Correio Braziliense
postado em 04/05/2020 04:14
Sebastião Salgado
A fotografia sempre me fascinou. Desde os tempos em que brincava de olhar contraluz os negativos e desvendar que imagem sairia daquele pedaço rígido de plástico marrom com impressões que deixavam as pessoas e as paisagens engraçadas. Aproveitava cada segundo de diversão com a máquina analógica de lente 50mm e nome engraçado do meu pai (uma Yashica).
Logo que tive idade para isso, lá pelo início da adolescência, ganhei autorização para manusear a câmera. Uma das partes mais divertidas era puxar o gatilho — uma espécie de alavanca — entre cada um dos cliques e, depois, mover a traquitana que rebobinava o filme, enrolando-o de volta para ser levado à revelação.
Sebastião Salgado foi o primeiro fotógrafo brasileiro que me surpreendeu nessa descoberta da fotografia. Inicialmente, nos retratos, mais parecidos com poesias em forma de imagem. Anos mais tarde, com a potência de Gênesis e um importante alerta à humanidade sobre ações e consequências. “Ninguém tem o direito de se proteger das tragédias do seu tempo, porque somos todos responsáveis, de certo modo, pelo que acontece na sociedade em que escolhemos viver”, escreveu, na autobiografia Da minha terra à terra.
No mesmo livro, ele resume o próprio ofício e a trajetória como fotógrafo. “Para alguns, sou um fotojornalista. Não é verdade. Para outros, sou um militante. Tampouco. A única verdade é que a fotografia é minha vida. Todas as minhas fotos correspondem a momentos intensamente vividos por mim. Todas elas existem porque a vida, a minha vida, me levou até elas. Porque dentro de mim havia uma raiva que me levou àquele lugar. Às vezes, fui guiado por uma ideologia, outras, simplesmente pela curiosidade ou pela vontade de estar em dado local”, resumiu, em um dos trechos.
Lembrei-me especialmente desta parte da obra porque, na data em que celebramos o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, fotógrafos e outros profissionais da categoria foram agredidos em frente ao Palácio do Planalto, simplesmente por exercerem a profissão.
Enquanto tudo isso acontecia, Sebastião Salgado travava outra batalha, também encampada graças aos caminhos pelos quais a fotografia o guiou: o do direito à vida dos povos indígenas durante a pandemia de Covid-19. Ao lado de Lélia Wanick Salgado, sua companheira de vida e sem quem ele não conseguiria construir o próprio legado, apela ao governo que faça a sua parte. “O Brasil tem uma dívida com seus primeiros habitantes. Essa é a hora de fazer o que já deveria ter sido feito há muito tempo”, afirma, num vídeo que circula nas redes sociais com o pedido de apoio à população.
Em entrevista ao colega Luiz Calcagno, do Correio, o fotógrafo foi além, e fez um alerta importante: “É de conhecimento que o coronavírus pode exterminar grande parcela dessa população. É um genocídio, uma morte anunciada. E se as autoridades não tomarem uma posição, o Brasil passará a ser o responsável pela tragédia”. É mais que política, é sobre vida e responsabilidade.
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