Cidades

Morre JK

A vida de Construtor de Brasília encontrou seu fim na Rio - São Paulo

Correio Braziliense
postado em 20/04/2020 06:00 / atualizado em 16/09/2020 14:22

Pessoas carregam o caixão do ex-presidente Juscelino Kubitschek coberto pela Bandeira Nacional durante o seu cortejo fúnebre.Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 23 de agosto de 1976 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram

 

O ex-Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira morreu calcinado sob as ferragens do automóvel em que viajava para o Rio de Janeiro, depois de um encontro com o ex-Presidente Jânio Quadros. O acidente ocorreu na altura do quilômetro 165 da Rodovia Presidente Dutra, próximo à localidade de Engenheiro Passos. JK viajava num Opala de placa RJ-NM 9326 que, em dado momento, atravessou a pista e chocou-se, de frente, com uma carreta Ladislau Borges por volta das 18h40min. O Opala era dirigido pelo motorista Geraldo Ribeiro e os corpos, tanto do ex-Presidente como do motorista ficaram praticamente irreconhecíveis e presos no carro. Com o impacto o ex-Presidente sofreu violenta pancada no rosto e seus braços e pernas ficaram também totalmente mutilados. O motorista da carreta salvou-se, mas está hospitalizado na Santa Casa em Resende.

 

Juscelino embarcou em Brasília na tarde de sexta-feira, para um encontro que se dizia político com Jânio Quadros, Lucas Nogueira Garcez e outros líderes. Seus amigos, ainda no aeroporto, procuraram dissuadi-lo daquela reunião, mas JK dera sua palavra. De lá seguiria para sua residência, no Rio de Janeiro onde já o aguardava sua mulher. D. Sarah. 

 

A força negativa do mês de agosto perseguiu o ex-Presidente que no curso deste mês teve que desmentir, duas vezes, as notícias de sua morte. Na primeira respondeu, sorridente, aos repórteres, mas na segunda oportunidade entendeu que já se fazia brincadeira de mau gosto. 

 

Dos três ex-presidentes cassados (Juscelino, Jânio e Jango), JK é o primeiro a perder a vida. Cumpriu os 10 anos de punição e não se esforçava por voltar à atividade política. Sua fazenda nas proximidades de Brasília tornou-se um ponto de encontro, sobretudo nos fins de semana. Amigos e políticos procuravam-no aos sábados e domingos quando os grandes lances do passado eram rememorados. 

 

Com a morte do construtor de Brasília o país perde um expoente político dad última geração dos grandes líderes. 

 

Sepultamento em Brasília

Informações de familiares do ex-Presidente Juscelino Kubitstchek revelaram na madrugada de hoje que o seu sepultamento será em Brasília. Seu corpo está sendo esperado, hoje, às 2h da tarde. Do Aeroporto seguirá diretamente para o Cemitério da Esperança. Também o sepultamento do seu motorista, de 68 anos de idade, será na Capital da República, no mesmo dia. Geraldo Ribeiro era motorista de Juscelino desde o tempo da Prefeitura de Belo Horizonte, nos anos 40. 

 

O Sofrimento de D. Sarah

Dona Sarah Kubitschek foi presa de forte crise nervosa, em sua residência na avenida Altântida, 1.022, em Copacabana no Rio de Janeiro, ao tomar conhecimento da morte trágica de seu marido. Uma das filhas do Presidente Juscelino, Márcia, se encontra em  Porto Alegre, acompanhando o Balé do Rio de Janeiro. 

 

O corpo do ex-Presidente Juscelino Kubitschek deixou o necrotério de Resende por volta de meia-noite e, num carro funerário, acompanhado pelo investigador Manoel Dantas, seguiu para o Rio de Janeiro, onde será autopsiado no Instituto Médico Legal.

 

Assim JK deixou o poder

No dia 31 de janeiro de 1961, numa solenidade que durou 20 minutos, Jucelino Kubitschek transmitia o comando da República a Jânio Quadros dizendo que “a democracia estava consolidada e estabelecida a paz que todos esperamos duradoura”, para do seu sucessor ouvir que “o Governo de V. Exa. terá marcada na História a sua passagem, principalmente porque consolidou, em termos definitivos, no País, os princípios do regime democrático”.

 

“Excelentíssimo senhor Presidente Jânio Quadros:

Tenho a honra de passar às mãos de Vossa Excelência o comando da República, para o qual foi escolhido pela maioria do povo brasileiro.

 

Ao fazê-lo, quero repetir o que reiteradamente tenho dito, depois que se verificou nítida a vitória eleitoral de Vossa Excelência - o meu desejo de que seja feliz em seu governo. Termina pra mim, como Presidente, a luta em que me empenhei em favor deste País; para Vossa Excelência inaugura-se uma jornada, abre-se uma perspectiva, principia uma tarefa nova. 

 

Tenho, neste momento, como razão maior de orgulho, poder entregar a Vossa Exª, o Governo da República em condições mui diversas daquelas em que o recebi, no tocante à estabilidade do Regime.

 

Está consolidada, entre nós, a democracia e estabelecida a paz que todos esperamos duradoura. 

 

O sentido que imprimi ao meu governo para tornar o país consciente da sua grandeza e levá-la a entrar na posse dos instrumentos de sua ação redentora, o futuro há de julgá-lo, ao abrigo das paixões violentas, mas efêmeras.

 

Peça a Deus, Senhor Presidente, que ajude a Vossa Excelência acertar sempre; que torne extraordinariamente fecunda a sua administração; que o proteja e inspire na viagem que agora se inicia”.

 

JANIO PARA JUSCELINO

“O governo de V. Exa., que ora se finda, terá marcada na História a sua passagem, principalmente porque, através de sua meta política, logrou consolid*** em termos definitivos, no País, os princípios do Regime Democrático”. 

 

PESAR DOS POLÍTICOS

Magalhães Pinto

Emocionado e chocado com a morte de Juscelino Kubitschek num acidente lamentável, poucas palavras tenho a dizer nesta hora a não ser que com o seu desaparecimento o Brasil perdeu um filho que muito o amava e que por ele deu todo o seu esforço e, praticamente, toda a sua vida. Homem empreendedor, de larga visão, pôde na presidência da República prestar grandes serviços ao País, que lhe fica a dever o início de uma época desenvolvimentista. Homem bom e generoso, morreu, estou certo, sem qualquer ódio no coração, deixando o país em grande mágoa.

 

Janio Quadros

“Eu tenho a felicidade de haver feito justiça ao grande presidente, ainda em vida. Procurei-o quando estava ele adoentado em Belo Horizonte e as nossas pequenas diferenças desapareceram, para surgir verdadeiro sentimento de amizade. Ao criar Brasília, dentre outros atos fecundos de sua gestão, Juscelino Kubitschek passou para a imortalidade. Não há brasileiro que não lhe deva o engrandecimento e o progresso deste país”.

 

Petrônio Portella

O que mais distinguiu Juscelino Kubitschek como Presidente da República, foi o otimismo que soube transmitir aos brasileiros. Da raça dos pioneiros, olvidou outros parâmetros e voltou-se para a administração pública, atirando-se para a administração pública, atirando-se em gestos ousados ao afã de alcançar metas que considerou necessárias ao desenvolvimento nacional. 

 

Espírito ecumênico e administrados versátil, venceu as oposições que obstaculizavam a sua ação de governo. Se não foi um líder partidário, compensou suas limitações com o apelo direto ao povo. Poucos foram tão populares como Juscelino que nos legou BRasília, que simbolizava e retratava, por sua significação, por quanto custou ao país como acervo negativo e positivo de uma personalidade polêmica, mas de extraordinária riqueza humano. 

 

Virgílio Távora

Com o desaparecimento do ex-presidente Juscelino Kubitschek perde o Brasil um dos filhos que mais lutou pelo seu progresso. Deve-se a ele o “take - off” do desenvolvimento pátrio. Homem humano - sou um dos exemplos de que ódio não guardava no coração, haja vista os exemplos de complacência perante minhas atividades nos tempos que já vão longe, de Aragarças e Jacareacanga - estou certo que morreu com a mesma compreensão dos fatos e das pessoas que teve nos momentos de maior poder. 

 

Catette Pinheiro

Julgo de consternação o sentimento de todos os brasileiros, ao tomarem conhecimento de um acidente tão brutal, que tirou a vida do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Um homem que segundo os seus amigos mais intimos, manteve sempre a alegria de viver, dentro da relatividade das coisas, ter o fim de sua vida mais coerente com tudo aquilo que ele sempre alimentou.

 

Perde o Brasil um de seus maiores filhos da história moderna. Que todos saibam reconhecer num momento tão comovedor o quanto ele deu de trabalho e de ação pelo progresso do país. 

 

Amaral Peixoto

Só com o tempo será prestada a preciosa justiça que representa para o país a vida de Juscelino Kubitschek. Sobretudo para Brasília, que ele idealizou e construiu apesar das resistências opostas, que foram numerosas.

 

Sobre sua atuação no plano nacional, só o tempo permitirá das uma noção exata do que foi um homem de grande coragem no fim de sua vida, quando sofreu uma grande injustiça.

 

A promessa de um novo DF

 

Juscelino, como prometera aos brasileiros, inaugurou Brasília no dia 21 de abril de 1960. Um dia antes desembarcou na nova Capital o concedeu ao repórter José Leão Filho, do CB, a sua primeira entrevista na qual explicou as razões por que icluiu a construção de Brasília em suas famosas metas de governo, vamos reproduzi-la:

“Minha decisão de construir Brasília eu a tomei durante o primeiro comício de minha campanha política em Jataí, no Sudeste de Goiás, quando um popular, no meio da multidão me interrogou a respeito. A pergunta absolutamente inesperada chegou, por um momento, a perturbar-me. Já ia adiantada, a elaboração de meu programa de metas, mas confessa que jamais havia pensado em mudar do Rio de Janeiro a Capital da República. Naquele breve instante assumi perante todo o país a maior responsabilidade de minha vida pública, responsabilidade que se enquadrava perfeitamente em meu propósito de fazer cumprirem-se todas as recomendações de nossa Carta Magna. Daí em diante, em Anápolis, em Belém, no Rio de Janeiro, no Sul, por toda parte onde me renovavam a pergunta, a resposta era invariável: Construir a Nova Capital”. 

 

Agora, a História

Talvez poucos tenham percebido. Mas agora parece que os imponderáveis edetivamente se conjugaram, e o que poderia parecer um episódio fortuito, um simples acaso, traz o sentido de uma antecipação premonitória.

 

Tombou a semana passada o Cruzeiro, que marcou o primeiro ato de fé pública de Brasília, sob cuja égide os longes dessas planuras ouviram o apelo cristão, invocando as bênçãos do alto para a Capital da Esperança que nascia.

 

Ontem, também envolvido nos designios do destino, tombou o ex Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.

 

A força, o coração, a inteligência e a visão abrangente do Homem de Estado não só levantaram o Cruseiro, recém - tombado, mas também esta cidade, numa epopéia de coragem, de afirmação, fazendo vivo o sonho de Dom Bosco e materializando os anseios de interiorização que a Nação alimentava desde o instante em que os brasileiros se conscientizaram de inequívocas vocações de grandeza do país. 

 

Entre atônita e amargurada pela tristeza, a Nação foi sacudida ao crepúsculo de ontem com uma notícia que ninguém queria aceitar, tal a brutalidade de sua crueza, tão fundo, ela alcançava a alma de todos os brasileiros.

 

Ao fazer este registro o “Correio Braziliense” cumpre uma de suas mais duras e dolorosas missões sem igualmente fugir ao indeclinável dever de prantear com profunda tristeza o episódio, lamentando pelas formas mais sentidas o instante de sofrimento que a Nação experimenta pela morte de um de seus mais ilustres filhos.

 

De Juscelino Kubitschek ficam marcas profundas no corpo e na alma do Brasil.

 

Sua generosa contribuição de estadista, seus feitos materiais, suas realizações - Brasília, sua obra-prima - são marcas que balisam o caminho que agora o júri da história vai julgar para a posteridade.

 

No seu exemplo, no seu caráter, no seu amor extremado ao Brasil, seguramente, vamos encontrar as mais puras gemas, o cristal genuíno que agora a História vai imortalizar.

 

Há um mês era o batizado de uma nova vida

No dia 18 de julho último, em sua fazenda no município de Luziânia, aqui no Planalto Central, o ex-presidente Juscelino Kubitschek batizou sua neta Júlia, filha do casal Márcia Kubitschek e Baldomero Barbará, numa festa familiar simples, com a presença apenas de parentes e amigos. No dia seguinte, 19, uma segunda-feira como hoje, o CB publicava esta foto da cerimonia celebrada pelo Arcebispo de Brasília, Dom José Newton, na qual se vêem JK, D. Sarah e sua filha Maristela. Na ocasião, o construtor de Brasília, coerente com a tradição de toda uma vida, que se expiraria pouco mais de um mês depois, lembrou os ensinamentos de Cristo: Ele ensinou tudo, menos trair e no entanto havia os que traiam.

 

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  • Foto: Arquivo CB/D.A Press
  • Carreata no funeral do ex-presidente da Republica Juscelino Kubitschek
    Carreata no funeral do ex-presidente da Republica Juscelino Kubitschek Foto: Arquivo/CB/D.A Press

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