Correio Braziliense
postado em 01/05/2020 04:06
Os números assustam. No mundo, são mais de 200 mil mortes causadas pela Covid-19. No Brasil, já ultrapassamos os 5 mil óbitos, e no Distrito Federal, 30 pessoas morreram em decorrência do novo coronavírus. Mais do que estatísticas e números, são milhares de vidas perdidas e de famílias que sofrem com a dor da perda. Em meio à pandemia, brasilienses lutam, no luto, contra o vírus. Mostram a gravidade da doença e o fato de ninguém estar imune. Nos relatos, a mensagem de todos se repete: ficar em casa e se proteger.
A professora Iara Souza Meireles, 45 anos, filha da primeira vítima da Covid-19 no Entorno do DF junta as forças, agora, para cuidar do pai. A mãe, Maria Lopes de Souza, 66, moradora de Luziânia, morreu em 26 de abril com a doença. O pai, também diagnosticado, recuperou-se e hoje está com a família. “É um vazio imenso. A gente fica totalmente com o coração partido. Agora, é uma preocupação a mais por causa do meu pai. Ele era muito dependente da minha mãe. Tive que mudar muitas coisas na minha vida para ficar mais próxima, dar esse apoio. Ele está muito abalado”, conta.
Iara não esquece os dias de desespero que passou com a mãe. A idosa foi transferida para Goiânia após o quadro se agravar. “Fui na frente para resolver a documentação e minha mãe ficou 55 minutos no corredor esperando, porque o hospital nem sabia que ela estava chegando. A falta de preparação dificultou muito. Às vezes, fico pensando que ela poderia até estar aqui”, lamenta.
Iara espera que ninguém passe pela sua dor, e aconselha a população a se proteger. “Muitos não levam a sério o isolamento. Muita gente só acredita quando passa pelo que eu passei. Minha mãe seguia as orientações, ficava na chácara, saiu um dia para o ir ao mercado e marcar uma consulta, e aconteceu isso. É muito triste.”
A professora ainda lamenta não ter podido se despedir da mãe. Ela pôde vê-la apenas na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Luziânia, pois o enterro foi sem velório. “Quando eu voltei de Goiânia, fui direto para o cemitério. Não teve nem como me despedir. Quando chegou o corpo, já enterrou. Só fui eu, minha filha, meu genro e uma irmã”, relata.
Choque
“Ninguém espera que isso vá acontecer com um parente próximo.” O lamento é da bancária Camila Contijo, 39, filha de Celina Xavier Contijo, 63, mais uma vítima do novo coronavírus. A moradora de Águas Claras morreu no último sábado. Seis dias após, entre lágrimas, Camila compartilha: “Esses dias têm sido difíceis sem ela aqui”. Ela lembra que insistiu para a mãe ir ao hospital. “A orientação é ficar em casa, mesmo com os sintomas, mas quando sabemos o momento de ir ao hospital? Falta orientação”, indaga.
Celina deixou três filhos, dois netos e uma bisneta. “Minha mãe foi uma pessoa maravilhosa, sabe? Uma mãe e mulher incrível. Toda a família e os amigos estão sentindo muito.” Hoje, o desejo da bancária é somente um: “As pessoas deveriam se conscientizar e cuidar das outras. É uma questão de respeito mútuo. Eu uso máscara, luva, para proteger o outro, que tem família também. Pode ser mãe, avó ou bisavó, como era a minha mãe.”
O conselho é o mesmo da doméstica Mara Carvalho Vaz, 38. Ela perdeu um primo, de 45 anos, morador de São Paulo, em 1º de abril. A causa da morte causou surpresa em todos. O primo de Mara foi ao hospital após sentir dores nas costas, tosse e dificuldade para respirar. “A gente tinha perdido o irmão dele há pouco tempo de câncer, então, quando começaram os sintomas, pensamos no câncer. Mas ele começou com uma febre muito alta e, ao chegar ao hospital, foi logo entubado”, relata. Foram apenas quatro dias para o primo de Mara morrer. “Não teve despedida, só levaram o corpo dele para o crematório e a família recebeu só as cinzas”, lamenta.
Para a doméstica, ver o que ela tanto assistia nos noticiários chegar à sua família foi um choque. Hoje, fica a dor de não poder mais conversar com o primo. “Ele era como um irmão. Todo dia mandava áudio, mensagens. É muito triste pegar o celular e não ter mais mensagem dele e saber que amanhã ela também não vai chegar.”
Prevenção
A melhor forma de lutar contra o vírus e contra o aumento de mortes ainda é o isolamento social, segundo especialistas. “Não estamos enfrentando uma experiência dramática, como Manaus. Daí, a população faz uma leitura de que estamos passando por uma situação normal e não pontua a gravidade da pandemia”, analisa o infectologista José David Urbaez, diretor científico da Sociedade de Infectologia do DF.
Para ele, as medidas tomadas antes do registro de óbitos contribuíram para o controle dos números e a baixa taxa de letalidade no Distrito Federal. Porém a tendência, acredita o médico, é de que mais vidas se percam, e é preciso lutar contra isso. “Continuar o isolamento social é a melhor alternativa.”
* Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte
- Três perguntas para João Armando, psiquiatra do Instituto Castro e Santos (ICS)
Como lidar com as perdas?
Para saber lidar melhor com a morte, a sociedade precisa mudar como um todo, falar mais sobre o tema. Nós temos a morte como um tabu e não conseguimos nos preparar para ela e entender. Temos muita dificuldade de falar o que, como e o que queremos para o dia da nossa morte. Quando alguém introduz esse assunto na família, já é algo muito ruim. A gente tem essa falsa impressão de que falar da morte chama a morte. Mas isso não acontece. Falar da morte prepara. Se eu souber o que a pessoa gostaria, eu vou lidar com aquilo de forma mais fácil. Mas caso esteja muito difícil lidar com a situação, aconselho a procurar um profissional para ajudar.
Uma das medidas de prevenção é a ausência de velórios. Isso torna a perda ainda mais dolorida?
O velório é um rito de passagem muito importante, nos dá a sensação de que as coisas foram feitas da maneira correta. Quando você não pode velar, fica o sentimento de que não houve despedida. A simbologia do rito é importante por isso. Nesse momento em que não se consegue fazer velório, acaba sendo muito ruim.
Ver a contagem de mortes por todo o mundo não é algo fácil, mesmo para aqueles que não conhecem as vítimas. Como o senhor analisa isso?
É algo muito ruim. A gente adquiriu o hábito de ficar todos os dias esperando o fim da tarde para saber quantas pessoas morreram no Brasil. A gente fica torcendo para que sejam poucas. E se amanhã sair uma notícia contabilizando 50 mortos vamos comemorar, como se 50 fosse pouco. É uma situação complexa. A forma como é feita essa contagem tem sido ansiogênica. É impossível não sentir ansiedade vendo essa situação. Isso vai causando uma angústia muito ruim. De fato, faz com que o tema fique pior de ser debatido em um contexto geral.
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