, como o dos idosos, com maior vulnerabilidade física e psicossocial. "Esta quarentena replica parte da vida dessas pessoas. Então, do ponto de vista de isolamento social, não tem muita novidade. Só que temos que considerar que são pessoas com saúde mais frágil. Existe uma preocupação com as pessoas que não estão cumprindo a quarentena de fato, de levarem para as suas casas o vírus e contaminarem passivamente quem tem doenças raras, deficiências.", avalia o professor Natan Monsores, coordenador do Observatório de Doenças Raras da Universidade de Brasília (UnB).

A informação, para o professor, é uma das principais ajudas em um cenário como este. Por isso, o observatório disponibilizou um guia com orientações sobre a Covid-19. Natan destaca que cuidados como lavar as mãos, trocar de roupa ao entrar em casa e evitar o contato com outras pessoas são essenciais. "Ao sair de casa, para o paciente e o acompanhante, é imprescindível o uso da máscara. E não abandonar o tratamento já estabelecido, nem mudar a orientação do médico. Por fim, se pegar o vírus, ao chegar na unidade de saúde, é fundamental comunicar que tem uma doença rara, uma deficiência", detalha. Na rede de saúde do DF, considerando o HUB, a Secretaria de Saúde, o Hospital Sarah e o Hospital da Criança, Monsores acredita que 500 novas famílias dão ingresso todo mês na área de genética. 


Três guias sobre Covid-19 e doenças raras

» Orientações para as pessoas com doenças raras. Documento elaborado pelas associações da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas), pela equipe do Observatório de Doenças Raras — NEv/UnB e por um grupo de especialistas de todo Brasil: http://rederaras.unb.br

» Cartilha do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos com recomendações para profissionais que atendem a pessoas com deficiência e raros: https://sway.office.com

» Guia do Instituto Vidas Raras: http://www.vidasraras.org.br

 

Duas perguntas para Regina Próspero, Diretora vice-presidente do Instituto Vidas Raras e mãe de Dudu, seu segundo filho acometido por uma doença chamada MPS (mucopolissacaridose), que desequilibra o funcionamento do organismo pela falta de uma enzima:


Pacientes com doenças raras precisam ter cuidados extras?
Sempre. Eles precisam não só de cuidados extras como de condutas diferentes. Tratar um paciente com doença rara é totalmente diferente de tratar um paciente sem uma doença de base. Se o profissional de saúde não entender da doença de base do paciente em cuidado, o grau de insucesso é muito alto. Podemos dizer que conhecimento em cuidados e condutas para tratar de um doente com doença rara é fator determinante entre a vida e a morte desse paciente. Infelizmente, nos deparamos frequentemente com erros que poderiam ser evitados se houvesse maior conhecimento dos profissionais em doenças raras.

Para o Instituto, já chegou algum relato de paciente infectado ou que esteja com medo? O que mais tem ouvido e recebido?
Sim. Perdemos crianças esses dias. E temos um grande agravante, os pacientes de doenças raras (principalmente as crianças) necessitam de acompanhantes. Infelizmente, ao suspeitar de Covid-19, esses pacientes são afastados de seus familiares, deixando-os não só vulneráveis como a família em desespero. Vou explicar o porquê: todo o histórico desse paciente está com a família, que, muita vezes, entende mais da doença do que o profissional que está na linha de frente do atendimento. Estar por perto para informar aos profissionais da saúde o que é 'normal' para a doença e o que é preocupante para aquele paciente é fator determinante para o bom cuidado. Medo é o que nos cerca. Tenho recebido pedido de ajuda de pacientes em prantos, para ter seu tratamento retomado. Tenho recebido pedido de ajuda para fazer solicitação formal (estamos trabalhando nisso) para que nossos raros e deficientes tenham atendimento garantido, visto estarmos com medo de que, na falta de equipamentos nos hospitais, os pacientes de doenças raras não sejam discriminados e tenham a chance de serem tratados como qualquer outro paciente.

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