Correio Braziliense
postado em 19/04/2020 08:00
A chegada do novo coronavírus ao Distrito Federal teve, e continua tendo, impacto direto e indireto na vida da população. As mudanças são vistas no convívio social, nos hábitos de higiene e no trabalho. Enquanto alguns conseguem trabalhar remotamente, para outros as dificuldades econômicas significaram perda de trabalho, ou, no caso de empregadores, necessidade de dispensar equipes. Atualmente, a Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) realiza uma pesquisa, por telefone, para medir o impacto do desemprego. Nacionalmente, o ano não começou bem: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o trimestre encerrado em fevereiro teve aumento de 11,6% no índice de desemprego do país.
A designer Bianca Zimmerer, 24 anos, é uma das brasilienses dispensadas durante a quarentena. Ela trabalhava como diretora de arte em uma academia, onde editava vídeos e lidava com a parte visual da empresa. Em 24 de março, no entanto, foi informada de que o contrato seria suspenso por tempo indeterminado. “Tentaram me chamar para trabalhar temporariamente, durante a crise, mas eu não quis. O estresse seria muito grande e eles não estavam dispostos a pagar o salário completo, mesmo que as demandas fossem as mesmas.”
Agora, ela se concentra em ficar em casa, evitando qualquer risco de exposição ao vírus, enquanto atualiza o portfólio. “Nenhum lugar está chamando para entrevistas, então estou tentando me atualizar ao máximo e estudar para que, quando tudo isso acabar, eu possa conseguir outro emprego.” Caso a quarentena se estenda, planeja se sustentar com a renda poupada e tentar um trabalho remoto no exterior.
Bianca trabalhava como freelancer. Trabalhadores informais como ela, além de autônomos, serão os mais atingidos pela crise, como afirma César Bergo, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF). Por outro lado, setores como o de saúde, o de limpeza e o de manutenção estão tendo mais contratações. “A crise é alegria de alguns e tristeza para outros, na questão de economia”, define Bergo. Para o economista, o pior ainda está por vir. “O Estado tem que ser indutor do desenvolvimento, então nesse primeiro momento vai ter papel fundamental no estímulo ao emprego”. Ele calcula que o desemprego cresça de 20 a 30% em relação à última avaliação.
A Secretaria de Trabalho também calcula o índice de desemprego a partir dos pedidos de seguro desemprego. Das 17 agências, cinco estão em funcionamento. A restrição faz parte das medidas adotadas para evitar a exposição de muitas pessoas. Segundo o secretário do Trabalho, Thales Mendes, em 10 dias os números deverão ter sido tabulados. “O governo tem se reunido para ver quais medidas poderiam ser tomadas para minimizar os efeitos da crise para a economia local”, afirma (veja Medidas).
Ele acredita que, por Brasília ser uma cidade com grande número de servidores públicos, a recuperação econômica será rápida. “O turismo cívico e político não vai deixar de existir, portanto, logo após o fim dos efeitos dos decretos de emergência, a cidade deve entrar no ritmo que vinha vivendo.” Para ajudar, ele afirma que a meta é dar acesso rápido ao seguro desemprego. “Foi criado um comitê para que criemos ações e iniciativas que diminuam os efeitos. Uma coisa é a questão de saúde; outra, o impacto econômico na cidade.”
Emprego difícil
Se administrar um negócio em situações normais já não é fácil, a chegada de uma nova crise torna tudo ainda mais complicado. Que o diga o empresário Davi de Jesus, 34 anos. No ano passado, ele cuidava de um restaurante de comidas saudáveis em Águas Claras, além de dois quiosques de empada em shoppings. Os altos custos com aluguel, procedimento, além do valor cobrado por aplicativos de entrega, fez com que ele fechasse o restaurante, no início de fevereiro, enquanto o novo vírus se instalava na capital.
Com dívidas, se viu com os dois quiosques parados, uma vez que os shoppings foram fechados por decisão do governo local. “Estávamos sem fluxo de caixa, e precisei desligar um funcionário em março”, lamenta o empresário. Uma empregada, grávida, teve as férias antecipadas. Duas pessoas, em vias de serem contratadas, estão afastadas até o fim da crise, mas Davi não sabe se, quando tudo passar, terá condições de efetivá-las. Ele teme as contas que virão, como os aluguéis dos estabelecimentos.
Para conseguir pagar o salário dos funcionários que permaneceram com ele, recorreu a recursos próprios, graças a um projeto de gestão de processos que iniciou dois dias antes do início da quarentena. Apesar das preocupações, ele tenta ficar tranquilo. “É preciso manter a cabeça muito fria numa situação dessas para não surtar. O desespero bate, mas, do mesmo jeito que construí minha empresa do zero, vou conseguir reverter essa situação.”
Especialistas afirmam que esta é uma crise sem precedentes, e que não será tarefa simples recuperar a economia. Matheus Silva de Paiva, coordenador do curso de Economia da Universidade Católica de Brasília (UCB), explica que os efeitos só poderão ser mensurados após o fim da quarentena. “O que a gente está experimentando é uma coisa nunca vista no mundo. Em crises como a de 1929, da quebra da Bolsa de Nova York, tinha gente trabalhando em todos os setores. Agora, temos uma contração do trabalho, em que pessoas empregadas não estão produzindo.”
Na visão dele, passada a quarentena, serão necessários programas de estímulo ao emprego para uma rápida recuperação. “As pessoas são criativas para visualizar oportunidades de ganhar dinheiro, mas é preciso flexibilizar a regulamentação”, acredita. Segundo o economista, para que isso aconteça, é necessário reduzir impostos e custos.
Medidas
Os governos local e federal anunciaram algumas ações para evitar um aumento nos índices de desemprego. Veja quais são:
» BRB: o Banco de Brasília lançou uma linha de crédito de R$ 1 bilhão para que empresários consigam manter os negócios funcionando e pagar os funcionários. Entre as vantagens, estão as taxas de juros fixas em 0,8%, com prazo de carência de até seis meses, e, para pagamento, de até 36 meses.
» BNDES: linha de financiamento para pequenas empresas, com limite de crédito máximo de até R$ 500 mil por cliente, a cada 12 meses. O prazo máximo é de 60 meses, com até dois anos de carência. São três opções de juros de referência: taxa de longo prazo, Selic, ou taxa fixa do BNDES. Em todos os casos, é acrescida a taxa do banco, de 1,45% ao ano, além da remuneração do agente financeiro, negociada com o cliente final.
» Prospera: programa de microcrédito concedido a quem tem atividades produtivas de pequeno porte. Os valores cedidos vão de R$ 4,2 mil a R$ 83 mil. As parcelas para pagamentos estão suspensas, enquanto durar a quarentena, com mais 60 dias após a suspensão do decreto que fechou o comércio. Os juros foram cortados pela metade e estão agora em 0,3% ao ano, sem cobrança de IOF.
Saiba mais
Perdeu o emprego? O advogado Thiago Sorrentino, professor de
Direito do Estado do Ibmec, dá dicas sobre o que fazer nesses casos:
Direito do Estado do Ibmec, dá dicas sobre o que fazer nesses casos:
Organize as finanças – Levante todos os contratos que firmou e o que tem de gastos, como escolas ou financiamentos. Analise todos os custos e procure uma forma de conseguir nova fonte de renda;
Conciliação – Antes de entrar com um processo contra a empresa que o demitiu, tente uma conciliação. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) pode ajudar a conciliar o pagamento do que for devido;
Direitos – Quem trabalhava com a carteira assinada tem todos os direitos do trabalhador e é respaldado pela Justiça Trabalhista. Durante a assinatura da demissão, estar acompanhado de um representante do sindicato da categoria vai ajudar a garantir que todos os direitos sejam garantidos. Caso isso não seja possível, procure uma Agência do Trabalhador. O ex-funcionário tem direito ao seguro desemprego, fundo de garantia, férias que eventualmente não tenham sido pagas, e multa rescisória (em alguns casos). Freelancers ou funcionários que atuavam como pessoa jurídica, por outro lado, estão mais vulneráveis. Por não ter vínculo empregatício, não têm os mesmos direitos. Mas atenção: alguns contratos preveem multa caso a rescisão aconteça antes do estabelecido.
Os mais atingidos
Em termos de capital, a quarentena preocupa, sobretudo, o setor produtivo. Francisco Maia, presidente da Federação de Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF) defende a reabertura, ainda que gradativa, do comércio antes do prazo dado, a partir de 3 de maio. “Ao menos 15% dos restaurantes do DF não irão funcionar mais”, lamenta. “E a gente tem que se organizar para orientar. Reabrir o comércio não significa que as pessoas vão correr para as lojas, porque ainda fica o temor de ir à rua.”
Segundo levantamento da instituição, a área de turismo deve ser a mais afetada, com potencial de reduzir 295 mil empregos em apenas três meses. “É uma devastação total, porque existe uma cadeia. Ela começa nos eventos que trazem milhares de pessoas para as cidades. Ali, há muito freelancer trabalhando, e então o desemprego cresce”, ressalta. Com o Congresso Nacional operando em home office, ocupações em hotéis também reduzem, além do cancelamento de voos, que deixam de trazer turistas para a capital.
Dono de uma empresa que produz eventos, o empresário Frederico Barros, 37 anos, sentiu o baque. Com 10 trabalhos já marcados, e que precisaram ser cancelados, ele calcula prejuízo de R$ 300 mil. Contratações temporárias, como de recepcionistas, organizadores e produtores, também foram suspensas. “Conosco, ao menos 60 pessoas deixaram de trabalhar por dia. Ao todo, foram pelo menos 200 pessoas”, calcula.
Ele está conseguindo manter os contratados formais, assim como estagiários, por meio do corte de despesas. “Existe uma linha de crédito do BNDES, junto ao governo federal, para pagar o salário dos funcionários”, destaca. Além disso, aposta, na criação de um aplicativo para eventos on-line, com shows de artistas a preços populares, o que irá gerar renda para produtores, músicos e causas sociais.
Três perguntas para
Três perguntas para
César Bergo, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF)
Já é possível saber se houve aumento do desemprego no DF,
em decorrência da crise do coronavírus?
em decorrência da crise do coronavírus?
Do ponto de vista de emprego físico não tem como ver, até pela dinâmica de apuração desses dados. Alguns setores estão prejudicados e outros demandam mão de obra em função da crise: saúde, limpeza e manutenção predial. Que a crise vai atingir sobretudo o emprego informal e autônomo, não há dúvidas. Alguns setores foram atingidos de frente: área de hotelaria e restaurante. Mas, supermercado aumentou (a demanda), porque as pessoas cozinham mais em casa. A crise é alegria de alguns e tristeza para outros, na questão de economia. Brasília é uma cidade muito dependente do serviço público, e esse não vai demitir. Se a gente tratar do mercado local, há grande manutenção no emprego federal e no do GDF. Isso já é um alento, em comparação a outras capitais.
Sabemos que o isolamento social é importante, mas que
ele gera impactos na economia. Como podemos diminuir os prejuízos?
ele gera impactos na economia. Como podemos diminuir os prejuízos?
Já existia uma mudança no trabalho, o vírus só antecipou a coisa. As pessoas estão arrumando formas novas de trabalho. Brasília é cidade de alto risco, então o isolamento é fundamental, e as pessoas vão acabar revendo a forma de trabalho. Do ponto de vista de mobilidade urbana, é algo positivo. Mas por outro lado, nem todo mundo tem essa oportunidade. Algumas funções estão sendo criadas em termo de atividades e prestação de serviço. Brasília tem espaço para a criatividade e para as pessoas se reinventarem. Vai ter para todo mundo? Não. Temos problemas, mas acho que, em termos de emprego, a gente vai ter uma queda absurda; estimamos algo em torno de 20% a 30% de desemprego acima da taxa que estava anteriormente.
O que é possível fazer para contornar a situação e evitar aumento nos índices de desemprego?
O Estado tem que ser indutor do desenvolvimento, então, nesse primeiro momento, ele terá um papel fundamental no estímulo ao emprego. É necessário apoio aos empresários. O BRB tem disponibilizado crédito às micro e pequenas empresa, que são as maiores empregadoras do país, mas existe muita burocracia. Os paradigmas têm que ser quebrados.
Olhando o lado dos trabalhadores, tem que haver proteção para eles. O que a gente tem visto é empresário com discurso de demissão, e isso gera intranquilidade. Muitas pessoas não têm a cobertura da seguridade social. Não tem como buscar hospital.
Por último, tem de haver diálogo entre os poderes Executivo e Legislativo. Que esqueçam essa guerra ideológica para cuidar do povo, pensando unicamente em salvar o máximo possível das pessoas, ao invés de disputar no palitinho quem vai ganhar alguma coisa.
A dor vai ser grande. O pior não passou ainda, está por vir. Você tem que adotar medidas que protejam o empregado. A gente não tem essa segurança porque tudo é novo. Nesse momento, a economia tem que mostrar os instrumentos, porque os valores são humanos. O investimento tem que, sobretudo, recuperar o turismo, o transporte e as empresas de evento.
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