Cidades

Perseverança: conheça histórias (e dicas) sobre como enfrentar o isolamento

Mais de um mês após as medidas de distanciamento social entrarem em vigor, moradores do DF e Entorno falam sobre as sensações mais frequentes durante o período de pandemia. Especialistas na área da psicologia lembram a necessidade de reagir e dão sugestões de como ajustar a rotina para encarar esta fase

Correio Braziliense
postado em 19/04/2020 08:00
Mariana AraújoAdaptar-se nunca foi tão necessário. Diante de um panorama considerado sem precedentes em inúmeras áreas, o ajuste a uma vida dentro de casa se tornou medida essencial para evitar o aumento abrupto dos casos da Covid-19. Em muito lares, a experiência ao longo de um mês de confinamento abriu brecha para sentimentos de medo, estresse, angústia, apreensão. Ao mesmo tempo, criatividade, altruísmo, empatia e união se mostram imprescindíveis. A maioria dos brasilienses entende a importância das ações de isolamento social, apesar das dificuldades impostas.

As medidas de restrição no Distrito Federal começaram a valer em 11 de março, com a publicação de um decreto que suspendeu eventos que precisassem de alvará, além das aulas de toda a rede de ensino. De lá para cá, a população precisou encontrar meios de levar a vida adiante ficando em casa o máximo possível. Órgãos oficiais de saúde lembram constantemente que, para evitar a sobrecarga do sistema e garantir o atendimento das demandas, quanto menos pessoas nas ruas, melhor.

Pesquisadores da área da psicologia explicam por que o isolamento gera tantos efeitos emocionais e destacam a importância de manter o contato com amigos e parentes (leia Dicas). Pós-doutora em situações de catástrofes e luto, a psicóloga Rosana Dorio Bohrer destaca que o cenário de mudanças gera um processo de rompimento do “mundo presumido”. “Na vida, vamos criando estratégias para um futuro previsível. De repente, acontece algo que faz esse mundo presumido cair por terra. A pessoa se sente impactada, porque não era algo que ela previa”, descreve.

Incertezas


Rosana comenta que, no início, a negação é uma resposta comum e que, com o tempo, pode surgir a sensação de impotência. “Situações extremas nos levam a mostrar mais nossos impulsos. O mais importante é que são reações normais para situações anormais. Emergências ou catástrofes podem nos levar ao nosso melhor ou ao nosso pior. Esta pandemia vai gerar um sentimento de realidade. Antes, tínhamos uma sensação ilusória de segurança e continuidade. Hoje, sabemos que o mundo presumido nem sempre se sustenta”, afirma a psicóloga.

Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva observa que a mudança no estilo de vida provoca incertezas sobre o futuro e que pode gerar sentimentos de ansiedade, incerteza, bem como de insegurança. “Hoje, percebemos claramente três situações importantes: pacientes que têm quadros psiquiátricos que nunca apresentaram; pacientes psiquiátricos tendo recaídas durante o tratamento; e a volta de quem tinha recebido alta. O que mais aparece são quadros de transtorno por estresse pós-traumático”, relata o médico.

Rotinas


Em nível profissional, as adequações requerem o desenvolvimento de estratégias. Professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora na área de mudança organizacional e de gestão da mudança, Elaine Rabelo Neiva ressalta que as pessoas terão de aprender a gerenciar a vida pessoal e o trabalho. “É preciso criar um script. Muitos falam em rotina. Isso envolve como a pessoa vai se dividir entre as tarefas domésticas, as do trabalho, como vai gerenciar demandas do restante da família. Além de criar rotinas de coisas que sejam prazerosas, para que a vida não se limite a cuidar de casa, filhos e trabalho”, recomenda Elaine.
 

"Este momento não é uma competição"

 
Mariana Araújo, 27 anos, redatora, moradora da Asa Norte:

“Quando os funcionários da empresa onde trabalho foram liberados para fazer home office, tive a doce ilusão de que trabalhar em casa seria fácil como nos tempos de freelancer. Acontece que, naquela época, não havia a pandemia de um vírus desconhecido, e eu sempre podia recorrer a cafés, bibliotecas e casas de amigos toda vez  que me cansasse da minha escrivaninha — e essa era uma coisa que eu fazia bastante.

Nunca fui caseira. Quem me conhece sabe que não paro quieta. Cheguei a ouvir de uma amiga que minha vida era ‘um eterno sábado’, porque tenho o privilégio de morar perto de várias pessoas queridas e de encontrá-las ao menos três vezes por semana. Agora, esses encontros são videochamadas. Essa tem sido a parte mais difícil para mim. Namorei três anos a distância e estava farta de trocar afeto virtualmente. Hoje, essa é a única forma de me comunicar com todos que conheço — e viver nesse mundo digital é um prato cheio para a ansiedade.

Além dos números alarmantes de casos de Covid-19, somos bombardeados com posts de pessoas que estão passando a quarentena fazendo exercício, ioga, faxina... Quando comparamos esse cenário com nossa pia cheia de louça, nos sentimos fracassados (risos). Mas temos de lembrar que aquele post é só uma parte da vida da pessoa e que este momento não é uma competição de produtividade. Conversar com amigos sobre isso tem me ajudado a ficar menos ansiosa e perceber que não estou sozinha nessa. Tenho aproveitado também para ver o lado bom da reclusão. Posso ficar mais tempo com meu cachorro e fazer coisas que nunca pensei, como aprender passos de dança e ver videoaulas de escultura em cerâmica.”
 

"Minha preocupação é com os outros"

 
homem sorrindo 
 
Marcelo Padilha, 41 anos, professor de biologia e ciências, morador do Park Way:

“Ficar em casa tem sido relativamente tranquilo, porque gosto muito disso. Adoro minha casa, curto muito jogar videogame, ver filme, ler. Moro em um lugar muito legal, que tem um quintal grande, onde tenho condição de passear com meu cachorro, estar em contato com a natureza. Para mim, o problema não é ficar em casa, mas o que as pessoas estão passando por causa dessa pandemia. Minha preocupação é com os outros, principalmente com quem está passando por uma série de problemas.

Como professor, estou gravando aulas, editando, fazendo lives o tempo todo. Diria que estou até trabalhando mais do que trabalharia presencialmente. A parte mais difícil é a da disciplina. De home office, não é algo simples. Para um cara como eu, que tem deficit de atenção e hiperatividade, é difícil. Mas estou conseguindo aos poucos, sem grandes problemas, focar e fazer minhas atividades diárias.

A melhor parte é ficar em casa, mas o motivo disso que é péssimo. Sinto falta de encontrar amigos e amigas, ir a eventos sociais, ao cinema, jantar fora. O que esse momento de isolamento tem me ajudado a perceber é quão importantes são essas pequenas coisas da vida. Inclusive, uma das dificuldades é com relação aos exercícios. Mas tenho tentado fazer exercícios, sessão de ioga, meditação e me cuidar em termos de alimentação, para manter a rotina. A grande dica é se ocupar.”
 

"É bom ter mais tempo para pensar"

 
uma mulher em frente a um notebook 
 
Eduarda Gonçalves, 21 anos, correspondente bancária, moradora do Gama:

“Ficar em casa tem sido, acima de tudo, entediante. Por estar tanto tempo ‘presa’, fico estressada com mais facilidade. Qualquer coisinha irrita. O isolamento tem me deixado bem mais sensível. O que mais mudou na rotina foi o emprego. Fazer home office é bem mais cansativo do que ter de pegar ônibus todo dia para ir trabalhar, por incrível que pareça. Eu era acostumada a isso.

A parte difícil é estar afastada das pessoas de quem eu gosto, que faziam parte muito ativamente de minha vida: meus avós, minha irmã que não mora comigo, meu namorado. Esse afastamento me entristece muito. Mas é bom ter mais tempo para pensar, planejar e fazer coisas que eu não conseguia antes. E também tenho tido momentos de bastante qualidade com minha família. Esses são os melhores.

Essa aproximação me ajuda bastante a não me sentir só, continuo fazendo minhas sessões com a psicóloga. Fazemos atendimento on-line semanal. Esse período tem me entristecido bastante, me deixado angustiada e ansiosa por causa da saudade das pessoas e da situação com o vírus. Ultimamente, evito muitas notícias sobre a pandemia. Só vejo o necessário. Ainda sinto falta de visitar meus avós, de sair no fim de semana, de trabalhar... Da rotina. Mas percebi que, apesar da correria do dia a dia, é importante tirar um momento para si mesmo.”
 

"Nunca senti tanta falta de trabalhar"

 
mulher sorrindo 
 
Karine Ribeiro, 22 anos, estudante e corretora de imóveis, moradora da Cidade Ocidental (GO):

“Minha experiência de ficar isolada é até boa. Depois da quarentena, comecei a fazer exercícios em casa, o que logo me incentivou a parar de fumar. Fui influenciada pelas redes sociais e me desafiei a cumprir as atividades físicas. A parte mais difícil, sem dúvidas, é ter de lidar com a falta de renda, pois sou corretora de imóveis. Alugo casas para temporada em Caldas Novas (GO), mas os hóspedes sumiram. Um decreto municipal impede a entrada de turistas na cidade.

O lado bom tem sido o das práticas mais saudáveis. Tirei um tempo para autoconhecimento físico e emocional. Mas sinto falta de sair com amigos e família nos fins de semana. O isolamento também tem me ensinado a perceber como os animais devem se sentir. E esse período sombrio tem afetado meu psicológico negativamente pela falta de dinheiro, devido ao fato de ser autônoma.

Sinto que os profissionais autônomos deveriam ter mais segurança no quesito financeiro, afinal, pagamos impostos como todo cidadão e ajudamos a economia do país. Tenho economizado itens básicos ao máximo e me distraio para não pensar tão negativamente. Até peguei dinheiro emprestado, mas nem consegui pagar ainda. Também me cuido ao máximo e espero que as outras pessoas façam o mesmo, para essa quarentena acabar logo e nossa rotina voltar ao normal. Nunca senti tanta falta de trabalhar.”
 

Dicas

 
Confira o que pode ajudar na hora de lidar com o momento de isolamento social:
 
Saúde mental

» Dê preferência por uma alimentação saudável;

» Cuidado com a desorganização do sono;

» Converse com outras pessoas da casa e postergue discussões se perceber que a pessoa está em um momento de oscilação emocional;

» Busque fazer atividades que envolvam a criatividade e que te dão prazer (culinária, música, leitura, desenho, etc.);

» Tente estabelecer vínculos com familiares distantes, principalmente com aqueles que moram sozinhos;

» Lembre-se como você lidou com outros momentos difíceis da vida;
» Mantenha-se informado ao menos sobre o básico e busque histórias de pessoas que têm conseguido se recuperar;

» Aumente a frequência das reuniões virtuais ou das ligações com pessoas queridas, principalmente quando se sentir só ou mais triste que o normal;

» Crie rotinas para as crianças, pois isso as ajuda a ter sensação e continuidade das atividades do dia a dia;

» Para os adolescentes, incentive que as reuniões virtuais com os amigos aconteçam com a mesma frequência de antes, mas em grupos. Contatos excessivos e fora de horários definidos podem gerar sensação de sobrecarga ou insegurança;

» Se necessário, busque a ajuda de profissionais da saúde.

Trabalho

» Gestores precisam oferecer os insumos e as condições necessárias para os funcionários que precisarem trabalhar de casa;

» Também é preciso entender o processo de trabalho em casa para saber como dividir as atividades entre a equipe;

» Delimite os momentos para cuidar do trabalho e da vida pessoal, separadamente;

» Vídeos e tutoriais na internet podem ajudar a aprender e aproveitar melhor as ferramentas tecnológicas disponíveis;

» Evite ficar de pijama o dia inteiro quando tiver de trabalhar de casa;

» Soluções criativas são necessárias, pois o trabalho não será necessariamente como antes.


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    homem sorrindo Foto: Arquivo Pessoal
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    uma mulher em frente a um notebook Foto: Arquivo Pessoal
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    mulher sorrindo Foto: Arquivo Pessoal

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