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Correio Braziliense
postado em 25/04/2020 04:07

Fomos todos reis do bete

Há tempos observo esta característica entre os brasilienses da minha geração, e ela voltou a ficar evidente em um encontro, via Zoom, com amigos esta semana. Eu me refiro à mania dos caras que passaram a infância em Brasília nos anos 1970 e 1980 de garantir que foram os melhores jogadores de bete da cidade.

Bete, para quem não sabe, é um jogo entre duas duplas. Quem está com o taco (ou bete) se diverte. Quem está com a bolinha, tentando acertar uma lata de óleo Liza a uns 20 metros de distância, tem os piores momentos de sua vida, correndo feito bobo atrás da maldita bolinha que é rebatida pelos dois jogadores que estão se divertindo (para mais detalhes, consulte a internet).

Pois bem, quem foi criança em Brasília há uns 30, 40 anos, tinha de jogar bete. E, pelo que me lembre, cada quadra devia ter, no máximo, um grande jogador, aquele que acertava a bolinha com força e precisão e tornava ainda mais infernal o seu dia, quando você não tinha a sorte de formar dupla com ele. Hoje em dia, porém, basta os quarentões daquela época ouvirem a palavra “bete” para logo começar a se gabar.

“Joguei muito bete!”, costuma ser a exclamação com a qual iniciam o falatório. Depois, fazem alguma referência à quadra onde moravam. “Lá na 105, o bicho pegava!” E, dando você trela ou não, se dizem os melhores. Já ouvi de tudo: “Eu era especialista”, “já fiz muito moleque correr”, “eu jogava era com o cabo da enxada”, “cabo de vassoura bastava pra mim”, e por aí vai. E se o sujeito está com um amigo que poderia desmenti-lo, esse amigo não faz isso. Ao contrário. Entra na história e também diz que era o tal. No fim, um desavisado pode jurar que está diante de uma dupla que ganhou vários campeonatos mundiais de bete.

Não pense a cara leitora, o caro leitor que me incomodo com os pretensos ases do bete. Mesmo porque, para ser justo, não acho que tal fenômeno seja uma exclusividade dos brasilienses de meia-idade. Quando algo inspira uma nostalgia boa, a gente tem vontade de se imaginar mesmo como um dos protagonistas daquilo. E o bete foi algo que realmente marcou a infância de quem cresceu com Brasília. Todos queríamos ser bons no bete. E, agora que passou o tempo, gostamos de nos ver como grandes jogadores.

E, quer saber?, fomos grandes jogadores. Mesmo gente como eu, que, nas raras vezes em que acertava a bolinha, a mandava para trás e não para frente, deu vida a uma brincadeira que ficou marcada na nossa memória e na história cultural da cidade. Não fôssemos nós, desenhando círculos brancos com giz entre os quebra-molas e construindo tacos a partir de pedaços de madeira retirados das várias obras que povoavam a cidade, o bete não teria existido e não faria parte das lembranças afetivas de Brasília. Por isso, fomos todos reis do bete. Pode tirar onda à vontade, pessoal.

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