Cinco das oito regiões administrativas com maior percentual de letalidade por coronavírus, segundo dados da Secretaria de Saúde, estão enquadradas como de média/baixa renda ou baixa renda, na classificação mais recente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Apesar de a incidência de casos ser mais significativa nas áreas com alto poder econômico, as mortes não seguem, até então, um padrão. Na avaliação de especialistas, o volume de dados do DF é baixo para cravar que a situação de vulnerabilidade social na capital está relacionada diretamente aos óbitos, mas é preciso se manter alerta para evitar que os danos da Covid-19 sejam mais drásticos para essa faixa populacional.
O diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José David Urbaez, é cauteloso ao analisar os dados, mas ressalta que o problema pode ser constatado em outras regiões, como a cidade de São Paulo. “Em áreas de vulnerabilidade social, é previsível que nós tenhamos acesso mais difícil ao sistema de saúde e é possível que tenhamos mais letalidade. A pandemia escancara a desigualdade social no Brasil, e isso poderá se refletir em taxas de letalidade muito maiores do que nas áreas de maior renda”, analisa.
Ele destaca como fator de preocupação a proposta de reabertura da maioria das atividades comerciais a partir de 3 de maio, como pretende o GDF. Na avaliação dele, isso pode aumentar a movimentação do vírus. “Com o distanciamento social, não se permitiu a circulação muito elevada do vírus nas áreas de classe média e alta, por onde ele entrou aqui, para a periferia porque essas pessoas estavam separadas de maneira eficaz. Assim que reabrir esse fluxo, vai trazer de novo todos esses trabalhadores para as áreas em que há mais incidência do vírus”, explica. Ele destaca que a quebra do isolamento aumenta não só o volume de casos, mas também a letalidade.
Números
A maior taxa de letalidade, segundo o boletim da Secretaria de Saúde de 27 abril, é do Riacho Fundo 1. De oito casos registrados na região, dois levaram a mortes. O segundo maior índice percentual está na Estrutural, uma das áreas mais carentes do DF, onde houve 10 infectados e uma morte.
Para especialistas, é necessário analisar os números com visão ampla, que não observe somente o cenário atual da relação entre os serviços de saúde e as cidades mais afastadas da área central de Brasília, como explica Eliana Bicudo, infectologista do Hospital Home. “Hoje, o acesso aos hospitais não é um problema. Estamos conseguindo atender às demandas do coronavírus. Mas temos um histórico de problemas de acesso ao serviço público. Quando olhamos para trás, percebemos pacientes com diabetes, hipertensão, asma e outras doenças sem o tratamento necessário, o que piora os quadros”, ressalta.
A médica considera que o índice de letalidade é um problema causado por vários motivos, e os aspectos sociais devem ser levados em consideração. “Temos de levar em conta, por exemplo, a forma com que foi feito o isolamento. Ele foi mais adequado nas áreas centrais, mas, nas regiões periféricas, temos mais pessoas morando na mesma casa, ambientes menores e uma boa parte da população que precisa sair de casa, porque, se não, não come amanhã”, lembra. Nesses casos, Eliana reforça que o uso de máscaras deve ser reforçado, assim como manter as etiquetas respiratórias e higienização das mãos. “Acredito que vamos observar um aumento de casos na população de cidades distantes do Plano Piloto, mas a letalidade é fruto de situações complexas, que precisam ser trabalhadas”, considera.
O secretário de Saúde, Francisco Araújo Filho, comentou a incidência da Covid-19 nas periferias e as ações do GDF para combatê-la, na entrevista coletiva mais recente promovida pela pasta. “Nós temos uma programação e um planejamento pautados nos resultados. Cada local desses tem hospital, tem unidade de Saúde da Família e alguns têm UPAs”, afirmou. “A nossa estratégia é fortalecer a rede. Termos sempre número maior de leitos do que pessoas internadas para que a gente dê essa segurança para a população”, acrescentou.
Cuidados
Uma cidade que preocupa pelo grande número de habitantes e fluxo constante de pessoas é Ceilândia, que, somada à região administrativa de Sol Nascente, registra 54 infecções pela Covid-19 e quatro óbitos. Morador do local desde que nasceu, Diego Batista, 26 anos, diz que o crescimento da cidade causa impacto de difíceis soluções no sistema de saúde. “Acho que a saúde pública como um todo nunca funcionou da forma que era esperada, até por conta da demanda, que é de gente daqui, do Entorno e de outros lugares. Vejo esforços do governo, mas é um problema que não se resolve da noite para o dia. São coisas que vêm de anos atrás”, comenta o consultor de recursos humanos.
Essa é uma preocupação que se une a outros medos constantes para Diego. “Pensei que não chegaria ao que se transformou hoje, de parar tudo e a gente precisar se reinventar. Tenho pessoas do grupo de risco em casa, e a minha noiva está na linha de frente, trabalhando na área de saúde”, conta. Diego vê o caso da região como complexo, mas acredita que a conscientização é um dos primeiros caminhos para evitar o crescimento de casos e mortes na região. “Ceilândia é um dos locais em que as pessoas mais estão sofrendo, por causa da renda, que faz com que boa parte da população precise continuar trabalhando, e, talvez, porque muitos demoraram para perceber o perigo do vírus. Temos de tomar os maiores cuidados possíveis. Coisas que parecem até exagero para quem não entende a gravidade, mas são necessárias”, acredita.
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